Colunistas Opinião
Armazenagem: desafios de uma produção recorde em 2022
A capacidade estática de armazenagem de grãos não tem acompanhado o crescimento da produção brasileira, apesar de todos os esforços que existem dos governos que vem se sucedendo em investir na área.
“O Brasil é o celeiro do mundo”. Essa frase foi um slogan nacional durante o governo de Getúlio Vargas que ganhou mais força nas últimas décadas em virtude dos resultados alcançados pelo nosso agronegócio, principalmente na produção de grãos.
Podemos afirmar que o Brasil alimenta quase um bilhão de pessoas ao redor do mundo, o que é uma imensa responsabilidade para garantir sua segurança alimentar. Essa responsabilidade também é da cadeia logística pós-colheita, principalmente do setor de armazenagem de grãos.
A capacidade estática de armazenagem de grãos não tem acompanhado o crescimento da produção brasileira, apesar de todos os esforços que existem dos governos que vem se sucedendo em investir na área. O déficit tem sido crescente e alcançará 80-90 milhões de toneladas esse ano, um recorde negativo. Não fosse a frustração de safra no sul do país, ele chegaria a mais de 110 milhões de toneladas, o que poderia causar um verdadeiro caos logístico no país.
Estamos produzindo cada vez mais, o que significa que os produtores brasileiros são competentes e que há mercado para nossos produtos. Temos uma projeção de crescimento da produção brasileira invejável para o mundo, apesar de nós só cultivarmos ainda 9% do território nacional. Podemos dobrar a área agrícola ao longo dos próximos anos, sem derrubar árvores, usando pastagens degradadas em regiões de possível implantação da agricultura.
O Brasil não está em um estágio de produção madura como, por exemplo, estão os Estados Unidos. Estamos ampliando a produção. A cada ano produzimos, em média, 10 milhões de toneladas de grãos a mais. Essa produção circulando demanda mais caminhões, rodovias, portos, entrepostos logísticos e sistemas de armazenagem. O produtor está ganhando eficiência e produtividade, apoiado pela pesquisa que lança novas variedades e híbridos todos os anos, desenvolve biotecnologia, orienta a correção dos solos e o plantio direto, sempre visando a sustentabilidade da produção. O desafio do país é acompanhar essa onda oferecendo uma infraestrutura mais racional e suficiente para essa produção crescente.
Hoje, a armazenagem de grãos está muito concentrada em centros urbanos e pouco dentro de fazendas. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mais de 80% dos armazéns estão nas cidades, indústrias e portos, e menos de 20% estão juntos às lavouras. Portanto, incentivar a construção de armazéns de grãos na fazenda trará maior racionalidade ao processo logístico pós-colheita, maior controle e economia para os agricultores e maior segurança alimentar aos consumidores, pela distribuição da produção em armazéns em todo o território nacional.
Para zerar o atual déficit de armazenagem, o Brasil precisaria investir em torno de R$ 80 bilhões, e esse investimento deveria acontecer preferencialmente dentro das fazendas. Portanto, a oferta de crédito em quantidade suficiente, prazo compatível e juros fixos são fundamentais para que o produtor invista em armazenagem. O crédito para construção de armazenagem tem sido o principal entrave para mitigação do déficit crescente e uma análise sobre isso merece um artigo específico.
O custo para construção de um sistema de armazenagem varia de R$ 900 a R$ 1.100 por tonelada estática, talvez hoje R$ 1.200 porque o aço subiu muito. Só que desse total, apenas 45-50% está destinada aos equipamentos (silos, secadores, limpadores, transportadores etc), o resto são obras e serviços complementares ou de infraestrutura para implantar a obra.
Os fabricantes brasileiros de equipamentos de armazenagem estão preparados para o desafio de reduzir o déficit de armazenagem. Têm tecnologia moderna, tanto é que essas empresas também exportam seus equipamentos. A capacidade fabril brasileira de equipamentos de armazenagem tem crescido, e pode crescer mais e rapidamente. As estatísticas do setor feitas pelo Departamento de Estatística da Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) mostram, inclusive, uma capacidade ociosa das fábricas que poderia ser suprida, caso o mercado demande.
A melhoria dessa infraestrutura de uma forma mais organizada e com uma visão mais estruturada, vai causar um impacto de crescimento significativo da agricultura brasileira e todo mundo vai ganhar com isso, principalmente os consumidores que terão produtos mais baratos armazenados com segurança. Mais armazéns também possibilitam “carregar” estoques para períodos de entressafra, garantindo o suprimento de grãos e reduzindo a oscilação de seus preços.
Colunistas
Sucessão familiar no agro: como atrair os jovens para o campo?
É fundamental que os jovens vejam o campo como um espaço onde tradição e inovação se complementam e coexistem de forma harmoniosa.
A sucessão familiar no agronegócio tem se tornado um dos grandes desafios para o setor rural, especialmente em um contexto em que os jovens estão cada vez mais imersos em tecnologia e afastados das práticas tradicionais da agricultura. Esse distanciamento ameaça a continuidade das atividades no campo, principalmente em regiões onde o trabalho artesanal, como a delicada colheita de grãos de café, ainda desempenha um papel fundamental para a economia local e a preservação da cultura agrícola.
O grande desafio está em demonstrar que o trabalho rural pode ser sinônimo de oportunidades, crescimento pessoal e profissional, desde que haja um equilíbrio entre inovação tecnológica e respeito aos métodos tradicionais.
Para garantir a continuidade das propriedades rurais e a manutenção da produção, é essencial adotar estratégias que tornem o campo mais atraente para as novas gerações. Investir em tecnologia e inovação é um dos principais caminhos, pois permite modernizar as atividades agrícolas, tornando-as mais eficientes e rentáveis. Além disso, a introdução de práticas sustentáveis e a adoção de modelos de gestão mais profissionalizados podem despertar o interesse dos jovens que buscam alinhamento com causas ambientais e sociais.
Outro fator crucial é a educação e capacitação voltadas para o agronegócio. Oferecer programas de treinamento e especialização em áreas como agroecologia, gestão rural e empreendedorismo pode preparar melhor os jovens para assumir a liderança das propriedades familiares. Incentivos governamentais, como acesso a crédito e políticas de apoio à agricultura familiar, também são fundamentais para facilitar essa transição. Criar um ambiente onde os jovens se sintam valorizados e capazes de inovar é essencial para garantir a sucessão familiar e a sustentabilidade do setor agrícola a longo prazo.
É fundamental que os jovens vejam o campo como um espaço onde tradição e inovação se complementam e coexistem de forma harmoniosa. Integrar tecnologias modernas às práticas agrícolas tradicionais pode não apenas preservar o legado familiar, mas também abrir novas oportunidades de crescimento e desenvolvimento sustentável no setor rural.
Colunistas
Segurança alimentar na América Latina e Caribe: progresso, desafios e o compromisso de avançar
Somente com um compromisso firme poderemos acabar com a fome e a má nutrição. Sem deixar ninguém para trás.
A última publicação do relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2024 (SOFI, na sigla em inglês), lançada em julho passado durante a reunião do G20 no Rio de Janeiro, oferece uma visão detalhada dos avanços e retrocessos na luta contra a fome. Em nível global, embora tenhamos alcançado alguns progressos, persistem desigualdades significativas: enquanto a África continua sendo a região mais afetada, a América Latina apresenta sinais positivos de recuperação, refletindo o impacto dos esforços conjuntos para melhorar a segurança alimentar na região.
O caminho não tem sido fácil. Após a pandemia de COVID-19, nossa região foi uma das mais afetadas pela fome, atingindo em 2021 seu ponto mais alto, com 6,9% da população afetada, enquanto 40,6% enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave. Durante vários anos, observamos como os avanços obtidos no início dos anos 2000 foram rapidamente revertidos.
No entanto, nos últimos dois anos, houve uma diminuição nos níveis de fome, com uma taxa de 6,2% da população, o que representa uma redução de 4,3 milhões de pessoas, impulsionada principalmente pela América do Sul.
Investimentos em programas de proteção social em vários países da região têm sido fundamentais para impulsionar essa recuperação. Através dos sistemas sociais, foi possível responder rapidamente e direcionar os recursos financeiros disponíveis de maneira mais eficaz para as populações mais vulneráveis.
Apesar dos progressos na região, as sub-regiões do Caribe e da América Central continuam a enfrentar desafios no aumento da fome. Não podemos nos permitir retroceder. É fundamental que aprofundemos a análise das visões e estratégias que mostraram resultados positivos para continuar avançando nesse caminho.
A seis meses da Conferência Regional da FAO em Georgetown, Guiana, nos comprometemos a dar respostas tangíveis às prioridades estabelecidas pelos países para transformar os sistemas agroalimentares e alcançar uma Melhor Produção, uma Melhor Nutrição, um Melhor Meio Ambiente e uma Vida Melhor.
Na FAO, iniciamos um processo de reflexão de alto nível junto aos governos para compartilhar experiências de políticas públicas orientadas a garantir a segurança alimentar e nutricional.
Nossa região, assim como o resto do mundo, deve estar preparada para enfrentar riscos crescentes como a mudança climática, conflitos, crises econômicas, entre outros desafios.
A América Latina e o Caribe demonstraram que, com políticas adequadas, podemos avançar e oferecer respostas concretas e sustentáveis. Somente com um compromisso firme poderemos acabar com a fome e a má nutrição. Sem deixar ninguém para trás.
Colunistas
Recursos hídricos, queimadas e cinzas: a urgência do necessário equilíbrio na busca pela sustentabilidade ambiental
Com a chegada das chuvas, ou mesmo transportada pelo ar, parte desse material atinge carreando uma os recursos hídricos, série de elementos químicos capazes de alterar a qualidade da água, prejudicando seu grau de potabilidade.
A água e o fogo são elementos que não se misturam, mas que se influenciam e podem comprometer significativamente a saúde das pessoas e toda a vida na Terra. A água é um elemento essencial à vida, mas em excesso pode trazer várias consequências negativas, como os episódios de enchentes e alagamentos vistos recentemente no Brasil. O fogo já era manipulado pelos povos primitivos há milhares de anos, e hoje é uma ferramenta fundamental para diversas atividades humanas. Contudo, se utilizado sem o controle necessário ou de formas criminosas, pode também ser extremamente nocivo e perigoso.
Resultados de estudos recentes mostram as interações entre esses dois elementos e, principalmente, as influências negativas do fogo sobre a água no nosso planeta. Vários artigos científicos têm relatado os efeitos das queimadas na redução da quantidade de água disponível, afetando, entre outros aspectos, a umidade do ar. Essas consequências estão amplamente relacionadas às mudanças climáticas e ao aquecimento global propriamente dito.
E sobre a qualidade da água, o que se fala? Pouco. Como o fogo e a água não se misturam, são os resíduos deixados pelo fogo que interagem na água, causando interferências diretas e redução na sua qualidade.
Os impactos das cinzas de incêndios florestais sobre os recursos hídricos têm sido amplamente estudados em regiões temperadas, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, o tema ganhou relevância no âmbito do projeto de pesquisa “Queimadas e recursos hídricos no Cerrado: efeitos das cinzas sobre aspectos limnológicos e ecotoxicológicos” (2010-2012) e, posteriormente, no “Projeto Cinzas: aspectos motivacionais de uso do fogo e efeitos sobre a água e o solo como subsídios para mitigação dessa prática na agricultura” (2013-2016), ambos liderados pela Embrapa Cerrados (DF) e financiados pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq).
No entanto, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas e várias questões a serem investigadas. O que se sabe é que as queimadas são eventos frequentes e naturais no Cerrado brasileiro, por exemplo, mas a ação humana tem ampliado a sua frequência e gerado diversos problemas ambientais. Além das perdas verificadas após o término do fogo, efeitos não facilmente visíveis também são detectados. As cinzas e a fuligem geradas pelo fogo são compostas por elementos químicos constituintes dos seres vivos queimados (vegetais ou animais) ou mesmo de materiais minerais, que podem ser degradados dependendo da intensidade do fogo.
Com a chegada das chuvas, ou mesmo transportada pelo ar, parte desse material atinge carreando uma os recursos hídricos, série de elementos químicos capazes de alterar a qualidade da água, prejudicando seu grau de potabilidade e, principalmente, a sobrevivência das espécies que habitam os ecossistemas aquáticos. A presença de macronutrientes como potássio, fósforo e nitrogênio, além de micronutrientes como vários metais, é marcante nas cinzas, e as quantidades disponíveis de cada um desses elementos são o aspecto de maior relevância para a determinação das consequências.
Em contato com a água, parte desses compostos se dissolve, alterando diversos parâmetros físico-químicos do meio aquático, entre eles o pH e o oxigênio dissolvido, fatores limitantes para a sobrevivência de algumas espécies. Nesse caso, ambientes com baixa vazão ou fluxo de água, tais como lagos, lagoas e reservatórios, podem ser mais comprometidos.
A contaminação da água subterrânea pelas cinzas também foi estudada, e pode ser um ponto de atenção com relação a distúrbios digestivos em indivíduos que consomem água de poço, ou até mesmo um problema para irrigantes que utilizam essa água, visto que elementos como o cálcio e o magnésio podem prejudicar o funcionamento dos equipamentos de irrigação.
Dados relacionados ao comportamento humano mostram que o uso errôneo do fogo pode e deve ser minimizado, sobretudo com maior envolvimento de órgãos públicos, por meio da promoção de atividades instrucionais e de educação ambiental para as comunidades, além do combate a práticas que podem ser prejudiciais ao ambiente e à saúde humana.
O fato é que o equilíbrio na interação entre água, fogo e ações humanas precisa urgentemente ser reestabelecido, de modo a reduzir os danos observados, garantindo assim a sobrevivência humana e a sustentabilidade ambiental do planeta.