Colunistas Análise
O que sabemos sobre a qualidade do trabalho na agropecuária brasileira?
Para responder essa questão, calculamos o Índice de Qualidade do Trabalho na agropecuária brasileira (IQT Agro) para o período compreendido entre o primeiro trimestre de 2012 e o terceiro trimestre de 2021.
Apesar de impactado pela Covid-19, o mercado de trabalho do agronegócio brasileiro se mostrou resiliente nos últimos anos. A crise sanitária, iniciada ainda no final do primeiro trimestre de 2020, até potencializou a fragilidade do setor e intensificou movimentos observados antes da pandemia, mas a população ocupada (PO) mostrou sinais de recuperação já a partir do terceiro trimestre de 2020.
Como evidenciado pela equipe Macroeconomia/Cepea, no terceiro trimestre de 2021 (3T2021), o agronegócio brasileiro ocupou mais de 18,9 milhões de pessoas, alcançando uma participação de 20,3% no total de empregos gerados na economia. Este resultado é reflexo de um crescimento de 3,6%, ou de quase 653 mil pessoas, em comparação com o trimestre anterior (2T2021); e de 10,2%, ou quase de 1,76 milhão de pessoas, na comparação com o 3T2020 (Barros et al., 2021). Destaca-se que esse movimento foi mais forte do que simplesmente de recuperação, o que deve refletir a boa conjuntura do agronegócio observada desde 2020.
Entre os segmentos do agronegócio, destaque é dado para a agropecuária, na qual se observou expansão de 9,5%, ou de mais de 763 mil pessoas, na comparação com o 3T2020; e crescimento de 2,0%, ou de 173,18 mil pessoas, em comparação com o 2T2021 (Barros et al., 2021). Desde a deflagração da pandemia de covid-19, o segmento, quando não liderou o crescimento da PO, foi responsável pela manutenção ou sustentação do nível de emprego no setor (apresentou menores perdas relativas de postos de trabalhos).
Corriqueiramente, apesar de se realizar um acompanhamento do nível de instrução e uma análise por gênero, a equipe de Macroeconomia/Cepea se pauta na mensuração da quantidade da PO da agropecuária. Entretanto, como salientado por Silva et al. (2021), a identificação da quantidade efetiva do insumo trabalho deve considerar tanto a quantidade quanto a qualidade.
Convencionalmente, a primeira é mensurada pelo número de trabalhadores empregados, e a segunda, pela produtividade de uma hora de trabalho, levando-se em consideração os efeitos da acumulação de escolaridade e de experiência, isto é, de capital humano, de acordo com a perspectiva de Mincer, segundo o qual existe uma relação entre os rendimentos e a produtividade marginal do trabalho, que contribui para explicar as diferenças salariais entre grupos demográficos, além de outros atributos.
Neste contexto, o que sabemos sobre a qualidade do trabalho agropecuária brasileira? Para responder essa questão, calculamos o Índice de Qualidade do Trabalho na agropecuária brasileira (IQT Agro) para o período compreendido entre o 1T2012 e o 3T2021, utilizando-se como base o indicador proposto por Silva et al. (2021).
Basicamente, apesar de possuir algumas limitações, o que está por trás da construção deste Índice é a estimação de equações de determinação salarial minceriana, estruturada incialmente para mensurar o impacto da educação nos rendimentos do trabalho. Assim, este indicador é construído a partir do encadeamento das taxas de crescimento da qualidade do trabalho, trimestral, partindo do período-base, 1T2012, igual a 100. Estes são calculadas a partir das informações do mercado de trabalho, da escolaridade e da experiência da população, disponíveis na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, PNAD-Contínua.
A figura 1 exibe o IQT Agro e o IQT Brasil (a título de comparação) considerando-se horas habitualmente trabalhadas entre 2012T1 e 2021T3. Apesar de apresentar alguns movimentos contrários, nota-se uma trajetória crescente dos Índices, com o IQT Agro registrando avanço de 19,52% e o IQT Brasil, de 20,42% no período analisado. Este resultado se traduz em crescimento médio de 0,47% a.t. e 0,49% a.t., respectivamente.
Dessa forma, o Índice demonstra uma melhora da composição da PO durante o período, apesar de que, em vários momentos, a melhora do IQT está relacionada à maior participação relativa dos grupos demográficos mais qualificados em decorrência da menor PO de baixa qualificação. Estes são os que mais sofrem com a perda dos postos de trabalho em períodos de desaceleração e recessão econômica.
Por sua vez, na tabela 1, apresenta-se a distribuição da PO em função dos anos de escolaridade dos indivíduos em 2012, 2019 e 2021. Observa-se que, tanto para a agropecuária como para o Brasil como um todo, houve aumento da proporção de trabalhadores nas categorias com mais anos de escolaridade em detrimento daquelas com menos escolaridade. Esta dinâmica corrobora o comportamento dos IQTs, para o Brasil e para a agropecuária, no sentido de que houve um aumento médio da escolaridade dos trabalhadores.
Além disso, apesar de apresentarem dinâmicas parecidas, observa-se que a composição da PO da agropecuária se concentra nas categorias de menor escolaridade, enquanto a PO do Brasil se concentra nas categorias de maiores anos de estudo (mais 12 anos). Esta distribuição, em especial na agropecuária, tem se alterado ao longo dos anos, com categorias com maiores anos de escolaridade ganhando representatividade, conforme tem sido acompanhado pela equipe Macroeconomia/Cepea ao longo dos anos. Este resultado também reforça o achado de que houve uma melhora da qualidade do trabalho no setor durante o período analisado, devido à maior qualificação da PO.
A mudança fica mais evidente ao se considerar o período mais recente. Especificamente, a partir do 1T2020 – destacado como Pandemia na Figura 1 –, o IQT Agro apresenta um comportamento atípico, resultado dos impactos da pandemia sobre o mercado de trabalho do segmento. Como foi destacado pela equipe Macroeconomia/Cepea no relatório referente ao 2T2020, o comportamento de queda da PO na agropecuária brasileira não era muito incomum, diante da tendência de queda dos postos de trabalho no segmento (Barros et al., 2020).
Entretanto, a redução observada naquele momento se tratou de uma queda de magnitude elevada, quando comparada às anteriores, que, ao menos em partes, estavam relacionados à crise de covid-19 e seus desdobramentos sobre o mercado de trabalho. Adicionalmente, trabalhadores menos qualificados ou mais vulneráveis foram mais afetados pelo desemprego ao longo desse período, o que reforça o comportamento do Índice.
Observa-se, a partir do 1T2021, uma reversão da trajetória de crescimento, com o IQT Agro apresentando reduções sucessivas. Este resultado está atrelado à boa conjuntura do agronegócio brasileiro, que se traduziu em mais postos para o segmento agropecuário. Ademais, se observa um crescimento da participação relativa dos grupos demográficos menos qualificados em comparação aos mais qualificados (em 2021, a distribuição da PO em função dos anos de escolaridade ficou próximo dos níveis observados em 2019 – ver Tabela 1).
Dito isso, evidencia-se que o processo recente de mudança no perfil de trabalhadores do setor contribuiu para se explicar o comportamento do IQT Agro, corroborando os relatórios de acompanhamento do Mercado de Trabalho do Agronegócio da equipe Macroeconomia/Cepea (Barros et al., 2021).
Por fim, destaca-se que, embora as dinâmicas do IQT Brasil e do IQT Agro sejam parecidas no período analisado, ainda existe um gap na produtividade (medida pelo salário-hora), que se percebe quando se compara com a média do mercado de trabalho como um todo. Essa diferença ajuda a explicar a remuneração menor do setor.
Logicamente, a metodologia possui limitações, todavia, na literatura especializada há uma convergência no sentido de identificar a associação entre educação, experiência e qualidade da força de trabalho (SILVA et al., 2021). Em que pesem as limitações, é reconhecida a relevância de indicadores, como o IQT, para a mensuração da produtividade no mercado de trabalho. Com isso em vista, a construção, implementação e acompanhamento do IQT Agro, atualmente em fases iniciais, nos permitirá acompanhar o impacto desta variável na produtividade no mercado de trabalho do segmento.
Colunistas
Sucessão familiar no agro: como atrair os jovens para o campo?
É fundamental que os jovens vejam o campo como um espaço onde tradição e inovação se complementam e coexistem de forma harmoniosa.
A sucessão familiar no agronegócio tem se tornado um dos grandes desafios para o setor rural, especialmente em um contexto em que os jovens estão cada vez mais imersos em tecnologia e afastados das práticas tradicionais da agricultura. Esse distanciamento ameaça a continuidade das atividades no campo, principalmente em regiões onde o trabalho artesanal, como a delicada colheita de grãos de café, ainda desempenha um papel fundamental para a economia local e a preservação da cultura agrícola.
O grande desafio está em demonstrar que o trabalho rural pode ser sinônimo de oportunidades, crescimento pessoal e profissional, desde que haja um equilíbrio entre inovação tecnológica e respeito aos métodos tradicionais.
Para garantir a continuidade das propriedades rurais e a manutenção da produção, é essencial adotar estratégias que tornem o campo mais atraente para as novas gerações. Investir em tecnologia e inovação é um dos principais caminhos, pois permite modernizar as atividades agrícolas, tornando-as mais eficientes e rentáveis. Além disso, a introdução de práticas sustentáveis e a adoção de modelos de gestão mais profissionalizados podem despertar o interesse dos jovens que buscam alinhamento com causas ambientais e sociais.
Outro fator crucial é a educação e capacitação voltadas para o agronegócio. Oferecer programas de treinamento e especialização em áreas como agroecologia, gestão rural e empreendedorismo pode preparar melhor os jovens para assumir a liderança das propriedades familiares. Incentivos governamentais, como acesso a crédito e políticas de apoio à agricultura familiar, também são fundamentais para facilitar essa transição. Criar um ambiente onde os jovens se sintam valorizados e capazes de inovar é essencial para garantir a sucessão familiar e a sustentabilidade do setor agrícola a longo prazo.
É fundamental que os jovens vejam o campo como um espaço onde tradição e inovação se complementam e coexistem de forma harmoniosa. Integrar tecnologias modernas às práticas agrícolas tradicionais pode não apenas preservar o legado familiar, mas também abrir novas oportunidades de crescimento e desenvolvimento sustentável no setor rural.
Colunistas
Segurança alimentar na América Latina e Caribe: progresso, desafios e o compromisso de avançar
Somente com um compromisso firme poderemos acabar com a fome e a má nutrição. Sem deixar ninguém para trás.
A última publicação do relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2024 (SOFI, na sigla em inglês), lançada em julho passado durante a reunião do G20 no Rio de Janeiro, oferece uma visão detalhada dos avanços e retrocessos na luta contra a fome. Em nível global, embora tenhamos alcançado alguns progressos, persistem desigualdades significativas: enquanto a África continua sendo a região mais afetada, a América Latina apresenta sinais positivos de recuperação, refletindo o impacto dos esforços conjuntos para melhorar a segurança alimentar na região.
O caminho não tem sido fácil. Após a pandemia de COVID-19, nossa região foi uma das mais afetadas pela fome, atingindo em 2021 seu ponto mais alto, com 6,9% da população afetada, enquanto 40,6% enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave. Durante vários anos, observamos como os avanços obtidos no início dos anos 2000 foram rapidamente revertidos.
No entanto, nos últimos dois anos, houve uma diminuição nos níveis de fome, com uma taxa de 6,2% da população, o que representa uma redução de 4,3 milhões de pessoas, impulsionada principalmente pela América do Sul.
Investimentos em programas de proteção social em vários países da região têm sido fundamentais para impulsionar essa recuperação. Através dos sistemas sociais, foi possível responder rapidamente e direcionar os recursos financeiros disponíveis de maneira mais eficaz para as populações mais vulneráveis.
Apesar dos progressos na região, as sub-regiões do Caribe e da América Central continuam a enfrentar desafios no aumento da fome. Não podemos nos permitir retroceder. É fundamental que aprofundemos a análise das visões e estratégias que mostraram resultados positivos para continuar avançando nesse caminho.
A seis meses da Conferência Regional da FAO em Georgetown, Guiana, nos comprometemos a dar respostas tangíveis às prioridades estabelecidas pelos países para transformar os sistemas agroalimentares e alcançar uma Melhor Produção, uma Melhor Nutrição, um Melhor Meio Ambiente e uma Vida Melhor.
Na FAO, iniciamos um processo de reflexão de alto nível junto aos governos para compartilhar experiências de políticas públicas orientadas a garantir a segurança alimentar e nutricional.
Nossa região, assim como o resto do mundo, deve estar preparada para enfrentar riscos crescentes como a mudança climática, conflitos, crises econômicas, entre outros desafios.
A América Latina e o Caribe demonstraram que, com políticas adequadas, podemos avançar e oferecer respostas concretas e sustentáveis. Somente com um compromisso firme poderemos acabar com a fome e a má nutrição. Sem deixar ninguém para trás.
Colunistas
Recursos hídricos, queimadas e cinzas: a urgência do necessário equilíbrio na busca pela sustentabilidade ambiental
Com a chegada das chuvas, ou mesmo transportada pelo ar, parte desse material atinge carreando uma os recursos hídricos, série de elementos químicos capazes de alterar a qualidade da água, prejudicando seu grau de potabilidade.
A água e o fogo são elementos que não se misturam, mas que se influenciam e podem comprometer significativamente a saúde das pessoas e toda a vida na Terra. A água é um elemento essencial à vida, mas em excesso pode trazer várias consequências negativas, como os episódios de enchentes e alagamentos vistos recentemente no Brasil. O fogo já era manipulado pelos povos primitivos há milhares de anos, e hoje é uma ferramenta fundamental para diversas atividades humanas. Contudo, se utilizado sem o controle necessário ou de formas criminosas, pode também ser extremamente nocivo e perigoso.
Resultados de estudos recentes mostram as interações entre esses dois elementos e, principalmente, as influências negativas do fogo sobre a água no nosso planeta. Vários artigos científicos têm relatado os efeitos das queimadas na redução da quantidade de água disponível, afetando, entre outros aspectos, a umidade do ar. Essas consequências estão amplamente relacionadas às mudanças climáticas e ao aquecimento global propriamente dito.
E sobre a qualidade da água, o que se fala? Pouco. Como o fogo e a água não se misturam, são os resíduos deixados pelo fogo que interagem na água, causando interferências diretas e redução na sua qualidade.
Os impactos das cinzas de incêndios florestais sobre os recursos hídricos têm sido amplamente estudados em regiões temperadas, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, o tema ganhou relevância no âmbito do projeto de pesquisa “Queimadas e recursos hídricos no Cerrado: efeitos das cinzas sobre aspectos limnológicos e ecotoxicológicos” (2010-2012) e, posteriormente, no “Projeto Cinzas: aspectos motivacionais de uso do fogo e efeitos sobre a água e o solo como subsídios para mitigação dessa prática na agricultura” (2013-2016), ambos liderados pela Embrapa Cerrados (DF) e financiados pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq).
No entanto, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas e várias questões a serem investigadas. O que se sabe é que as queimadas são eventos frequentes e naturais no Cerrado brasileiro, por exemplo, mas a ação humana tem ampliado a sua frequência e gerado diversos problemas ambientais. Além das perdas verificadas após o término do fogo, efeitos não facilmente visíveis também são detectados. As cinzas e a fuligem geradas pelo fogo são compostas por elementos químicos constituintes dos seres vivos queimados (vegetais ou animais) ou mesmo de materiais minerais, que podem ser degradados dependendo da intensidade do fogo.
Com a chegada das chuvas, ou mesmo transportada pelo ar, parte desse material atinge carreando uma os recursos hídricos, série de elementos químicos capazes de alterar a qualidade da água, prejudicando seu grau de potabilidade e, principalmente, a sobrevivência das espécies que habitam os ecossistemas aquáticos. A presença de macronutrientes como potássio, fósforo e nitrogênio, além de micronutrientes como vários metais, é marcante nas cinzas, e as quantidades disponíveis de cada um desses elementos são o aspecto de maior relevância para a determinação das consequências.
Em contato com a água, parte desses compostos se dissolve, alterando diversos parâmetros físico-químicos do meio aquático, entre eles o pH e o oxigênio dissolvido, fatores limitantes para a sobrevivência de algumas espécies. Nesse caso, ambientes com baixa vazão ou fluxo de água, tais como lagos, lagoas e reservatórios, podem ser mais comprometidos.
A contaminação da água subterrânea pelas cinzas também foi estudada, e pode ser um ponto de atenção com relação a distúrbios digestivos em indivíduos que consomem água de poço, ou até mesmo um problema para irrigantes que utilizam essa água, visto que elementos como o cálcio e o magnésio podem prejudicar o funcionamento dos equipamentos de irrigação.
Dados relacionados ao comportamento humano mostram que o uso errôneo do fogo pode e deve ser minimizado, sobretudo com maior envolvimento de órgãos públicos, por meio da promoção de atividades instrucionais e de educação ambiental para as comunidades, além do combate a práticas que podem ser prejudiciais ao ambiente e à saúde humana.
O fato é que o equilíbrio na interação entre água, fogo e ações humanas precisa urgentemente ser reestabelecido, de modo a reduzir os danos observados, garantindo assim a sobrevivência humana e a sustentabilidade ambiental do planeta.