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O custo do clima: como os extremos estão reescrevendo as regras da economia global

Em um mundo moldado pelo clima, cada dólar investido em prevenção evita múltiplos em perdas futuras. A prosperidade, daqui para frente, será medida não apenas em crescimento, mas em capacidade de resistir e se adaptar.

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Fotos: Divulgação/OP Rural

Entramos na década dos extremos. Ondas de calor recordes, secas prolongadas, enchentes e incêndios de grandes proporções deixaram de ser exceções e passaram a fazer parte do novo cenário global. O impacto vai muito além do ambiental: o clima extremo tornou-se um risco macroeconômico, capaz de redefinir o custo do dinheiro, o valor dos ativos, os preços das commodities e até a capacidade fiscal dos Estados.

As consequências econômicas já são mensuráveis. Em 2023, os desastres naturais geraram US$280 bilhões em perdas econômicas, segundo a Swiss Re. Desses, apenas US$108 bilhões estavam segurados, revelando um preocupante gap de proteção financeira. Em 2024, o valor segurado subiu para US$137 bilhões, e a projeção indica US$145 bilhões anuais até 2025, com crescimento médio de 5% a 7% ao ano.

Foto: Antonio Carlos Mafalda

Mas o dado mais alarmante vem do Banco Mundial: mais de US$ 300 bilhões por ano em perdas não seguradas. São recursos drenados de orçamentos públicos, margens corporativas e renda das famílias, pressionando a liquidez e ampliando a vulnerabilidade fiscal de países e empresas.

E os efeitos do clima não terminam quando as enchentes baixam ou o fogo apaga. Eles se estendem em choques inflacionários, perda de produtividade agrícola, rupturas nas cadeias de suprimentos e aumento do risco-país. O Banco Mundial estima que eventos extremos reduzem o PIB de países emergentes em até 2% ao ano, enquanto a ONU (UNDRR) alerta que, ao incluir perdas ecológicas e sociais, o impacto é ainda maior.

A percepção de risco também mudou no topo do sistema financeiro. Bancos centrais e reguladores passaram a tratar o risco climático como risco sistêmico. O Banco de Compensações Internacionais (BIS) e o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) já alertam para lacunas críticas em dados e métricas prudenciais. O Banco Central Europeu (ECB) incluiu o tema em seu Financial Stability Review, destacando vulnerabilidades em setores intensivos em carbono e os riscos de greenwashing e má precificação de ativos.

Os eventos convectivos severos – como granizo, vendavais e tempestades – tornaram-se a principal fonte de sinistros em várias regiões, inclusive na América do Sul. O aumento da frequência e intensidade tem elevado prêmios, ampliado franquias e, em alguns casos, reduzindo a oferta de cobertura, impulsionando a busca por seguros paramétricos e mecanismos de resiliência financeira.

Ignorar o risco climático é, hoje, o investimento mais caro que uma economia pode fazer. Estudos do World Resources Institute mostram que cada US$1 investido em adaptação e resiliência gera mais de US$10 em benefícios ao longo de uma década, um ROI superior ao de muitos setores tradicionais. Ainda assim, menos de 5% dos fluxos globais de finanças climáticas são destinados à adaptação. O resultado é previsível: os países e empresas mais expostos são também os menos preparados.

Nesse contexto, as finanças sustentáveis consolidam-se como o elo entre estabilidade econômica e proteção ambiental. A Taxonomia da União Europeia trouxe padrões objetivos para definir o que é “verde”, reduzindo ambiguidades e fortalecendo a confiança do investidor. No Brasil, a Taxonomia Sustentável Brasileira segue a mesma lógica, criando um marco técnico que conecta o país à nova economia global, com foco em transição justa, agricultura sustentável e infraestrutura resiliente.

O avanço é visível também no mercado de capitais. O volume de títulos GSS+ (Green, Social, Sustainability e Sustainability-linked) ultrapassou US$ 6,9 trilhões em emissões acumuladas até 2024, com US$ 1,05 trilhão emitido apenas no último ano, um crescimento de 31% em relação a 2023. Esses recursos têm financiado energia limpa, agricultura regenerativa, infraestrutura verde e soluções baseadas na natureza, pavimentando o caminho para uma economia mais resiliente e competitiva.

Para blindar economias ao clima, é fundamental:

  1. Integrar riscos físicos e de transição na análise de crédito, investimento e seguro.
  2. Ampliar emissões soberanas e subnacionais de títulos verdes e de sustentabilidade para obras de adaptação e resiliência urbana.
  3. Escalar o blended finance, combinando capital público, filantrópico e privado para irrigação eficiente, infraestrutura azul-verde e proteção costeira.
  4. Melhorar dados e métricas climáticas, mensurando perdas evitadas e indicadores de resiliência, reduzindo incertezas e o custo de capital.

As finanças sustentáveis deixaram de ser um nicho. Elas são hoje o alicerce da nova economia global. Há capital disponível, o desafio é alocar com inteligência, direcionando recursos para onde geram maior impacto e retorno de longo prazo: resiliência, adaptação e desenvolvimento sustentável.

Em um mundo moldado pelo clima, cada dólar investido em prevenção evita múltiplos em perdas futuras. A prosperidade, daqui para frente, será medida não apenas em crescimento, mas em capacidade de resistir e adaptar-se.

Fonte: Artigo escrito por André Veneziani, vice-presidente Comercial da C-MORE Brasil e América Latina.

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Piscicultura brasileira fecha 2025 sob pressão externa e ajustes estratégicos

Tarifas dos EUA, preços firmes no mercado interno e avanços sanitários marcaram o ano da tilápia e reforçaram a necessidade de diversificar mercados e fortalecer a competitividade do setor.

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Fider, em Rifaina, no interior paulista - Foto: Divulgação

2025 trouxe uma combinação inédita de desafios para a piscicultura brasileira: mudanças bruscas no comércio internacional, dinâmica interna de preços que surpreendeu o mercado, avanços sanitários impulsionados por necessidades e urgência de diversificar destinos da nossa produção.

Foi um ano intenso, que exigiu adaptação rápida, reposicionamento estratégico e visão mais ampla sobre o papel do Brasil nesse setor em expansão. A produção de tilápia, especificamente, entrou em 2025 com altas expectativas e o encerra com aprendizados que devem moldar o ritmo de crescimento no futuro próximo.

Juliano Kubitza, diretor da Fider Pescados

Entre esses desafios, a virada mais expressiva veio, evidentemente, das tarifas impostas pelos Estados Unidos. O salto de cerca de 10% para 50% nas taxas de importação alterou a rota natural de expansão brasileira no país que tem demanda elevada, produção interna insuficiente e alto poder de compra. O impacto foi imediato: a participação do Brasil caiu de aproximadamente 5% para perto de 3% no total das importações norte-americanas. Essa reação reforçou a necessidade de rever a estratégia, colocando a diversificação novamente no centro da agenda da cadeia produtiva.

Para além dos EUA, o setor precisou revisitar seu mapa de oportunidades globais. A análise dos mercados evidenciou que cada destino oferece limites e possibilidades distintas – e que, nenhum deles, isoladamente, substitui o potencial norte-americano. A China, por exemplo, apesar de ser um dos maiores consumidores mundiais de pescado, é autossuficiente e mantém barreiras práticas para importadores. Já o Canadá, mesmo com elevado poder aquisitivo, apresenta hábitos de consumo mais restritos. Diante desse quadro, a União Europeia surge como alternativa mais promissora, enquanto a prospecção de novos mercados se torna essencial para sustentar o ritmo de crescimento da produção brasileira.

No mercado interno, os efeitos também foram diferentes do esperado. Em vez de queda, os preços seguiram em alta, mesmo diante de um fluxo menor de exportações. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), vinculado à Universidade de São Paulo (USP), a tilápia fechou novembro a R$ 9,29 o quilo, acima dos R$ 8,02/kg registrados logo após o anúncio das tarifas e dos R$ 7,75/kg do fim de 2024. Isso mostra que a oferta não é grande o suficiente para provocar desvalorização significativa, reforçando que o Brasil está apenas começando sua trajetória como produtor e exportador relevante.

Ao mesmo tempo, 2025 estimulou avanços importantes na área sanitária: práticas de biosseguridade mais robustas, fortalecimento dos protocolos de imunidade, uso crescente de vacinas e de nutracêuticos e investimentos em manejo preventivo. A maturidade sanitária deixou de ser tendência e passou a ser pilar estratégico para sustentação de produtividade e competitividade.

Nesse cenário, as empresas brasileiras têm se reorganizado para enfrentar um ambiente mais complexo e exigente. A Fider, maior produtora e processadora de tilápia do Estado de São Paulo e uma das maiores do Brasil, é um exemplo desse movimento, reforçando inovação, rigor sanitário e busca por novos mercados como caminhos para atravessar o período e se posicionar bem para as oportunidades que virão. Fechamos o ano mais consciente dos riscos, mais atentos às mudanças globais e, sobretudo, mais preparados para construir um futuro mais sólido e diverso para a piscicultura nacional.

Fonte: Artigo escrito por
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Bovinos / Grãos / Máquinas

Mercado de embriões bovinos evolui e acompanha a transformação da pecuária brasileira

Da genética de elite à produção comercial, avanço da fertilização in vitro consolidou o Brasil como líder global e impôs novos desafios para a mensuração do setor.

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Foto: Divulgação

O mercado de embriões bovinos no Brasil passou por mudanças significativas nas últimas décadas. Mudanças que refletem a evolução da pecuária nacional e a consolidação do país como um dos protagonistas globais na produção de carne e leite. Podemos dizer que a trajetória desse mercado se confunde com a própria história recente da bovinocultura no Brasil.

Na década de 1990, as tecnologias de embriões estavam praticamente restritas a animais de elite, com genética superior e destinados à reprodução. Na superovulação, técnica predominante nessa época, a produção de embriões se voltava à pecuária de alto padrão, e imaginava-se a mesma tendência para a fertilização in vitro. O fato dessas técnicas serem utilizadas principalmente em países desenvolvidos, com pecuária mais intensiva e produtores de maior poder aquisitivo, reforçava esse cenário.

Artigo escrito por João Henrique Viana, Doutor em Ciência Animal pela UFMG e Chefe de Pesquisa da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

A virada do mercado começou na metade dos anos 2000. Com a popularização da fertilização in vitro, que em 2007 já era a tecnologia de embriões mais adotada no país, o Brasil passou a se destacar globalmente nesse segmento. Em 2010, o mercado nacional já respondia por quase metade do total de embriões bovinos produzidos no mundo.

Se na primeira década dos anos 2000 o mercado de embriões era majoritariamente associado às raças zebuínas e de corte, ao longo da década de 2010 ele passou a ganhar um espaço crescente na pecuária leiteira. Essa mudança foi alavancada pela disponibilidade do uso do sêmen sexado, indispensável para garantir um alto percentual de bezerros do sexo desejado – no caso da pecuária de leite, de bezerras. As tecnologias de embriões se mostraram uma ferramenta chave para aprimorar a genética dos rebanhos. Especialmente nas estratégias de cruzamento de raças, como para a formação do Girolando, a transferência de embriões vem ganhando destaque, se popularizando nas fazendas e conquistando espaço na produção comercial.

Com a democratização da técnica, agora também aplicada a animais de produção, surgiu o desafio para o mapeamento dos dados do setor. Quando seu uso era restrito a criadores vinculados às associações de raça, o levantamento de dados podia ser baseado apenas nos números obtidos junto às mesmas, uma vez que a comunicação das transferências de embriões é obrigatória para o registro dos animais. Mas, ao se expandir pelo campo, o uso da técnica passou a ir além das entidades de criadores.

Por isso, um importante indicador para acompanhar a evolução do mercado de embriões no Brasil passou a ser a venda de insumos, como a bainha de transferência de embriões. Mesmo sem permitir medir exatamente o uso em segmentos específicos, o volume de insumos comercializados permite ter um panorama confiável do mercado como um todo. Hoje, com base nesses indicadores, é possível afirmar que o país produz mais de 1 milhão de embriões bovinos por ano.

Para fazer frente ao desafio da obtenção de dados estatísticos mais acurados, a Sociedade Brasileira de Transferência de Embriões (SBTE) e a Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), com apoio do Centro de Estudos de Economia Aplicada (Cepea/USP), uniram esforços para a criação do Index Asbia Embriões. O objetivo do relatório, atualmente em desenvolvimento, é oferecer ao mercado brasileiro dados consolidados deste importante segmento nas cadeias da produção de carne e leite.

Mais do que apresentar números exatos, costumo dizer que a força do relatório está em indicar, para criadores, profissionais e pesquisadores, os rumos do mercado. Essas informações são fundamentais para o planejamento estratégico das empresas do setor e também dos pecuaristas. Afinal, dados precisos são indispensáveis atualmente.

Com a união das entidades e o aperfeiçoamento de suas metodologias de compilação de informações, será possível apresentar um número mais preciso desse mercado em constante evolução no Brasil. Nas últimas décadas, a técnica se consolidou e transformou a genética dos rebanhos em todo o país. Agora, é tempo de saber, com maior precisão, como se comporta o mercado de embriões da pecuária brasileira.

Fonte: Artigo escrito por João Henrique Viana, Doutor em Ciência Animal pela UFMG e Chefe de Pesquisa da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
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Bem-estar animal começa pelas pessoas no campo

Ambientes de trabalho seguros, manejo planejado e equipes capacitadas mostram que cuidar dos colaboradores é condição essencial para práticas consistentes de bem-estar animal, qualidade dos alimentos e sustentabilidade na produção.

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Foto: Shutterstock

O conceito de bem-estar na produção animal evoluiu. Não se trata apenas de garantir a qualidade de vida dos animais, mas de entender que o ambiente de trabalho é um fator determinante para que essas práticas aconteçam de forma consistente. Cuidar dos animais é, inevitavelmente, cuidar das pessoas que trabalham com eles.

Para que o manejo seja executado com precisão, calma e eficiência, é necessário proporcionar infraestrutura adequada e fluxos operacionais claros. Isso envolve melhorias estruturais, como pisos antiderrapantes, corredores bem dimensionados e sistemas de iluminação e ventilação pensados para reduzir o estresse.

Artigo escrito por Filipe Dalla Costa, médico-veterinário, mestre e doutor na área de bem-estar animal e coordenador técnico de Bem-Estar Animal para monogástricos na MSD Saúde Animal.

Quando o ambiente é organizado e planejado, diminuem-se os riscos e evita-se o retrabalho, permitindo que o colaborador concentre sua energia nas manobras técnicas corretas, sem improvisações ou esforço físico excessivo. O resultado é um ciclo virtuoso: investir no bem-estar do colaborador cria as condições para que o bem-estar animal ocorra de forma natural.

Assim, a qualidade do manejo é reflexo direto de um ambiente mais seguro. Enquanto o manejo inadequado, caracterizado por uso excessivo de força, ruídos e agitação, aumenta as chances de acidentes, quedas e lesões, os protocolos bem estabelecidos tornam o trabalho previsível e fluído. Ou seja, o bem-estar animal só se consolida com colaboradores seguros e capacitados.

Os benefícios observados na prática incluem:

  • Redução de acidentes e afastamentos: decorrente do manejo calmo e sem força excessiva.
  • Diminuição do estresse ocupacional: rotinas bem definidas e animais com melhor comportamento reduzem a carga mental da equipe.
  • Melhor clima e retenção de talentos: equipes treinadas em empatia colaboram mais e sentem maior satisfação e propósito, o que fortalece o vínculo com a empresa.

Para validar essa integração positiva entre animais, seres humanos e o meio ambiente, o mercado tem ao seu dispor as certificações. Um exemplo é a Certificação em Bem-Estar Único – Missão de Cuidar, que adota uma visão baseada nos princípios de One Welfare (Bem-estar Único), avaliando simultaneamente o ambiente, o manejo e os impactos sobre pessoas, animais e a sustentabilidade.

Monitorando indicadores integrados, como níveis de vocalização, acidentes ocupacionais, desempenho produtivo, uso adequado de equipamentos e tecnologias sustentáveis, capacitação e cultura de manejo ético e conformidade socioambiental, a certificação assegura que o bem-estar animal e humano caminhem juntos, fortalecendo a resiliência do negócio e gerando valor para a sociedade.

Reflexos na qualidade do alimento

Além dos benefícios humanos, o bem-estar animal possui relação direta e comprovada com a qualidade do produto final. Animais sob menor estresse apresentam melhor resposta imunológica e redução de lesões e hematomas, o que garante maior aproveitamento de carcaças.

Há também ganhos produtivos tangíveis, como a melhoria na aparência e uniformidade da casca de ovos, leite de maior qualidade e carne com parâmetros físico-químicos mais estáveis, o que significa um produto que mantém suas características de qualidade, segurança e frescor por um período de tempo mais longo, sofrendo alterações mínimas durante o armazenamento, transporte e processamento.

Com todas essas avaliações, é certo que as empresas que integram bem-estar único ao sistema de produção fortalecem seu compromisso com alimentos mais seguros, éticos e sustentáveis, bem como permitem um clima organizacional melhor e mais saudável.

Fonte: Artigo escrito por Filipe Dalla Costa, médico-veterinário, mestre e doutor na área de bem-estar animal e coordenador técnico de Bem-Estar Animal para monogástricos na MSD Saúde Animal.
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