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O papel da piscicultura na agricultura familiar
Um dos objetivos principais de todos os sistemas aquícolas, além da própria produção de alimento, é fazer o uso mais eficiente possível da água e do espaço disponível.

A piscicultura é uma atividade agropecuária milenar que fornece alimento protéico de alta qualidade para diversas populações no mundo inteiro. Existem muitos modos de produção de peixes, desenvolvidos ou adaptados às diversas condições locais. Um dos objetivos principais de todos os sistemas aquícolas, além da própria produção de alimento, é fazer o uso mais eficiente possível da água e do espaço disponível.
Os exemplos mais antigos da piscicultura na Agricultura Familiar são relatados na China, onde, após a Revolução Cultural (1966-1976), as famílias tinham de tirar todo o seu sustento em módulos rurais reduzidos. Muitas famílias tinham de sobreviver em lotes menores que 1000 m2. Dessa forma, todas as atividades dentro da propriedade tinham de ser otimizadas e integradas, de modo que a produção de alimentos fosse manejada como um todo. Ou seja, um verdadeiro sistema de produção de alimentos, onde cada parte da propriedade rural tinha sua função vital, integradas umas às outras, de forma que os resíduos de uma atividade eram insumos para a outra.
Neste contexto, a piscicultura é a atividade integradora da Agricultura Familiar. Ou seja, sem ela, o sistema familiar de produção de alimentos tem apenas várias pequenas atividades isoladas umas das outras. Diversos autores denominam a piscicultura nesses casos como o “motor” ou o “coração” do sistema ou a “corrente da bicicleta”.
Atualmente, no Brasil, destaca-se o trabalho batizado de “Sisteminha Embrapa” pelos primeiros usuários na região nordeste, no qual, em resumo: Uma pequena unidade de produção de peixes (tanque) é instalada no terreno. Geralmente são utilizados fundamentos e adaptações da produção intensiva de peixes em sistemas fechados em recirculação (RAS – recirculating aquaculture systems), como decantadores e filtros.
Esses elementos são desenvolvidos e montados no próprio local, de acordo com os materiais disponíveis como papelão, madeira, ferro, plástico, cimento, britas, tambores, argila expandida, bolinhas de gude, mantas de lã de vidro, entre outros. Os únicos materiais específicos seriam as bombas submersas e mídias de filtração biológica, que, no entanto, podem ser adquiridos em sites de compra livre na internet a preços e segurança cibernética razoáveis.
O manejo dos sistemas integrados é bastante simples. O tanque é povoado com alevinos e alimentados com ração comercial ou caseira, dependendo das condições locais. Parte da água do tanque é então utilizada periodicamente para a fertirrigação, por bombas e tubulações auxiliares ou até mesmo manualmente em baldes e regadores, de culturas agrícolas que são utilizadas na alimentação humana ou animal. A quantidade de água retirada do tanque neste processo é reposta por água limpa, retirada de nascente, lago, poço, ou cisterna, aliviando a degradação da qualidade da água do tanque para os peixes.
Diversas culturas agrícolas podem ser anexadas às cercanias dos tanques de piscicultura, para otimizar o uso dos recursos locais disponíveis, terra, água e nutrientes com fins de produção dos próprios alimentos. Culturas hortícolas como alface e outras plantas folhosas são as mais comuns, conjuntamente com frutos como tomates (longa vida e cereja), quiabo, maxixes, pimentas, abóboras, mamão e bananas. Culturas agrícolas tradicionais como mandioca, batata-doce, milho, amendoim e feijões também estão presentes, porém geralmente em escalas menores do que as comumente encontradas nos sistemas agrícolas tradicionais. Resíduos das culturas vegetais como restos de folhas, raízes, frutos e até inflorescências podem ser direcionadas para a suplementação alimentar de animais como aves e suínos em escala doméstica para o consumo próprio.
Até mesmo um aquário em uma residência tem o papel da piscicultura de integração de atividades de Agricultura Familiar, entretanto, em escala muito menor. De toda forma, a água do aquário deve ser trocada periodicamente total ou parcialmente com fins de limpeza de rotina. Essa água é rica em nutrientes. Esse efluente pode ser utilizado para fertilizar ou irrigar plantas em vasos e jardins.
Uma outra integração da aquicultura à produção vegetal que vem chamando a atenção especialmente de famílias urbanas é a aquaponia. Esse sistema de produção integrada de peixes e vegetais é possível graças ao trabalho das bactérias do ciclo do nitrogênio que transformam a amônia excretada pelos peixes em nitrito e nitrato, sendo esse segundo suficiente para o crescimento de vegetais como alface, manjericão basílico, agrião etc. A estocagem dos peixes é feita em sistema de recirculação com aeração constante e alimentação artificial e completa. A água que sai do tanque dos peixes passa por sistema de filtragem biológica com mídias específicas ou superfícies de bolas de gude ou argila expandida que servem de substrato às bactérias. Daí a água vai para os compartimentos de plantas e retorna para o tanque dos peixes. O constante reuso de água na aquaponia é o fator que mais chama a atenção na economia de água na produção de alimentos de forma sustentável.
A qualidade da água nas unidades de produção, mesmo familiar, deve ser mantida por meio do melhor manejo possível da piscicultura como densidades de peixes, arraçoamento em quantidade e qualidade adequadas. O reuso da água sempre que possível deve ser feito, além dos cuidados com as vegetações nos entornos dos viveiros de peixes e as fontes de abastecimentos. Ainda, as conduções das outras atividades agropecuárias nas propriedades também devem ser feitas adequadamente, para evitar o carreamento de efluentes e poluentes para as fontes de água. As áreas de plantio devem ter os serviços de conservação do solo e coberturas vegetais impecáveis, pelo mesmo motivo.
Os sistemas Aquícolas Integrados contribuem não somente para a segurança alimentar de comunidades brasileiras, mas também para a soberania alimentar. Têm servido como inovação e tecnologia social para a segurança alimentar de comunidades vulneráveis à fome. E também para a soberania alimentar com a produção de alimentos saudáveis de Famílias Urbanas, que têm migrado das cidades para o campo, ainda que parcialmente, em busca de novos ares e atividades que propiciam qualidade de vida, longe de problemas urbanos como violência, estresse, poluição e situações de trânsito intenso. Essas pessoas buscam a satisfação na produção do próprio alimento, que advém de vários fatores, dentre eles o sentimento de gratidão com a “Mãe Terra”. E também de certa maneira, retomada de contato mais constante com a Natureza. A satisfação pessoal é experimentada em cada produto colhido.
A piscicultura, se bem manejada e integrada na Agricultura Familiar, tem chances de promover ainda mais o desenvolvimento sustentável no Brasil, pois naturalmente para a sua existência ao longo dos anos deve-se fazer o uso racional dos recursos naturais disponíveis, especialmente a água. A piscicultura integrada promove então sinergia entre elementos essenciais da propriedade rural, que resultam em maior eficiência da utilização dos recursos nas diversas atividades agrícolas envolvidas. E ainda proporcionam a diversificação da produção de alimentos, o que é fundamental para a boa nutrição humana e qualidade de vida em diversas regiões do país.

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Comunicação e Marketing como mola propulsora do consumo de carne suína no Brasil
Se até pouco tempo o consumo era freado por percepções equivocadas, hoje a comunicação correta, direcionada e baseada em evidências abre caminho para quebrar paradigmas.

Artigo escrito por Felipe Ceolin, médico-veterinário, mestre em Ciências Veterinárias, com especialização em Qualidade de Alimentos, em Gestão Comercial e em Marketing, e atual diretor comercial da Agência Comunica Agro.
O mercado da carne suína vive no Brasil um momento transição. A proteína, antes limitada por barreiras culturais e mitos relacionados à saúde, vem conquistando espaço na mesa do consumidor.
Se até pouco tempo o consumo era freado por percepções equivocadas, hoje a comunicação correta, direcionada e baseada em evidências abre caminho para quebrar paradigmas. Estudos recentes revelam que o brasileiro passou a reconhecer características como sabor, valor nutricional e versatilidade da carne suína, demonstrando uma mudança clara no comportamento de compra e consumo. É nesse cenário que o marketing se transforma em importante aliado da cadeia produtiva.

Foto: Shutterstock
Reposicionar para crescer
Para aumentar a participação na mesa das famílias é preciso comunicar aquilo que o consumidor precisava ouvir:
— que é uma carne segura,
— rica em nutrientes,
— competitiva em preço,
— e extremamente versátil na culinária.
Campanhas educativas, conteúdos informativos e a presença mais forte nas mídias sociais têm ajudado a construir essa nova imagem. Quando o consumidor entende o produto, ele compra com mais confiança – e essa confiança só existe quando existe uma comunicação clara e alinhada as suas expectativas.
O marketing não apenas divulga, ele conecta. Ao simplificar informações técnicas, aproximar o produtor do consumidor e mostrar maneiras práticas de preparo, a comunicação se torna um instrumento de transformação cultural.
Apresentar novos cortes, propor receitas, explicar processos de qualidade, destacar certificações e reforçar a rastreabilidade são estratégias que aumentam a percepção de valor e, consequentemente, estimulam o consumo.
Digital: o novo campo do agro
As redes sociais se tornaram o “supermercado digital” do consumidor moderno. Ali ele busca receitas, tira dúvidas, avalia produtos e

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compartilha experiências.
Indústrias, cooperativas e associações que investem em presença digital tornam-se mais competitivas e ampliam sua capacidade de influenciar preferências.
Vídeos curtos, reels com receitas simples, influenciadores culinários e campanhas segmentadas têm desempenhado papel fundamental na aproximação com o consumidor urbano, historicamente mais distante da realidade da cadeia produtiva e do campo.
Promoções e estratégias de varejo
Além do ambiente digital, o ponto de venda continua sendo o território decisivo da conversão. Embalagens mais atrativas, materiais explicativos, promoções e ações conjuntas com o varejo aumentam a visibilidade e reduzem a insegurança de quem tomando decisão na frente da gondola.
Marketing como elo da cadeia produtiva
A cadeia de carne suína brasileira é altamente tecnificada, sustentável e reconhecida, mas essa excelência precisa ser comunicada. O marketing tem o papel de unir elos – do campo ao consumidor – e transformar conhecimento técnico em mensagens simples e que engajam.
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Expandir sem desmatar: a lógica econômica que vai muito além do discurso
Recuperar áreas degradadas e investir em produtividade sustentável é hoje o caminho mais rentável e estratégico para o agro brasileiro crescer sem comprometer o meio ambiente.

Dias atrás reli um artigo do pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro Sustentável, Décio Luiz Gazzoni, sobre a expansão agrícola sem desmatamento. O texto, publicado em 2023, ainda é muito atual e me fez refletir novamente sobre algo que sempre defendo: a sustentabilidade não é apenas uma exigência ambiental, é uma decisão econômica inteligente.
Como economista e alguém que acompanha o agro de perto, inclusive viajando para conhecer iniciativas em diferentes países, vejo com muita clareza o que Gazzoni já apontava: a grande fronteira do crescimento brasileiro está dentro das áreas já abertas, principalmente nas pastagens degradadas.

Artigo escrito por Fábio Torquato, economista, formado em Relações Internacionais e fundador da AgroTravel – Foto: Divulgação/AgroTravel
E os números mais recentes reforçam essa visão. Estudos da Embrapa, publicados na revista internacional Land, indicam que o Brasil possui cerca de 27,7 milhões de hectares de pastagens degradadas. Isso significa que temos uma área gigantesca pronta para ser recuperada e incorporada à produção, sem a necessidade de avançar sobre novos biomas.
Além disso, durante a COP29, que aconteceu ano passado em Baku, no Azerbaijão, o Brasil lançou o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD), que prevê US$ 120 bilhões em investimentos nos próximos dez anos para recuperar 40 milhões de hectares. O número do programa é maior do que o estimado pela Embrapa porque considera áreas em diferentes graus de degradação, aptas para conversão produtiva ao longo dos anos.
Do ponto de vista econômico, é um movimento que faz todo o sentido. Segundo o Broto Notícias, o custo de recuperação de uma pastagem varia de R$ 6 mil a R$ 30 mil por hectare, dependendo do nível de degradação, tipo de solo e métodos adotados. Parece caro? Talvez à primeira vista. Mas quando olhamos para o retorno — aumento de produtividade por hectare, redução de custos operacionais e acesso a mercados premium que pagam mais por produtos rastreáveis e sustentáveis — a conta fecha rapidamente.
Vi isso acontecer em fazendas que visitei em viagens técnicas com a AgroTravel ao redor do mundo.
Como bem lembra Gazzoni, o produtor brasileiro já tem tecnologia e conhecimento para fazer essa virada. O que falta, muitas vezes, é entender que sustentabilidade é investimento, e não custo. E agora, com bilhões de dólares disponíveis em crédito via BNDES, Banco do Brasil e fundos internacionais, esse argumento fica ainda mais forte.
Estamos acompanhando os trabalhos da COP30, que este ano acontece no Brasil, e o mundo inteiro está olhando para nosso país. A oportunidade está escancarada: quem se antecipar, quem enxergar a recuperação de pastagens como um ativo estratégico, vai liderar o agro brasileiro do futuro.
Sempre digo nos grupos que acompanham as viagens da AgroTravel: o futuro do agro não está em abrir novas áreas, mas em transformar cada hectare já aberto em um ativo de alta performance. O artigo de Gazzoni só reforçou o que vejo na prática. E, como economista, reafirmo: essa é a equação mais inteligente que já tivemos nas mãos.
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Meio ambiente e cooperativismo
Movimento econômico e social baseado em valores éticos e solidários, o cooperativismo reafirma, em tempos de COP 30, seu papel essencial na construção de um futuro sustentável, unindo produção, preservação e desenvolvimento coletivo.

As cooperativas representam o mais elevado estágio da organização humana em torno de valores éticos, solidários e sustentáveis. Elas não existem apenas para gerar resultados econômicos, mas para promover o desenvolvimento coletivo em harmonia com o meio ambiente e com as comunidades em que atuam. Por essência e por princípios universais, o cooperativismo defende a preservação da natureza, a gestão responsável dos recursos e o equilíbrio entre produção e sustentabilidade. Esse compromisso ambiental não é um apêndice, mas uma convicção enraizada na própria identidade cooperativista.

Artigo escrito por Vanir Zanatta, presidente da Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina (OCESC).
Em tempos de COP 30 é essencial lembrar que, nas cooperativas, cada decisão administrativa, cada projeto de ampliação e cada investimento em unidades industriais, agrícolas, logísticas ou administrativas é precedido por uma análise criteriosa dos impactos ambientais. O crescimento não se mede apenas em números, mas também na capacidade de reduzir emissões, otimizar o uso da água, reciclar resíduos e proteger a biodiversidade. É essa consciência prática e constante que diferencia o cooperativismo das demais formas de organização econômica. Ele entende que não há prosperidade possível em um planeta degradado, nem futuro para a economia sem o equilíbrio ambiental.
As cooperativas são parceiras leais do Poder Público na implementação de políticas voltadas ao meio ambiente. Estão sempre presentes em programas de reflorestamento, saneamento básico, manejo de resíduos, recuperação de nascentes e educação ambiental. Mas sua contribuição vai além da sustentabilidade ecológica — elas também participam ativamente de ações que promovem segurança, educação, cultura e mobilidade urbana, compreendendo que a proteção ambiental é inseparável da qualidade de vida e do bem-estar social. Onde há uma cooperativa, há compromisso com o futuro coletivo.
Essas instituições agem com coerência e exemplo, estimulando a cidadania e o senso de responsabilidade em seus empregados, cooperados, clientes e comunidades. Elas ensinam, pelo exemplo, que o progresso verdadeiro não nasce da exploração desenfreada, mas da gestão equilibrada e consciente dos recursos. O cooperativismo forma cidadãos engajados, capazes de compreender que o planeta é uma herança comum e que sua preservação é um dever de todos.
A defesa do meio ambiente é, portanto, um desdobramento natural dos princípios cooperativistas — entre eles, o interesse pela comunidade, a responsabilidade social e a intercooperação. Cada árvore preservada, cada solo recuperado e cada nascente protegida são expressões concretas de uma filosofia que valoriza a vida. As cooperativas não esperam por imposições legais ou incentivos externos para agir: elas o fazem porque acreditam que sua missão é cuidar das pessoas e do mundo em que elas vivem.
O cooperativismo é, por natureza, o caminho da sustentabilidade. Ele demonstra, todos os dias, que é possível crescer produzindo, prosperar preservando e inovar sem destruir. Em tempos de mudanças climáticas e desafios globais, as cooperativas reafirmam sua vocação de construir um mundo melhor, mais justo e solidário. Elas provam, com ações e resultados, que a economia pode — e deve — caminhar de mãos dadas com o meio ambiente. Essa é a essência do cooperativismo: servir, preservar e transformar.



