Colunistas Opinião
Uma busca contínua pela modernização do crédito no agronegócio
O agro, junto com a tecnologia, não pára, e o crédito para o agronegócio precisa urgentemente se integrar à essa realidade.

O agronegócio é a força motriz da economia nacional, mas ainda existe uma necessidade latente pela modernização em todo o processo de fornecimento de crédito para o setor.
Se olharmos para a história, a primeira oficialização da prática no agronegócio surgiu em 1937 com a “Lei do Penhor Rural” (Lei 492/37), onde em troca do crédito o produtor sujeitava a sua cultura ou seus animais ao pagamento de suas dívidas. A Lei do Crédito Rural só foi existir em 1965 (Lei 4.829) e somente em 1967 a primeira cédula de crédito rural foi emitida.
Foram trinta anos de espaço entre uma prática e outra, e este segundo momento do crédito no agronegócio, onde cédulas de crédito rural tinham taxa de juros previstas de 15% ao ano, acompanhava a modernização da agricultura com a introdução de maquinários e fertilizantes na lavoura.
Na década de 1980, marcada pela hiperinflação nacional, o crédito rural chegava ao campo através do gerente do banco, cujas práticas nem sempre eram as mesmas para todos os clientes, enquanto o governo já não apresentava mais tanto dinheiro para subsidiar o agronegócio. A taxa de juros, antes fixa aos 15% ao ano, agora era híbrida de 3% ao ano + correção monetária. Foi neste momento em que as Tradings começaram a encontrar espaço no mercado e passaram a financiar contratos de troca diretamente com o produtor rural.
As décadas seguintes apresentaram importantes marcos para o financiamento agropecuário privado, com a Lei da Criação da Cédula de Produto Rural (CPR) em 1994, e em 2004 com os novos títulos do Agronegócio (CDA/WA, CDCA, CRA e LCA), uma sinalização do governo de que ele estava se retirando um pouco mais do setor, mas amparando o crédito privado.
Nos últimos vinte anos o agro se tornou ainda mais tech, assim como o sistema bancário nacional – o pix chegou em 2020 para colocar o país como o quinto do mundo com mais transações financeiras em tempo real (ACI Worldwide, 2022) – mas a realidade do crédito para o produtor rural caminha a passos lentos nessa modernização.
O crédito rural é o grande desafio do agronegócio nos próximos anos, especialmente quando olhamos para taxas como a Selic, que retornou aos dois dígitos e oneram os produtores rurais. Além disso, existe a necessidade de um crédito mais ágil, tempestivo e oportuno ao produtor.
Tecnologia nós temos! Em 2023 a movimentação a favor do crédito ágil precisa sair do modo “analógico”, onde pilhas de documentos registrados em cartório precisam ser analisadas pelo banco e podem levar entre 15 e 100 dias para sua concretização. A natureza não espera, o produtor não suporta.
Por meio da engenharia de dados, lançando mão da Internet das coisas, big data, inteligência artificial e blockchain, é possível desburocratizar e agilizar a tomada de crédito do produtor rural, com a segurança, transparência e a velocidade necessária para quem fornece o crédito e para quem o toma.
O processo de digitalização tem como principal objetivo transformar o crédito rural brasileiro em algo rápido, eficiente, seguro e barato. Não podemos virar as costas para essa necessidade tão inerente do setor responsável por mais de um quarto do PIB nacional. As agrifintechs se instalaram no setor para ajudar a fomentar essa nova realidade.
É importante que o produtor tenha mais transparência em como ele está sendo visto pelas instituições financeiras nos aspectos fiscais, ambientais, sociais, compliance e jurídico, com a possibilidade de contestar análises e até mesmo se adequar naqueles parâmetros que encarecem ou barateiam seu perfil de crédito. Da mesma forma, o credor precisa ter a segurança de uma análise robusta e confiável, que possibilite a prática de taxas de juros mais justas e individualizadas, de acordo com o perfil de quem o busca.
O agro, junto com a tecnologia, não pára, e o crédito para o agronegócio precisa urgentemente se integrar à essa realidade.

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Antimicrobianos na agropecuária: por que o futuro da produção animal depende de bem-estar e sustentabilidade
Debate ganha força com a pressão global por modelos pecuários de baixa emissão, transparência no uso de medicamentos e integração entre sanidade, clima e bem-estar nos sistemas de produção.

O debate sobre antimicrobianos na agropecuária se conecta de forma cada vez mais nítida à agenda ambiental e climática. Sistemas produtivos que dependem fortemente de insumos químicos e medicamentos tendem a ser mais vulneráveis, menos eficientes e mais poluentes. As discussões da COP30, encerrada em 22 de novembro, ofereceram uma oportunidade renovada de trazer o tema para o centro da agenda climática e trouxeram ênfase na defesa por transições justas e inclusivas, que levem a uma só saúde, considerando novas promessas de financiamento e propostas de mecanismos globais para restaurar terras degradadas.
Segundo alerta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) os sistemas agroalimentares continuam recebendo apenas uma fração do financiamento climático necessário. No Brasil, o setor pecuário enfrenta pressão crescente para adotar modelos de baixa emissão, como pecuária regenerativa, maior eficiência alimentar e melhor monitoramento ambiental, além de avançar em sistemas agroflorestais e práticas que integrem saúde animal e adaptação climática.

Elisa Tjarnstrom, diretora-executiva da COBEA – Foto: Divulgação/COBEA
Falar sobre sustentabilidade na pecuária é também falar sobre sanidade, bem-estar e uso responsável de antimicrobianos. A transição para sistemas mais saudáveis, baseados em prevenção e não em correção, está diretamente ligada à capacidade de adaptação da agropecuária às mudanças climáticas. A Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana também se encerrou recentemente, em 24 de novembro, e agora temos uma oportunidade de juntar as duas agendas para facilitar os avanços necessários na agropecuária brasileira.
O uso de antimicrobianos na produção animal tem se tornado um dos temas mais sensíveis e estratégicos da agropecuária moderna. O que antes era visto como ferramenta essencial para garantir produtividade e prevenir doenças, hoje é questionado por seus impactos na saúde pública, no meio ambiente, na imagem e até mesmo na resiliência do setor quando se pensa em resistência aos antimicrobianos. No Brasil, embora o tema tenha ganhado força nas políticas públicas e nas discussões setoriais, ainda há desafios importantes a serem superados para reduzir o uso excessivo e avançar na transparência dos dados.
A produção intensiva de suínos, aves e bovinos geralmente envolve alta densidade de animais e forte pressão sanitária, o que historicamente levou ao uso preventivo de antimicrobianos e, em alguns casos, ao emprego desses produtos como promotores de crescimento. Apesar dos avanços, muitas empresas ainda mantêm práticas profiláticas e poucas adotam planos de redução gradual. Paralelamente, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) vem ampliando o monitoramento e incentivando o uso racional, por meio de diretrizes e de sistemas como o AgroMonitora, que consolida dados nacionais sobre a comercialização de antimicrobianos veterinários.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) recomendam que antimicrobianos de importância crítica para a medicina humana não sejam usados em animais saudáveis. Países da União Europeia proibiram o uso como promotor de crescimento desde 2006, e o mercado internacional vem impondo restrições cada vez maiores. No Brasil, programas de exportação e grandes redes varejistas começam a exigir comprovação de práticas mais responsáveis. É um movimento que alia ciência, segurança e reputação.
Uma resposta promissora para essas questões vem de uma fonte muitas vezes subestimada – o bem-estar animal. A relação entre antimicrobianos e bem-estar é direta como animais criados em ambientes confortáveis, ventilados, com espaço adequado, enriquecimento ambiental, nutrição balanceada e manejo cuidadoso e que adoecem menos. Modelos produtivos com melhor bem-estar conseguem reduzir a dependência de insumos químicos e antimicrobianos, preservam os recursos naturais e se tornam mais resilientes, éticos e competitivos.
Por isso, promover o bem-estar animal não é apenas uma questão ética, mas também uma estratégia sanitária e econômica. A combinação de práticas de BEA, monitoramento comportamental e de saúde, biosseguridade adequada e protocolos eficazes de limpeza e desinfecção é complementar e essencial para reduzir o uso de antimicrobianos. Isso é especialmente relevante porque resíduos de antimicrobianos podem contaminar solos e corpos d’água, favorecendo o surgimento de bactérias multirresistentes – um dos maiores riscos à saúde global.
Para o Brasil, esse é um momento estratégico. Somos um dos maiores produtores e exportadores de proteína animal do mundo e, portanto, temos peso e responsabilidade na definição de padrões sustentáveis globais. Investir em bem-estar animal, biosseguridade e inovação para reduzir o uso de antimicrobianos não é apenas uma questão de conformidade regulatória, é uma aposta em reputação, acesso a mercados estratégicos e segurança alimentar de longo prazo.
O futuro da produção animal será medido não apenas pela quantidade que produzimos, mas pela forma como produzimos. Sistemas que colocam o bem-estar no centro e reduzem a dependência de antimicrobianos são mais alinhados às demandas do século 21: transparência, saúde, clima e ética. A COP30 pode e deve ser um ponto de virada nessa narrativa, consolidando o Brasil como líder na construção de uma agropecuária verdadeiramente sustentável – capaz de alimentar o mundo sem comprometer o futuro. Além disso, chegou a hora de o setor de proteína animal se unir para trabalhar de forma mais focada e estratégica a fim de acelerar os avanços em BEA, um propósito que levou à criação da Colaboração Brasileira de Bem-Estar Animal (COBEA) em 2024.
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Saiba por que fungos e nematoides seguem tirando bilhões do agro
Organismos invisíveis avançam silenciosamente sobre as raízes, derrubam a produtividade e já geram prejuízos acima de R$ 35 bilhões por ano, enquanto a biotecnologia ganha espaço no manejo.

No agronegócio brasileiro, algumas das maiores ameaças à produtividade estão escondidas sob os nossos pés. Fungos e nematoides do solo são organismos microscópicos que, muitas vezes, sem darem sinais aparentes, comprometem as raízes, reduzem a absorção de água e nutrientes e minam o vigor das plantas. Quando os sintomas se tornam visíveis, os prejuízos já estão instalados.
Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), doenças fúngicas radiculares, como as causadas por Rhizoctonia, Fusarium e Sclerotium, podem permanecer no solo por longos períodos graças às suas estruturas de resistência, dificultando o controle e impactando culturas como soja, milho, feijão e hortaliças.

Artigo escrito por Bruno Arroyo, engenheiro agrônomo, com pós-graduação em Agronegócio.
Entre os inimigos invisíveis do solo, os nematoides ocupam lugar de destaque. Esses vermes microscópicos parasitam as raízes, formando galhas ou causando lesões que reduzem a eficiência do sistema radicular. Os reflexos são diretos: menor absorção de nutrientes, estresse hídrico precoce e queda na produtividade.
Pesquisas da Embrapa apontam que áreas infestadas por Pratylenchus brachyurus (nematoide das lesões radiculares) podem ter perdas médias de 21% na soja, o equivalente a 12 sacas por hectare. Além das evidências experimentais, estimativas da Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN) indicam que os prejuízos anuais no agro superam R$ 35 bilhões, sendo cerca de R$ 16,2 bilhões apenas na soja.
O desafio do manejo
O controle de nematoides e doenças fúngicas é particularmente complexo porque não existe uma solução única. A própria Embrapa recomenda o manejo integrado, combinando práticas, como rotação de culturas com espécies não hospedeiras, para reduzir a população de patógenos no solo; o uso de cultivares resistentes, quando disponíveis; adubação equilibrada e correção do solo, que fortalecem as defesas naturais da planta; e o controle biológico, por meio de microrganismos benéficos (bactérias e fungos), que competem com fungos patogênicos e estimulam o crescimento vegetal. Essas práticas, quando aplicadas em conjunto, aumentam a resiliência do sistema produtivo e reduzem a dependência exclusiva de defensivos químicos.
Biotecnologia como aliada

Foto: SAA SP
A biotecnologia vem se consolidando como parceira estratégica do produtor. O uso de bioinsumos, seja via aplicação direta ou tecnologia On Farm, permite ampliar populações de microrganismos benéficos e fortalecer a saúde do solo.
Já desde 2023, dados da Spark Inteligência Estratégica citados pela Embrapa, indicam que o uso de bionematicidas no Brasil ultrapassou o de nematicidas químicos em importantes culturas. Na soja, os produtos biológicos já representavam cerca de 94% do mercado de nematicidas, enquanto no milho esse índice chegava a 100%, consolidando a liderança dos biológicos no controle de nematoides.
Esse movimento continua se ampliando em outras cadeias produtivas. Levantamento da Kynetec mostra que, em 2024, mesmo com a retração de 18% no mercado de defensivos para cana-de-açúcar, os produtos de matriz biológica já respondiam por 7% do total financeiro do setor, com bionematicidas e bioinseticidas representando 75% desse segmento. Esses números confirmam que a biotecnologia deixou de ser apenas uma alternativa e passou a ocupar papel central nas estratégias de manejo do solo e de controle de nematoides no agronegócio brasileiro.
Quando adotamos práticas integradas e combinamos biotecnologia com as recomendações científicas, damos passos importantes para preservar a produtividade e a sustentabilidade do agro. Em um cenário de custos crescentes de insumos, pressão por sustentabilidade e exigência de maior eficiência, deixar de lado esses inimigos invisíveis também significa renunciar margens que fazem diferença no resultado da safra.
A boa notícia é que hoje temos conhecimento científico e tecnologias biológicas robustas para transformar esse desafio em oportunidade. O futuro do agronegócio passa pela capacidade de unir ciência, inovação e sustentabilidade. Não se trata apenas de controlar patógenos, mas de preservar o potencial produtivo de cada hectare, garantindo alimento de qualidade e competitividade para o Brasil no cenário global.
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Industrialização no cooperativismo
Aposta das cooperativas catarinenses na agregação de valor transformou pequenas propriedades em polos produtivos modernos, fortalecendo a economia regional e elevando o padrão de vida no campo.

A opção estratégica das cooperativas de Santa Catarina pela industrialização da produção primária – grãos, lácteos, carnes, frutas etc. – representa um dos movimentos mais ousados e transformadores da história econômica do Estado. Ao perceber que o campo não poderia permanecer restrito ao papel de mero fornecedor de matérias-primas, as lideranças cooperativistas estruturaram um complexo agroindustrial robusto, capaz de organizar a produção, agregar valor e garantir renda às famílias rurais. Essa visão antecipada rompeu com o antigo paradigma de dependência e inaugurou um modelo de desenvolvimento que alcançou resultados sociais e produtivos inéditos no País.
A industrialização cooperativa nasceu da necessidade concreta de oferecer ao pequeno e médio produtor condições reais de competir nos mercados nacional e mundial. A partir de uma política consistente de assistência técnica, financiamento de insumos, incorporação de tecnologias e difusão do conhecimento científico, as cooperativas criaram as bases para um ambiente rural moderno, dinâmico e inovador. O setor que, no passado, convivia com incertezas e improvisos, passou a operar com planejamento, escala, previsibilidade e segurança econômica.

Artigo escrito pelo presidente do Sistema Ocesc Vanir Zanatta.
Essa transformação teve efeitos profundos. Ao elevar a renda e melhorar as condições de vida no campo, o cooperativismo contribuiu decisivamente para fixar o homem no meio rural, ampliar o acesso a serviços essenciais e impulsionar o desenvolvimento regional. A eletrificação rural, a habitação, o saneamento, a mecanização agrícola e a adoção de equipamentos de última geração são frutos diretos da ação integrada das cooperativas ao longo de décadas.
O grande oeste catarinense, outrora isolado e economicamente frágil, encontrou no cooperativismo uma resposta sólida para seus desafios estruturais. A tradição cultural das etnias colonizadoras, a topografia acidentada e a predominância de minifúndios criaram um cenário propício à cooperação, que rapidamente se consolidou como ferramenta de proteção econômica, defesa política e fortalecimento social. Hoje, o ramo agropecuário responde pela maior parcela do PIB cooperativista do Estado e sustenta um agronegócio altamente competitivo, marcado pela presença de tecnologias avançadas que vão da biotecnologia à inteligência artificial.
A decisão histórica de industrializar a produção primária não apenas agregou valor aos alimentos catarinenses, mas consolidou um modelo de desenvolvimento sustentável, orientado pela eficiência, pela competitividade e pelo compromisso com o bem-estar coletivo. Nesse ambiente, o conhecimento compartilhado tornou-se diferencial estratégico, essencial para enfrentar mercados globalizados e mudanças tecnológicas aceleradas.
A experiência catarinense demonstra que cooperar não é apenas uma alternativa econômica, mas um instrumento de transformação social. A industrialização promovida pelas cooperativas reafirma a atualidade e a força desse modelo, que segue inspirando investimentos, guiando decisões e moldando o futuro do desenvolvimento regional.


