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Produtividade da soja aumenta, mas preço recua

No Oeste do Paraná, média de produtividade está em 160 sacas por alqueire, passando de 200 sacas em casos isolados. Índice aponta aumento da colheita em 80% das situações

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A supersafra de soja estimada pelo Ministério da Agricultura e pela Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab) está se confirmando. Os números gerais apontam para o avanço da produtividade em inúmeras regiões do país, com destaque para o Paraná, que pode colher 19 milhões de toneladas, acima das 18,3 milhões inicialmente projetadas.

De acordo com a técnica do Departamento de Economia Rural (Deral) de Toledo, engenheira agrônoma Jean Marie Ferrarini, as lavouras de soja cultivadas pelos agricultores dos 20 municípios da área de abrangência do Deral resultaram em 1.745.800 toneladas colhidas em 472 mil hectares, diante de 1.588.734 toneladas em uma área de 471.500 hectares na safra 2015/2016, o que representa incremento de cerca de 12% na comparação de um ano para o outro. Contudo, o preço, que no ano passado era de R$ 70 ou mais por saca da soja e inicialmente estava em R$ 65 (neste ano), agora está em R$ 61,50, o que nivela o desempenho das safras 2015/2016 e 2016/2017.

Faixa de 220

Entre os casos de maiores produtividades nesta safra de soja na microrregião está a família Lunkes, que reside no município de Quatro Pontes, Oeste do Estado. A lavoura cultivada pelo casal Seno e Leci Lunkes, a filha Daiana, os filhos Rudi e Fábio e as noras Michele e Giliane rendeu 183 sacas de soja por alqueire em uma área de 35 alqueires. Deste total, 21 pertencem à família, enquanto os demais 14 são terras arrendadas.

Embora a média seja de 183 sacas, o capricho no plantio aliado ao manejo adequado, demais cuidados e chuvas na medida certa proporcionaram que a família Lunkes, associada à Copagril, colhesse 220,2 sacas de soja em uma área de 4,5 alqueires. Outros produtores colheram média próxima de 190 sacas por alqueire ou superior, entretanto esta área está sendo considerada pelo setor agrícola como a de melhor desempenho em uma determinada faixa na microrregião de Marechal Rondon.

Mesmo com a boa colheita, os Lunkes lamentam que o preço da saca encolheu na comparação com o ano passado, o que fez com que as safras de verão 2016 e 2017 ficassem praticamente equilibradas em termos de rentabilidade. A família, que trabalha unida, acredita que os resultados com o milho safrinha devem ser positivos na lavoura de 35 alqueires que já está cultivada.

Índice superior

Conforme Jean Marie, para Marechal Cândido Rondon a estimativa é de que a safra renda 114.170 toneladas, ou 3,768 toneladas em cada um dos 30.300 hectares cultivados, índice superior ao da regional, que é de 3,7 toneladas por hectare. Tal expectativa, segundo ela, também vale para os demais municípios da microrregião. “No ano passado, a área cultivada no município foi de 30 mil hectares, enquanto a produtividade alcançou 3,250 toneladas por hectare. Isto comprova que neste ano a safra foi 12% superior em termos de produtividade e qualidade dos grãos. O preço estava na média de R$ 70 no ano passado, quando neste ano se encontra em R$ 62, cuja diferença no preço pode ser compensada por uma produtividade maior”, menciona, acrescentando que, segundo técnicos da área agrícola, cerca de 40% da safra rondonense está comercializada.

A engenheira agrônoma salienta que a queda no preço da saca da soja foi impulsionada pela baixa do dólar, que recuou de R$ 3,40 para R$ 3,10. Além disso, conforme ela, especulações do período, a boa oferta, a colheita na América do Sul e a queda na demanda por alguns países compradores também contribuíram para que os preços finais pagos ao produtor terminassem retraídos.

Milho safrinha

A previsão do Deral de Toledo é a de que as lavouras cultivadas com milho safrinha sejam de 437 mil hectares, devendo atingir 2,665 milhões de toneladas. “Esta área já está toda semeada, sendo que a expectativa de produtividade se mostra muito boa se o clima favorecer. Na fase inicial nós tivemos um ataque severo de percevejo, que hoje está controlado. Para Marechal Rondon a previsão de área de milho safrinha é de 25,2 mil hectares, cujo rendimento deve ser de seis toneladas por hectare”, expõe.

Rentabilidade nivelada

O gerente comercial da Agrícola Horizonte, Valdair Schons, destaca que o resultado final em se tratando de produtividade se posicionou razoavelmente acima da expectativa. “Tivemos regiões com baixa produtividade girando de 80 a 100 sacas de soja, caso de Pato Bragado, assim como os distritos rondonenses de Bom Jardim, Iguiporã e Porto Mendes. Por outro lado, foram registradas produtividades acima de 160 sacas e pontos isolados com média de 200 sacas ou mais por alqueire. Alguns fatores como a falta de chuva e o sol quente afetaram um pouco a produtividade devido ao momento crítico em que algumas lavouras se encontravam, enquanto o excesso de chuva não chegou a prejudicar a produtividade e nem a qualidade dos grãos, por ter sido algo mais pontual”, comenta.

A área de ação da Agrícola Horizonte compreende cerca de 50 mil hectares em Marechal Rondon e municípios arredores, sendo que nesta região mais de 80% das propriedades tiveram resultado melhor do que no ano anterior. “Quanto à rentabilidade ao produtor, aí sim a gente avalia que vai ser algo próximo de 2016. No ano passado foi colhido menos, porém trabalhou-se com um mercado um pouco melhor, com preço mais vantajoso. Neste ano se colheu mais, contudo o preço ainda segue inferior, portanto a análise é de que exista um equilíbrio na rentabilidade financeira entre um ano e outro”, avalia.

Outro ponto citado pelo gerente comercial é de que a comercialização do produto na safra 2015/2016 foi antecipada de forma mais forte através de contrato e trava de preço para o mercado futuro. “Já na safra 2016/2017 o produtor tirou o pé e comercializou bem menos, o que também interfere muito na cotação do mercado, fazendo com que a gente não saiba até que ponto esta interferência é boa ou ruim ao mercado e ao produtor”, analisa. Ele acrescenta que no tocante à lavoura de milho o plantio foi diminuído na safra de verão, entretanto a produtividade foi boa e variou de 300 a 400 sacas por alqueire.

Produtor impactado

“A variação no câmbio do dólar afeta diretamente o produtor rural, pois quando da implantação da safra de soja a gente trabalhava com o dólar cotado em R$ 3,30 ou R$ 3,40, sendo que o custo de instalação representa R$ 3,40. Agora na colheita o dólar recua para R$ 3,10 ou um pouco abaixo disso. Essa diferença de câmbio impacta diretamente o produtor”, destaca.

Schons ressalta que a diferença média entre a safra 2016 e a atual está na casa de R$ 15 a saca de soja paga ao produtor. “Isto representa de 15% a 20%, considerando que R$ 15 por saca de soja é o que falta ao agricultor. Alguns produtores com mil sacas colhidas podem chegar a R$ 15 mil de queda na arrecadação na comparação entre uma safra e outra. Considerando uma demanda e a expectativa de um mercado mais atrativo, parte dos agricultores não faturou a safra de soja por completo em busca de melhor rentabilidade”, finaliza.

Fonte: O Presente

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Bovinos / Grãos / Máquinas Entrevista com Airton Spies

Santa Catarina está redefinindo a indústria do leite de olho no mercado internacional

O Jornal O Presente Rural entrevistou Airton Spies, um dos principais especialistas em agronegócio do Brasil, para discutir o panorama atual, as mudanças recentes, os desafios e as perspectivas do setor de laticínios no estado catarinense.

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Foto: Imagem criada por IA por Giuliano De Luca

O Jornal O Presente Rural entrevistou Airton Spies, um dos principais especialistas em agronegócio do Brasil, para discutir o panorama atual, as mudanças recentes, os desafios e as perspectivas do setor de laticínios em Santa Catarina. A conversa aborda como a tecnologia e a inovação estão sendo adotadas, as políticas públicas implementadas e a importância da sustentabilidade e do bem-estar animal na produção de leite. Spies também analisa as oportunidades e os desafios associados à diversificação da produção de laticínios e o acesso a novos mercados, tanto domésticos quanto internacionais. Confira a seguir a entrevista completa.

Airton Spies, um dos grandes entusiastas da produção de leite no Brasil – Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

O Presente Rural – Panorama atual: Como você descreveria o atual cenário da produção de leite no Santa Catarina em termos de volume, qualidade e competitividade em comparação com outras regiões do Brasil?

Airton Spies – Santa Catarina produziu, no ano de 2023, 3,55 bilhões de litros de leite total e industrializou 3,2 bilhões de litros. Houve um crescimento de 7% em relação a 2022, mostrando a força do leite e o investimento que os produtores estão fazendo no sentido de aumentar a produção. Inclusive, pela primeira vez na história, Santa Catarina se tornou o terceiro maior produtor nacional, só atrás de Minas Gerais e Paraná, superando o Rio Grande do Sul. Claro que no Rio Grande do Sul nós tivemos problemas de seca que prejudicaram bastante a produção.

A qualidade do leite tem melhorado muito. O leite que chega para as indústrias já está 100% em conformidade com as Instruções Normativas do Ministério da Agricultura, a Instrução Normativa 76 e a Instrução Normativa 77, de forma que, comparando o leite de Santa Catarina com o restante do Brasil, ele está entre os melhores em qualidade.

O grande desafio, evidentemente, é o custo de produção. Nós temos uma redução significativa no número de produtores. Atualmente, são 22.600 produtores que entregam o leite para as indústrias regularmente. Segundo o cadastro que nós temos, houve uma redução significativa, mas a escala dos produtores que permanecem na atividade tem crescido bastante, e a produção cresce tanto pelo aumento do rebanho naquelas propriedades que se especializam em leite, mas também pela produtividade, que tanto por vaca como por propriedade, tem aumentado significativamente nos últimos anos.

O Presente Rural – Mudanças recentes: Quais foram as mudanças mais significativas na indústria de laticínios em Santa Catarina nos últimos anos e como elas impactaram os produtores?

Airton Spies – O setor lácteo de Santa Catarina vem passando por uma grande mudança estrutural. O primeiro aspecto a destacar é a mudança tecnológica. A base tecnológica que vem sendo aplicada é cada dia mais intensa, mais moderna, tanto na parte de produção de alimento para os animais, com pastagens melhores, qualidade, quantidade, sistemas de manejo com pastoreio rotativo, e o confinamento, chegando tanto o composto barn como free stall em um grande número de propriedades. Então você tem uma mudança na base tecnológica e na estrutura produtiva.

Outro fator de mudança recente é o aumento da escala. Hoje já temos um volume de litros de leite por produtor próximo dos 500 litros por dia. A maioria dos produtores aumentou sua escala de produção justamente buscando viabilidade e diluindo os custos fixos por um volume maior de leite produzido.

O Presente Rural – Tecnologia e inovação: Como a tecnologia e a inovação estão sendo adotadas na produção de leite em Santa Catarina para aumentar a eficiência, reduzir custos e melhorar a qualidade do produto?

Airton Spies – A tecnologia e a inovação no setor lácteo são visíveis dia a dia, e há um esforço muito grande de geração e de novas tecnologias por parte da pesquisa agropecuária, principalmente conduzida aqui no Estado pela Epagri, mas também pela assistência técnica que vem se intensificando com três vetores: assistência técnica pública, onde foi dado um foco principal à cadeia produtiva do leite; assistência via Senar, que hoje chega a um grande número de produtores; e assistência técnica privada oferecida pelas próprias indústrias de laticínios, que procuram melhorar a qualidade da produção e aumentar a produtividade dos seus produtores fornecedores.

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Há um conjunto de esforços em andamento que mudam bastante a base tecnológica e a adoção de tecnologias para aumentar a eficiência, a produtividade e a qualidade. Claro que isso também busca redução de custos de produção no aspecto da genética animal. Nós tivemos grandes avanços e, com isso, em geral, dá para afirmar que as novilhas que entram em produção, via de regra, são melhores que as vacas que estão sendo descartadas. Esse ganho genético também é muito relevante do ponto de vista de eficiência e produtividade, além das máquinas e equipamentos. Nós temos hoje sistemas de ordenha e resfriamento de leite mais eficientes e modernos, que também proporcionam um ganho ao emprego da mão de obra na produção na propriedade. Sendo assim, cada unidade equivalente de trabalho nas propriedades consegue produzir mais leite, empregando sistemas de produção mais eficientes. Isso envolve inclusive o uso de mecanização, como tratores, etc.

Ainda em relação a tecnologia e inovação, é notório o processo de transporte com caminhões melhores e maiores, permitindo que o leite chegue nas indústrias com o padrão de qualidade preservado e atendendo às instruções normativas. Hoje, o processo de coleta de leite na maioria das indústrias foi melhorado através de roteirização com o uso de inteligência de computadores e GPSs para formação de rotas com melhor resultado e mais leite por quilômetro rodado. Claro que no âmbito das indústrias, na transformação do leite cru em produtos industrializados, nós também temos um avanço significativo nos últimos anos. Ou seja, a cadeia produtiva do leite está se modernizando com emprego de tecnologia e inovações.

O Presente Rural – Desafios atuais: Quais são os principais desafios enfrentados pelos produtores de leite em Santa Catarina atualmente, tanto em termos de aspectos técnicos como de questões regulatórias e de mercado?

Airton Spies – Nos desafios atuais, destaca-se que os produtores enfrentam uma crise de rentabilidade, com custos de produção altos e o preço do leite não respondendo na mesma proporção. Há também a competição com o leite importado do Mercosul. Vale destacar que essa é uma situação média, porém, existem produtores que já conseguiram se adaptar e adaptar seu sistema de produção para produzir leite economicamente viável aos preços internacionais.

Os preços pagos aos produtores sofreram reflexos da redução e da estagnação do consumo per capita no Brasil. Isso se somou ao fato de cerca de 9% do leite industrializado em 2023 ter vindo de importações, criando uma pressão por preços baixos. Os produtores enfrentam uma grave crise de rentabilidade, mas essa crise também está trazendo ajustes, principalmente em relação à estrutura de custos. Em Santa Catarina, em tono de 60% dos produtores deixaram a atividade. Na média, com a saída dos pequenos produtores, a eficiência média vem melhorando com os remanescentes que se adaptam às novas condições de competição.

Em termos técnicos, existem ganhos marginais que estão sendo incorporados, e por isso o leite cresceu em volume, mesmo com um número menor de produtores. Houve um grande esforço para adaptar o setor às instruções normativas, e hoje esse assunto está superado. Conseguimos chegar ao padrão de leite conforme os regulamentos, mas o acesso aos laboratórios de leite para medir a qualidade com maior frequência ainda é um desafio. Os produtores, através das indústrias, fazem uma análise mensal da qualidade do leite, mas para uma boa gestão, é necessário ter acesso a mais análises laboratoriais para servir de ferramenta de manejo e gestão do negócio.

O Presente Rural – Sustentabilidade: Como a sustentabilidade ambiental e econômica está sendo abordada na produção de leite em Santa Catarina, especialmente considerando a crescente preocupação com questões ambientais e o aumento da demanda por produtos sustentáveis?

Airton Spies – A questão da sustentabilidade ambiental, social e econômica está hoje batendo na porta de todas as cadeias produtivas do agronegócio, e a do leite não é diferente. Para ter acesso ao mercado, é preciso uma grande preocupação com a redução dos impactos ambientais gerados ao longo da cadeia produtiva. Isso envolve o manejo correto da água e dos dejetos, o uso de energia renovável nas propriedades e uma produção ambientalmente responsável.

Em algumas cadeias produtivas já se fala em neutralização de carbono, adotando estratégias como o reflorestamento para sequestrar o carbono emitido na cadeia produtiva. Esse debate está presente, por exemplo, nas discussões em torno dos parâmetros estabelecidos internacionalmente para atingir os padrões de ESG (Environmental, Social, and Governance), que visam a responsabilidade social, econômica e a governança das cadeias produtivas para atender parâmetros internacionais. Isso tem uma preocupação maior quando pensamos em conectar a cadeia produtiva do leite com o mercado global e a exportação. As questões ambientais sempre preocupam, pois a produção de leite é uma cadeia que tem emissões tanto no nível de produção, na propriedade, principalmente em relação ao metano, quanto no grande volume de transporte exigido nessa cadeia, deslocando grande volume de leite diariamente das propriedades para as indústrias e das indústrias para o mercado. Há, sim, uma demanda e pressão por produtos sustentáveis, e é uma condição que o setor tem que se adaptar para ter acesso a mercados.

O Presente Rural – Perspectivas: Quais são as perspectivas para o setor de laticínios em Santa Catarina nos próximos anos, considerando as tendências de mercado, as mudanças climáticas e outros fatores relevantes?

Airton Spies – As pe rspectivas para o leite em Santa Catarina são positivas, considerando que temos aqui, e isso vale também para os três estados do Sul, uma condição favorável à produção de alimento para os animais durante os 12 meses do ano. Não temos um período de frio extremo, como na Europa, Nova Zelândia e algumas regiões dos Estados Unidos e Argentina, onde o crescimento das pastagens é paralisado pelo frio e neve. Também não temos um período de seca extrema e sazonalidade das chuvas como no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil.

Aqui temos 12 meses de chuvas, com algumas diferenças sazonais, e possibilidade de utilização de espécies de pastagens que crescem melhor no verão e no inverno. Esse modelo nos dá uma vantagem comparativa que podemos transformar em vantagem competitiva, não só dentro do Brasil, mas também em relação a outros países que produzem leite. As tendências do mercado são crescentes, e temos números que mostram que hoje o mundo dispõe de cerca de 117 litros por habitante/ano, enquanto o consumo de lácteos recomendado pela Organização Mundial da Saúde é em torno de 200 litros por habitante/ano.

Claro que não há renda disponível em todos os países, principalmente os mais populosos da Ásia e África, para consumir 200 litros por habitante/ano. Mas, na medida em que a economia desses países melhora, o desejo dessa população é consumir proteínas animais, e os lácteos entram com força. Um bom exemplo é a China, que em 2007 consumia em torno de 18 quilos de lácteos por habitante/ano, e em 2018, já consumia 36 quilos por habitante/ano. Ainda é pouco, mas com o aumento da renda, haverá um crescimento na demanda mundial.

Os principais exportadores mundiais, como Nova Zelândia, União Europeia, Estados Unidos, Uruguai, Argentina e Austrália, têm pouco potencial de aumento da produção, restando ao Brasil uma grande oportunidade de aproveitar essas possibilidades de exportação ou atender ao mercado internacional.

As mudanças climáticas estão sempre no radar como um fator relevante para administrar riscos. Tivemos secas extremas e enchentes nos últimos anos e preocupações com o aumento da temperatura, que impactam a cadeia produtiva de leite, tanto na produção de alimento para os animais quanto no bem-estar dos animais em relação à temperatura. Hoje, com o leite progressivamente indo para confinamentos, há uma possibilidade de gerar uma ambiência mais favorável para os animais em períodos quentes ou de frio extremo, com o controle de temperatura no ambiente.

O Presente Rural – Políticas públicas: Qual é o papel do governo estadual na promoção do desenvolvimento do setor de laticínios em Santa Catarina e quais políticas públicas têm sido implementadas para apoiar os produtores locais?

Airton Spies – As políticas públicas têm um papel fundamental no desenvolvimento da cadeia produtiva do leite, especialmente nesse momento de grande transformação. Há ameaças para alguns produtores que não conseguem se adaptar sem apoio de políticas públicas, e também a necessidade de alavancar e estimular o setor a investir na produção sustentável com competitividade. Na Aliança Láctea Sul Brasileira, um fórum do leite dos três estados do Sul, elaboramos o Plano de Desenvolvimento da Competitividade Global do Leite Sul Brasileiro e apresentamos essas orientações aos governos dos três estados.

Aos poucos, surgem linhas de apoio para que o leite se desenvolva de maneira sustentável e competitiva. Os gargalos do setor são muitos. O leite brasileiro tem um custo de produção em torno de 20 a 25% superior à média dos países exportadores. Com o baixo crescimento do consumo interno, o caminho é a exportação. Para isso, precisamos de políticas públicas que ajudem o produtor e a indústria a fazer o dever de casa, superando os gargalos que nos afastam da competitividade global, tornando o setor viável para andar com as próprias pernas no futuro.

O governo de Santa Catarina lançou um pacote de R$ 300 milhões em três anos para apoiar o produtor de leite e as indústrias, compensando e estimulando a produção rumo à competitividade.

O Presente Rural – Bem-estar animal: Qual é a importância do bem-estar animal na produção leiteira em Santa Catarina e como os produtores estão se adaptando às demandas dos consumidores por melhores práticas?

Airton Spies – A preocupação com o bem-estar animal precisa estar no topo da lista de todos os produtores de leite, e isso está claro em Santa Catarina. Produzir com qualquer indício de crueldade ou maus-tratos aos animais não é possível, pois as portas do mercado se fecham na medida em que os consumidores têm acesso a muita informação. Redes sociais publicam informações sobre como a produção é feita, o que significa que é necessário cuidar bem dos animais. Isso implica submetê-los a um sistema de manejo que não cause estresse, tanto de temperatura quanto de condução, oferecendo boa alimentação e ambiência adequada, com uma ética que deve existir na cadeia produtiva.

Não basta fazer, é preciso transmitir essa imagem para a sociedade e os consumidores. Certificações que comprovem o respeito aos animais e a preocupação com o bem-estar são essenciais para que o leite seja produzido por animais que não sofram no processo e vivam felizes.

O Presente Rural – Diversificação de produtos: Além do leite fluido, quais são as oportunidades e desafios associados à diversificação da produção de laticínios em Santa Catarina, como a fabricação de queijos especiais, iogurtes e outros produtos lácteos?

Airton Spies – Para crescer a produção, é necessário buscar dois eixos de mercado. Um é o das commodities lácteas, que envolve o grande volume de leite, como leite em pó, leite longa vida, queijos como muçarela e cheddar, manteigas e gorduras lácteas, produtos padronizados e de menor preço com margens pequenas, mas grandes volumes. O outro eixo é dos produtos especiais e nichos de mercado, com maior valor agregado, como queijos especiais (ex: queijo serrano de Santa Catarina e Rio Grande do Sul), produtos coloniais, com o saber fazer tradicional com valor agregado, e iogurtes.

Foto: Divulgação/Arquivo OPR

Esse mercado não absorve grandes volumes de leite, sendo uma solução para pequenas e médias indústrias e produtores com posição especial no mercado. O vetor das commodities precisa focar no custo de produção, pois os preços são definidos no mercado internacional, como no GDT (Global Dairy Trade), que realiza leilões quinzenais de lácteos e dão diretriz do comércio internacional. Precisamos ser competitivos em ambos os mercados, produzindo produtos diferenciados e de valor agregado, além de desenvolver o acesso ao mercado das commodities lácteas para grandes volumes de leite.

O Presente Rural – Cadeia de valor: Como está estruturada a cadeia de valor do setor de laticínios em Santa Catarina, desde a produção primária até a comercialização dos produtos finais, e quais são os principais pontos de contato e conflito entre os diferentes elos dessa cadeia?

Airton Spies – A cadeia produtiva de leite é longa e complexa, com múltiplos atores. Do ponto de vista dos fornecedores de insumos, máquinas, equipamentos, tecnologias e genética, há um mercado se estruturando em Santa Catarina e na região Sul do Brasil para levar aos produtores qualidade antes da porteira da propriedade. Dentro das propriedades, há uma necessidade crescente de mão de obra qualificada, tecnologia da informação, internet, energia trifásica, acesso com boas estradas e recursos para melhoria da gestão, incluindo processamento de dados para controle da produção e tomada de decisão.

O lucro está no detalhe. Isso demanda técnicos, conhecimento e aplicativos de celular e computador, criando uma indústria de serviços para o produtor dentro da propriedade que cria oportunidades.

Após a porteira, há grandes oportunidades em melhorias no transporte, com caminhões que buscam o leite nas propriedades e fazem o frete em carretas maiores. A cadeia de valor mobiliza a economia, gerando empregos e renda, mas exige tecnologia que as universidades, principalmente aquelas ligadas à Medicina Veterinária, Agronomia, Zootecnia e Engenharia Agrícola, precisam fornecer aos produtores mais tecnificados e conectados com o mercado internacional.

Há necessidade de mudar o modelo de negócios, fidelizando o relacionamento entre produtor e indústria. O leite vai aonde a indústria quiser levá-lo, sendo as indústrias de laticínios os protagonistas. Elas precisam desenvolver seus fornecedores, firmando contratos de fidelização para que o produtor invista com segurança, sabendo para quem vai vender seu leite. A indústria precisa saber quem é seu fornecedor e quanto leite chegará na plataforma para assumir compromissos com o mercado, principalmente na exportação.

A cadeia de valor do leite está em desenvolvimento, e cada litro a mais produzido representa crescimento dessa cadeia, beneficiando até os governos com impostos e empregos gerados. A cadeia do leite é uma das que mais gera empregos por investimento. Há ainda conflitos a serem resolvidos, pois a cadeia está se estruturando de maneira mais padronizada e controlada, gerando alguns conflitos que precisam ser administrados. Os três estados do Sul têm em funcionamento seus Conseleites, onde o setor discute esses temas, assim como na Aliança Láctea Sul Brasileira, que reúne governos, indústrias e produtores para sentar e encontrar os caminhos para o fortalecimento da cadeia do leite.

O Presente Rural – Acesso a mercados: Quais são os principais desafios enfrentados pelos produtores de leite em Santa Catarina para acessar novos mercados, tanto domésticos quanto internacionais, e quais estratégias estão sendo adotadas para superar esses desafios?

Airton Spies – O acesso ao mercado é o grande desafio. A região Sul do Brasil produz cerca de duas vezes e meia o leite que consome. 41% do leite industrializado do Brasil sai dos três estados do Sul, com Santa Catarina sendo o segundo maior produtor do Sul, industrializando 3,2 bilhões de litros de leite, representando 12 a 13% do leite brasileiro, enquanto possui apenas 3% da população. Isso cria um excesso de produção em relação ao consumo local, isso vale para os três estados do Sul, e cada litro de leite a mais produzido precisa ir longe para encontrar consumidores, gerando custos logísticos que reduzem a rentabilidade.

Estamos focados em expandir o mercado através das exportações. O Brasil exporta menos de 0,3% da sua produção e, no ano passado, importou pouco mais de 9% do consumo. Apesar de termos licenças para exportar para mais de 25 países, nossos lácteos são mais caros que o mercado internacional. Temos problemas de estrutura e custos, e precisamos resolvê-los para aumentar a competitividade e conectar o leite brasileiro com o mercado global.

Para furar o teto dos 25 bilhões de litros de leite industrializado, precisamos de acesso ao mercado, reduzir o custo de produção e aumentar a eficiência para competir com Argentina, Uruguai e Nova Zelândia. Investimentos em produtividade, eficiência e redução de custos estão sendo feitos por empresas, produtores e governos.

O Presente Rural – Alianças estratégicas: Como as parcerias entre produtores, indústrias, instituições de pesquisa e o governo estão contribuindo para o desenvolvimento e a competitividade do setor de laticínios em Santa Catarina?

Airton Spies – Sou otimista em relação à cadeia do leite, que se tornará mais uma estrela do agronegócio brasileiro. Assim como transformamos o suíno, frango e carne bovina em produtos competitivos mundialmente, falta fazer o dever de casa para acoplar o leite ao mercado internacional. Não há solução sem exportação. Ao ser competitivo para exportar, aumentaremos a produção e rechaçaremos importações. O frango brasileiro é bom e barato, sendo o preferido do consumidor, enquanto importamos lácteos porque lá fora são mais baratos. Precisamos resolver os problemas de estrutura da cadeia produtiva, reduzindo custos, isso envolve também tributação, e tornando o leite competitivo, crescendo como as outras cadeias produtivas. Com exportação, teremos mais estabilidade e menos volatilidade nos preços, beneficiando o consumidor com produtos mais baratos e acessíveis, estimulando o consumo per capita.

Hoje, o Brasil roda muito para transportar pouco leite e trabalha muito para produzir pouco, por vários motivos. A eficiência na mão de obra e no transporte deverá atrair sucessores nas propriedades rurais, tornando a atividade mais humana e rentável. O leite será, sim, mais uma estrela do agronegócio brasileiro nos próximos dez anos.

Para ficar atualizado e por dentro de tudo que está acontecendo no setor de bovinocultura de leite e na produção de grãos acesse a versão digital de Bovinos, Grãos e Máquinas, clique aqui. Boa leitura!

Fonte: O Presente Rural
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Bovinos / Grãos / Máquinas Encadeamento produtivo

Investimento na melhoria genética proporciona evolução na cadeia láctea em Santa Catarina 

Ações de aprimoramento da cadeia láctea fazem parte do Programa Encadeamento Produtivo, que oportuniza conhecimentos e técnicas para melhorar a gestão do empreendimento, a avaliação de oportunidades e a inserção de inovações.

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Apresentar os resultados obtidos com o melhoramento genético na bovinocultura leiteira. Com esse objetivo o Sebrae/SC e a Aurora Coop promovem nesta quinta-feira (20), uma missão técnica com visita em duas empresas rurais na região Oeste catarinense. As ações de aprimoramento da cadeia láctea fazem parte do Programa Encadeamento Produtivo, que oportuniza conhecimentos e técnicas para melhorar a gestão do empreendimento, a avaliação de oportunidades e a inserção de inovações.

A programação consiste em visita às 09h45 na propriedade de Laudir Bisolo, localizada na Linha Chapada, interior do município de Arvoredo. Na sequência, no período vespertino, a visita será na empresa rural de Ivonei Nespolo, situada na Linha São Geraldo, no município de Concórdia. A intenção é observar a campo os ganhos genéticos e os benefícios proporcionados a esses produtores associados à Copérdia e que fazem parte do projeto Modelo Genético Aurora Coop (MGA). Por fim, às 16 horas, está previsto encerramento com debate sobre as visitas.

De acordo com o gerente corporativo lácteos da Aurora Coop, Selvino Giesel, essa iniciativa evidenciará o progresso genético obtido a partir de características de interesse econômico (produção, qualidade, volume, percentual de proteína e gordura, redução de contagem de células somáticas) e de conformação do rebanho (animais para a produção de sólidos, mais longevos, mais saudáveis, livres de doenças genéticas e que proporcionam melhor rendimento para a indústria e maior remuneração aos produtores).

Foto: Divulgação/Arquivo OPR

Genética avançada
Em julho de 2014, a Aurora Coop foi pioneira com o levantamento genético pela técnica de genotipagem do gado leiteiro. A tecnologia foi desenvolvida por cientistas de vários países com apoio do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e Universidades do Canadá e EUA. O objetivo foi auxiliar o modelo de seleção genética existente até então, o chamado teste de progênie.

Foram coletadas amostras de 2.500 animais de vários produtores, inicialmente das raças Jersey e Holandesa, para identificar e aferir a situação do patrimônio genético da região, seus pontos fortes e fracos. A análise permitiu conhecer 94 características do genoma dos animais, proporcionando analisar o mapa genético do rebanho, o que inclui informações sobre produção, saúde e conformação. Com base na definição do padrão genético foi desenvolvido o MGA.
O estímulo para a adoção dessa tecnologia foi a constatação de que muitas propriedades apresentavam dificuldades para atender as exigências da Instrução Normativa nº 62 (IN-62) – que estabelece padrões definitivos para a qualidade do leite cru refrigerado –, mesmo com assistência técnica, aperfeiçoamento do manejo, nutrição e outras modalidades de apoio e assistência. Isso porque muitos problemas estavam relacionados à genética, a exemplo de doenças deletérias e imperfeições no composto de úbere, composto de patas e pernas.

Esse investimento proporcionou informações para que os empreendedores rurais pudessem tomar as melhores decisões no uso da genética, atendessem a legislação vigente, maximizassem os ganhos e produzissem um leite de melhor qualidade, com mais sólidos, animais mais saudáveis e com maior longevidade. Além de contribuir para que o empresário rural e a indústria obtivessem melhor rendimento.

E, as ações para melhoramento na cadeia láctea prosseguiram após a genotipagem. Atualmente, são realizados o Controle Leiteiro das Filhas do MGA, Modelo Genético Próprio (MGP), Análise Genômica e Controle Morfométrico das Filhas do MGA. Como resultados obtidos estão a melhoria nos sólidos do leite, diminuição das taxas de doenças genéticas nos animais, correção dos aprumos, sistema mamário e características de estrutura e aumento nos índices de saúde e bem-estar animal.

Encadeamento produtivo

A iniciativa é do Sebrae e da Aurora Coop com o apoio de vários parceiros. Em Santa Catarina com Senar, Sescoop, Sicoob, Cooperalfa, Itaipu, Auriverde, Coolacer, Copérdia, Caslo, Cooper A1, Copercampos e Coopervil. No Rio Grande do Sul, conta com a parceria do Sebrae, Sicredi, Cooperalfa, Cooper A1, Copercampos e Copérdia. No Paraná participam o Sebrae, a Cooperalfa, a Copérdia e a Cocari e, no Mato Grosso do Sul, Sebrae, Cooasgo e Cooperalfa.

Fonte: Assessoria
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Economista aponta 12 tendências do setor de leite e derivados até 2030

Panorama revela como os produtores precisam se preparar para um futuro onde a eficiência, a sustentabilidade e a organização serão determinantes para o sucesso da atividade.

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Foto: Shutterstock

A indústria de leite e derivados está em constante transformação, impulsionada por mudanças demográficas, econômicas e tecnológicas. Para entender as principais tendências que vão moldar este setor até 2030, o Jornal O Presente Rural entrevistou com exclusividade o economista, doutor em Economia Aplicada, pesquisador e assessor da Presidência da Embrapa, Paulo Martins.

Economista, doutor em Economia Aplicada, pesquisador e assessor da Presidência da Embrapa, Paulo Martins: “A demanda por produtos lácteos no Brasil deve continuar crescendo, impulsionada por uma combinação de avanços tecnológicos, mudanças nas preferências dos consumidores e um aumento na renda per capita” – Foto: Arquivo pessoal

O especialista apresenta 12 tendências da pecuária leiteira, abordando desde o crescimento do consumo global e regional até a necessidade de inovação tecnológica e adaptação às demandas dos novos consumidores. Este panorama revela como os produtores precisam se preparar para um futuro onde a eficiência, a sustentabilidade e a organização serão determinantes para o sucesso da atividade. A seguir, vamos explorar em detalhes cada uma dessas tendências, oferecendo uma visão abrangente e estratégica para todos os envolvidos na cadeia produtiva de leite e derivados. Confira!

A primeira tendência é que o consumo de leite vai continuar crescendo no Brasil e no mundo, especialmente na Ásia, em que o consumo antes era baixo devido à falta de hábito e de renda da população. No entanto, essa região, que abriga 51% da população mundial, está se tornando uma grande compradora de leite. Com o crescimento da renda per capita, o consumo de proteína animal, especialmente o leite, que é o mais barato, está aumentando. Apesar dos esforços para aumentar a produção local, a Ásia enfrenta limitações específicas em terras agrícolas e água renovável. Portanto, a demanda por leite nessa região deve ser suprida por importações de outros países. No Brasil, também há uma perspectiva de crescimento contínuo do consumo de leite. Em 1996, o brasileiro consumia, em média, 133 litros por ano, e agora esse número subiu para 170 litros. Isso reflete tanto o crescimento da população quanto o aumento do consumo per capita. À medida que o rendimento melhora, a população tende a consumir mais, e um exemplo disso é o aumento no consumo de queijo, que é uma forma concentrada de consumir leite.

A segunda tendência é a redução no número de produtores, sendo que cada produtor vai passar a ter uma produção cada vez maior. Isso representa um desafio, pois os pequenos produtores vão precisar se esforçar para crescer e, ao mesmo tempo, buscar a integração em cooperativas para aumentar sua capacidade de negociação na compra de insumos e na venda de seus produtos. Essa dinâmica já está em andamento no Brasil há algum tempo, especialmente entre os maiores laticínios.

A terceira tendência observada globalmente é o aumento do número de vacas por propriedade. Não se trata apenas de vacas com maior produtividade, mas de um crescimento real do rebanho. Isso torna mais atraente para os laticínios comprarem leite desses produtores, pois conseguem adquirir maior quantidade de leite em um único local. É preciso estimular os produtores para aumentar seus rebanhos, seja comprando mais animais ou melhorando a reprodução em suas propriedades, para que possam expandir suas operações.

A quarta tendência é a alteração no perfil dos produtores. À primeira vista, parece que nada mudou, já que a produção de leite no Brasil tem se mantido estável nos últimos 10 anos. No entanto, houve uma transformação substancial. Os maiores produtores estão investindo pesado e não falam em crise. Eles aumentaram significativamente a produção porque perceberam que, quanto maior a produção de leite, menor o custo unitário por litro. Isso ocorre devido à diluição dos custos fixos, como construções e manutenção dos animais. Ou seja, estão ampliando seus rebanhos e aumentando a produção para reduzir os custos de produção.

A quinta tendência é a especialização regional da produção de leite. Embora praticamente todo o Brasil produza leite, há uma concentração significativa entre Cascavel e Passo Fundo, abrangendo o Oeste do Paraná até o Rio Grande do Sul, região em que já temos uma “Minas Gerais do leite”. Outras regiões também estão se especializando, como o Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, além do Sudeste, Nordeste e algumas áreas do Norte, que vêm aumentando a sua produção. Essa especialização regional é interessante e tem levado os laticínios a migrar para essas regiões.

Foto: Ari Dias

A sexta tendência diz respeito ao crescimento da cadeia produtiva. A produção vai crescer não em propriedades que se tenha vacas de melhor genética, mas em regiões em a cadeia seja mais organizada fora da fazenda. O sucesso no setor é definido pela colaboração entre instituições, produtores, sindicatos, cooperativas e todos os níveis de governo, especialmente o municipal. A forma como cada comunidade se organiza define o sucesso na produção de leite. Coincidentemente, as regiões onde a produção de leite está crescendo e se tornando mais densa são também aquelas com maior organização social.

A sétima tendência é que o leite não pode mais ser tratado de forma amadora; é um negócio sério. Quem está na atividade precisa pensar como um capitalista, fazendo muitas contas antes de gastar ou investir qualquer quantia. Ao mesmo tempo, é necessário ser audacioso, como todo empresário, equilibrando a cautela financeira com a coragem para inovar. Além disso, é essencial ser um bom administrador e, se possível, participar do trabalho na propriedade para entender melhor os problemas administrativos.

A oitava tendência é a necessidade de medir o desempenho do negócio de forma eficaz. Existem várias maneiras de fazer isso na propriedade, incluindo o uso de aplicativos modernos que facilitam o monitoramento. Contudo, é igualmente importante observar fatores externos, como a variação dos preços. Por exemplo, atualmente o preço do leite está subindo rapidamente. No entanto, é irreal esperar que o preço se mantenha em R$ 3 por litro a longo prazo. Portanto, quando o preço atingir esse valor os produtores não devem se precipitar em fazer investimentos de longo prazo, como comprar vacas, com base em um aumento momentâneo. É preciso ter cautela.

A nona tendência é que, além de medir o desempenho, é fundamental acompanhar os mercados. É importante monitorar os mercados de soja e milho para decidir sobre a alimentação animal, além de estar atento às decisões governamentais. Não basta focar apenas na propriedade; é necessário ter uma visão ampla e olhar para fora dela também.

A décima tendência é que o setor de leite vai continuar operando com margens muito estreitas. Essa é uma característica específica do setor, onde a margem, que é a diferença entre o preço e o custo, é limitada. Com o preço sendo praticamente fixo, os produtores precisarão se esforçar cada vez mais para reduzir seus custos. Isso exige o uso de planilhas de custos planejadas para identificar onde o dinheiro está sendo gasto e encontrar pontos de desperdício. É essencial monitorar e controlar essas áreas, pois as margens no setor de leite são extremamente baixas em todo o mundo.

Foto: Divulgação

A décima primeira tendência é a necessidade de se conectar claramente com o novo perfil de consumidor. Esse consumidor quer saber mais do que apenas se o produto é gostoso; ele quer saber como é produzido, se os animais são bem tratados e se há preocupação com questões ambientais. Para atender a essas demandas, os produtores precisam fazer mudanças importantes, mas não podem fazer isso sozinhos. É necessário o apoio dos laticínios, da pesquisa e da assistência técnica. Estamos entrando em um novo mundo, onde o consumidor está altamente preocupado com a sustentabilidade ambiental, a responsabilidade social e a transparência nos negócios. O setor de leite precisa se adaptar a essa nova realidade, pois essa tendência veio para ficar.

A décima segunda tendência é que o leite hoje não é apenas mais uma commodity; ele exige tecnologia avançada. É o que a gente chama de food truck. É o único produto que, por força de lei, deve obrigatoriamente passar pela indústria antes de chegar ao consumidor, ao contrário de outros produtos que podem ser comercializados diretamente. Portanto, tanto os laticínios quanto as propriedades precisam se tornar cada vez mais digitais, utilizando aplicativos para tomar decisões mais assertivas. É preciso ter mais precisão na tomada de decisões, uma vez que não há mais espaço para decisões baseadas no achismo.

Demanda por produtos lácteos até 2030

A evolução da demanda por produtos lácteos até 2030 será marcada por uma série de fatores, incluindo mudanças nas perspectivas do consumidor e avanços tecnológicos. Segundo Martins, essa questão é central nas tendências observadas atualmente no mercado. “Um dos principais elementos a considerar é a preocupação crescente dos jovens consumidores com a sustentabilidade e a produção do leite. Há estudos internacionais que apontam que o arroto da vaca e dos bezerros causa impacto ambiental. No entanto, pesquisas realizadas pela Embrapa e universidades brasileiras demonstram que a atividade leiteira pode mitigar esses efeitos por meio de práticas inovadoras e sustentáveis, como o sistema de integração lavoura, pecuária e floresta, que é facilitado pelo ambiente tropical brasileiro. Além disso, há esforços contínuos para minimizar a produção de gases no rúmen dos animais, com a introdução de produtos específicos que são importantes para essa redução”, explica o assessor da Presidência da Embrapa.

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Martins acredita que, com esses avanços, será possível entregar leite carbono zero de forma mais rápida do que se imagina. “Esse desenvolvimento é essencial para manter o interesse dos jovens consumidores em produtos lácteos. Com o aumento da renda per capita brasileira, que atingiu em média US$ 10 mil, há uma tendência de crescimento no consumo de queijos e outros derivados lácteos, enquanto o consumo de leite fluído se mantém estável”, aponta o economista.

As mudanças nos hábitos alimentares também estão impulsionando a demanda por derivados lácteos. “Os jovens adotam cada vez mais bebidas lácteas, enquanto os adultos continuam a preferir o leite fluído. Atualmente, o consumo de leite no Brasil é de cerca de 170 litros por habitante ao ano, mas há potencial para aumentar esse número para 270 litros nos próximos anos. A indústria láctea tem respondido a essa demanda com novas soluções, como o whey, que é o soro do leite e tem sido amplamente aceito pelos jovens devido aos seus diversos usos industriais e benefícios nutricionais”, afirma o doutor em Economia Aplicada.

Enquanto isso, o consumo de leites vegetais, que teve um crescimento significativo na Europa e nos Estados Unidos, agora está em declínio. No Brasil, esses produtos ainda são caros e atraem um público limitado, principalmente aqueles preocupados com questões ambientais. No entanto, Martins salienta que os leites vegetais não oferecem a mesma qualidade nutricional que o leite natural, sendo compostos por uma mistura de ingredientes que não replicam os benefícios do leite. “A demanda por produtos lácteos no Brasil deve continuar crescendo, impulsionada por uma combinação de avanços tecnológicos, mudanças nas preferências dos consumidores e um aumento na renda per capita. A indústria láctea está bem posicionada para atender a essa demanda, oferecendo produtos sustentáveis ​​e inovadores que atraem tanto os jovens quanto os adultos”, ressalta o profissional.

Evolução do setor de lácteos

As regulamentações e políticas governamentais também vão exercer um papel relevante na evolução do setor de lácteos nos próximos anos, especialmente em termos de segurança alimentar e práticas de bem-estar animal. Martins aponta que muitos produtores ainda não perceberam que as mudanças climáticas não devem ser assunto apenas da política, mas, sobretudo, do setor de produção. “As recentes enchentes no Rio Grande do Sul são um exemplo claro de como os fatores climáticos representam riscos significativos para a atividade leiteira”, salienta.

Foto: Rubens Neiva

A necessidade de conceber novas tecnologias que levem em conta a variabilidade climática é urgente. Universidades, institutos de pesquisa e a Embrapa estão trabalhando para desenvolver essas tecnologias, que não visam apenas a sustentabilidade ambiental, mas também a eficiência e a previsibilidade da produção. No entanto, é fundamental que haja uma política pública robusta para apoiar esses avanços tecnológicos.

O pesquisador é enfático ao afirmar que as políticas públicas devem focar na criação de seguros que protejam os produtores dos impactos climáticos extremos. Martins aponta que é fundamental que o Brasil reconheça a realidade das mudanças climáticas e implemente políticas que incentivem boas práticas de produção. “O setor privado, especialmente os laticínios, deve estimular a adoção de tecnologias mitigadoras de impactos ambientais. Por outro lado, o poder público, em suas diversas esferas, precisa fornecer infraestrutura básica como água e estradas, essenciais para a produção agrícola”, enfatiza.

De acordo com o pesquisador, o governo federal está em um debate intenso para melhorar a previsibilidade das crises climáticas e reduzir os riscos por meio de zoneamento agrícola. “A Embrapa, junto com o Ministério da Fazenda e o Banco Central, está desenvolvendo políticas de crédito agrícola para incentivos a boas práticas de produção. Os governos estaduais e municipais também têm um papel fundamental em criar mecanismos de apoio e garantir a infraestrutura básica para os produtores”, frisa.

Esses temas foram amplamente discutidos no 2º Fórum Nacional do Leite, realizado em abril pela Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite). O evento destacou a importância de uma abordagem integrada entre o setor público e privado para enfrentar os desafios climáticos e garantir a sustentabilidade da produção láctea no Brasil.

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Fonte: O Presente Rural
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