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Lodo de esgoto se transforma em fertilizante seguro e sustentável para a agricultura
Tratamentos como a compostagem termofílica convertem resíduos urbanos em insumos orgânicos eficientes, nutricionalmente ricos e regulamentados, alinhando produção agrícola à economia circular e à preservação ambiental.

A ciência vem demonstrando de maneira consistente que o lodo de esgoto sanitário pode ser transformado em fertilizantes orgânicos e condicionadores de solo sustentáveis, nutritivos e seguros para uso agrícola. O que antes era considerado rejeito, hoje é matéria prima para obtenção de insumos de qualidade. Basta tratá-lo de maneira adequada.
A compostagem é uma das principais tecnologias que viabilizam esse tratamento. O processo é fascinante sob os aspectos ambiental, técnico e da economia circular: resíduos orgânicos de estações de tratamento de esgoto, da indústria e de atividades urbanas, passam por etapas rigorosas de estabilização.
A compostagem termofílica, por exemplo, submete esses resíduos a temperaturas elevadas (55°C a 70°C), durante várias semanas, o que elimina patógenos e sementes de plantas invasoras, reduz a massa e transforma em matéria orgânica rica em húmus, nutrientes e vida microbiológica.

Ademais é necessário ampliar o conhecimento técnico e a conscientização sobre o papel estratégico desses fertilizantes e condicionadores na regeneração dos solos agrícolas. Um exemplo notável é o adubo obtido por meio da compostagem termofílica de lodo de esgoto sanitário. Esse processo resulta em um fertilizante orgânico composto, ou ainda organomineral quando enriquecido com nutrientes minerais, bioestável, rico em matéria orgânica humificada e nutrientes essenciais, como nitrogênio, fósforo, potássio, calcio, magnesio e enxofre além de micronutrientes como zinco, molibdênio e níquel.
Com teor de umidade controlado (35 a 40%) e pH em torno da neutralidade, esse insumo melhora significativamente as características físicas e químicas do solo, aumentando sua capacidade de retenção de água, estimulando o desenvolvimento radicular e contribuindo para o incremento sustentável da produtividade agrícola. Além disso, atende integralmente às exigências legais para a classificação como Fertilizante Orgânico Composto Classe B, sendo microbiologicamente seguro, ambientalmente estável e agronomicamente eficaz.
Cabe ressaltar que esse fertilizante orgânico contribui para o aumento da eficiência no uso de fertilizantes minerais, podendo substitui-lo parcialmente em proporções que variam conforme a cultura e o manejo, chegando em alguns casos a até 50%.
A prática não é nova. Países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e diversas nações europeias já reciclam o lodo de esgoto na agricultura há décadas. No Brasil, embora as pesquisas sobre o tema datem do final da década de 1970, o uso operacional só se consolidou a partir do fim dos anos 1990.
Nossa legislação evoluiu bastante: hoje, a utilização agrícola do lodo de esgoto está regulamentada como fertilizante orgânico pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, por meio da Instrução Normativa SDA nº 61/2020, ou como resíduo aplicado diretamente no solo, pela Resolução nº 498/2020 do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Todo o marco regulatório brasileiro que disciplina o aproveitamento agrícola do lodo de esgoto foi desenvolvido nos últimos 25 anos, em estreito alinhamento com os avanços da ciência nacional e internacional. Houve notória participação de pesquisadores científicos de universidades e centros de pesquisa públicos, como a Embrapa, universidades estaduais e federais, além de técnicos altamente qualificados – muitos com títulos de doutorado e pós-doutorado – atuantes em empresas de saneamento básico, Ministério da Agricultura e Pecuária, Ministério do Meio Ambiente e órgãos ambientais estaduais, como a Cetesb (SP), IAT (PR), Feam (MG), Inea (RJ), Fepam (RS), entre outros. Esse arcabouço técnico e legal reflete maturidade do Brasil no tema e o compromisso das instituições com a segurança, a sustentabilidade e o uso racional dos recursos.

A Instrução Normativa nº 61/2020, publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estabelece critérios rigorosos para o registro, produção, importação e comercialização de fertilizantes, corretivos, inoculantes e biofertilizantes no país. Juntamente com a Instrução Normativa nº 7/2016, elas definem limites para qualidade e tolerância a contaminantes, além de procedimentos de fiscalização e controle de qualidade, garantindo a segurança e a eficácia dos insumos agrícolas.
No Estado de São Paulo por exemplo, a Cetesb é responsável pelo licenciamento da atividade de tratamento e transformação do lodo de esgoto em fertilizantes e condicionadores de solo, como também analisa previamente o potencial de aproveitamento do resíduo para esta finalidade, sempre atenta aos critérios de segurança ambiental.
No âmbito internacional observa-se robusto respaldo técnico sobre a eficácia e segurança dos fertilizantes orgânicos gerados através de lodo de esgoto sanitário. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), por exemplo, estabeleceu um marco regulatório (40 CFR Part 503) baseado em avaliações de risco que garantem a segurança sanitária do uso agrícola de lodo de esgoto.
A Comissão Europeia, por meio do seu Centro Comum de Pesquisa (JRC), também publicou estudo técnico criterioso demonstrando que, com controle adequado de contaminantes emergentes e metais pesados, o uso desses materiais é plenamente seguro.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), em diretrizes conjuntas, reforçam a possibilidade do reaproveitamento de resíduos gerados através de efluentes industriais e resíduos sanitários na agricultura. Sempre com a ressalva de que se exige o devido tratamento.
À medida que novas tecnologias analíticas e científicas avançam, poluentes emergentes passam a ser estudados com mais profundidade. Essa evolução não desmerece o trabalho técnico e normativo já consolidado na atualidade, mas sim reforça a importância do aprimoramento contínuo de processos, monitoramentos e protocolos de segurança.
Da mesma forma que, no passado, os chamados metais pesados e os microrganismos patogênicos representaram desafios importantes – hoje amplamente superados, mas ainda objeto de rigoroso controle – , os novos contaminantes representam oportunidades para reforçar ainda mais a segurança e a confiabilidade da prática do reaproveitamento agrícola de lodos tratados.
A transformação do lodo de esgoto em fertilizante ou condicionador de solos é também uma solução inteligente para os desafios urbanos. Esses resíduos, gerados em grande volume em áreas densamente povoadas, podem ser processados em plantas de co-compostagem que recebam também resíduos de alimentos pré e pós consumo, coletados em shoppings, supermercados, indústrias e refeitórios corporativos. O co-tratamento dessas diversas fontes, seguindo protocolos rigorosos de higiene e equilíbrio entre carbono e nitrogênio, também permite a produção de insumos agricolas de alta qualidade, eficazes e seguros.

O preconceito e as “fake news” sobre o processo têm origem na desinformação técnica: trata-se de um produto totalmente estabilizado e sanitariamente seguro, com identidade agronômica definida e registrado e registrado no Ministério da Agricultura e Pecuária, com comprovação laboratorial de sua qualidade e segurança. Ignorar essa solução é desperdiçar um recurso valioso e perpetuar práticas insustentáveis.
Em um cenário de escassez de recursos naturais, crise climática e pressão por eficiência na produção de alimentos, utilizar fertilizantes orgânicos e condicionadores de solos produzidos a partir de resíduos é possível e necessário. Afinal, os adubos feitos com lodos de esgotos, cuja eficácia agrícola é comprovada, podem ser utilizados com absoluta segurança agronômica, ambiental e sanitária, desde que submetidos a tratamento adequado, baseado em métodos eficazes e comprovados, como a compostagem termofílica, e respeitando normas técnicas rigorosas. A ciência já validou, a tecnologia já permite, e a legislação já ampara. Falta apenas vencer o improcedente ceticismo.

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Comunicação e Marketing como mola propulsora do consumo de carne suína no Brasil
Se até pouco tempo o consumo era freado por percepções equivocadas, hoje a comunicação correta, direcionada e baseada em evidências abre caminho para quebrar paradigmas.

Artigo escrito por Felipe Ceolin, médico-veterinário, mestre em Ciências Veterinárias, com especialização em Qualidade de Alimentos, em Gestão Comercial e em Marketing, e atual diretor comercial da Agência Comunica Agro.
O mercado da carne suína vive no Brasil um momento transição. A proteína, antes limitada por barreiras culturais e mitos relacionados à saúde, vem conquistando espaço na mesa do consumidor.
Se até pouco tempo o consumo era freado por percepções equivocadas, hoje a comunicação correta, direcionada e baseada em evidências abre caminho para quebrar paradigmas. Estudos recentes revelam que o brasileiro passou a reconhecer características como sabor, valor nutricional e versatilidade da carne suína, demonstrando uma mudança clara no comportamento de compra e consumo. É nesse cenário que o marketing se transforma em importante aliado da cadeia produtiva.

Foto: Shutterstock
Reposicionar para crescer
Para aumentar a participação na mesa das famílias é preciso comunicar aquilo que o consumidor precisava ouvir:
— que é uma carne segura,
— rica em nutrientes,
— competitiva em preço,
— e extremamente versátil na culinária.
Campanhas educativas, conteúdos informativos e a presença mais forte nas mídias sociais têm ajudado a construir essa nova imagem. Quando o consumidor entende o produto, ele compra com mais confiança – e essa confiança só existe quando existe uma comunicação clara e alinhada as suas expectativas.
O marketing não apenas divulga, ele conecta. Ao simplificar informações técnicas, aproximar o produtor do consumidor e mostrar maneiras práticas de preparo, a comunicação se torna um instrumento de transformação cultural.
Apresentar novos cortes, propor receitas, explicar processos de qualidade, destacar certificações e reforçar a rastreabilidade são estratégias que aumentam a percepção de valor e, consequentemente, estimulam o consumo.
Digital: o novo campo do agro
As redes sociais se tornaram o “supermercado digital” do consumidor moderno. Ali ele busca receitas, tira dúvidas, avalia produtos e

Foto: Divulgação/Pexels
compartilha experiências.
Indústrias, cooperativas e associações que investem em presença digital tornam-se mais competitivas e ampliam sua capacidade de influenciar preferências.
Vídeos curtos, reels com receitas simples, influenciadores culinários e campanhas segmentadas têm desempenhado papel fundamental na aproximação com o consumidor urbano, historicamente mais distante da realidade da cadeia produtiva e do campo.
Promoções e estratégias de varejo
Além do ambiente digital, o ponto de venda continua sendo o território decisivo da conversão. Embalagens mais atrativas, materiais explicativos, promoções e ações conjuntas com o varejo aumentam a visibilidade e reduzem a insegurança de quem tomando decisão na frente da gondola.
Marketing como elo da cadeia produtiva
A cadeia de carne suína brasileira é altamente tecnificada, sustentável e reconhecida, mas essa excelência precisa ser comunicada. O marketing tem o papel de unir elos – do campo ao consumidor – e transformar conhecimento técnico em mensagens simples e que engajam.
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Expandir sem desmatar: a lógica econômica que vai muito além do discurso
Recuperar áreas degradadas e investir em produtividade sustentável é hoje o caminho mais rentável e estratégico para o agro brasileiro crescer sem comprometer o meio ambiente.

Dias atrás reli um artigo do pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro Sustentável, Décio Luiz Gazzoni, sobre a expansão agrícola sem desmatamento. O texto, publicado em 2023, ainda é muito atual e me fez refletir novamente sobre algo que sempre defendo: a sustentabilidade não é apenas uma exigência ambiental, é uma decisão econômica inteligente.
Como economista e alguém que acompanha o agro de perto, inclusive viajando para conhecer iniciativas em diferentes países, vejo com muita clareza o que Gazzoni já apontava: a grande fronteira do crescimento brasileiro está dentro das áreas já abertas, principalmente nas pastagens degradadas.

Artigo escrito por Fábio Torquato, economista, formado em Relações Internacionais e fundador da AgroTravel – Foto: Divulgação/AgroTravel
E os números mais recentes reforçam essa visão. Estudos da Embrapa, publicados na revista internacional Land, indicam que o Brasil possui cerca de 27,7 milhões de hectares de pastagens degradadas. Isso significa que temos uma área gigantesca pronta para ser recuperada e incorporada à produção, sem a necessidade de avançar sobre novos biomas.
Além disso, durante a COP29, que aconteceu ano passado em Baku, no Azerbaijão, o Brasil lançou o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD), que prevê US$ 120 bilhões em investimentos nos próximos dez anos para recuperar 40 milhões de hectares. O número do programa é maior do que o estimado pela Embrapa porque considera áreas em diferentes graus de degradação, aptas para conversão produtiva ao longo dos anos.
Do ponto de vista econômico, é um movimento que faz todo o sentido. Segundo o Broto Notícias, o custo de recuperação de uma pastagem varia de R$ 6 mil a R$ 30 mil por hectare, dependendo do nível de degradação, tipo de solo e métodos adotados. Parece caro? Talvez à primeira vista. Mas quando olhamos para o retorno — aumento de produtividade por hectare, redução de custos operacionais e acesso a mercados premium que pagam mais por produtos rastreáveis e sustentáveis — a conta fecha rapidamente.
Vi isso acontecer em fazendas que visitei em viagens técnicas com a AgroTravel ao redor do mundo.
Como bem lembra Gazzoni, o produtor brasileiro já tem tecnologia e conhecimento para fazer essa virada. O que falta, muitas vezes, é entender que sustentabilidade é investimento, e não custo. E agora, com bilhões de dólares disponíveis em crédito via BNDES, Banco do Brasil e fundos internacionais, esse argumento fica ainda mais forte.
Estamos acompanhando os trabalhos da COP30, que este ano acontece no Brasil, e o mundo inteiro está olhando para nosso país. A oportunidade está escancarada: quem se antecipar, quem enxergar a recuperação de pastagens como um ativo estratégico, vai liderar o agro brasileiro do futuro.
Sempre digo nos grupos que acompanham as viagens da AgroTravel: o futuro do agro não está em abrir novas áreas, mas em transformar cada hectare já aberto em um ativo de alta performance. O artigo de Gazzoni só reforçou o que vejo na prática. E, como economista, reafirmo: essa é a equação mais inteligente que já tivemos nas mãos.
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Meio ambiente e cooperativismo
Movimento econômico e social baseado em valores éticos e solidários, o cooperativismo reafirma, em tempos de COP 30, seu papel essencial na construção de um futuro sustentável, unindo produção, preservação e desenvolvimento coletivo.

As cooperativas representam o mais elevado estágio da organização humana em torno de valores éticos, solidários e sustentáveis. Elas não existem apenas para gerar resultados econômicos, mas para promover o desenvolvimento coletivo em harmonia com o meio ambiente e com as comunidades em que atuam. Por essência e por princípios universais, o cooperativismo defende a preservação da natureza, a gestão responsável dos recursos e o equilíbrio entre produção e sustentabilidade. Esse compromisso ambiental não é um apêndice, mas uma convicção enraizada na própria identidade cooperativista.

Artigo escrito por Vanir Zanatta, presidente da Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina (OCESC).
Em tempos de COP 30 é essencial lembrar que, nas cooperativas, cada decisão administrativa, cada projeto de ampliação e cada investimento em unidades industriais, agrícolas, logísticas ou administrativas é precedido por uma análise criteriosa dos impactos ambientais. O crescimento não se mede apenas em números, mas também na capacidade de reduzir emissões, otimizar o uso da água, reciclar resíduos e proteger a biodiversidade. É essa consciência prática e constante que diferencia o cooperativismo das demais formas de organização econômica. Ele entende que não há prosperidade possível em um planeta degradado, nem futuro para a economia sem o equilíbrio ambiental.
As cooperativas são parceiras leais do Poder Público na implementação de políticas voltadas ao meio ambiente. Estão sempre presentes em programas de reflorestamento, saneamento básico, manejo de resíduos, recuperação de nascentes e educação ambiental. Mas sua contribuição vai além da sustentabilidade ecológica — elas também participam ativamente de ações que promovem segurança, educação, cultura e mobilidade urbana, compreendendo que a proteção ambiental é inseparável da qualidade de vida e do bem-estar social. Onde há uma cooperativa, há compromisso com o futuro coletivo.
Essas instituições agem com coerência e exemplo, estimulando a cidadania e o senso de responsabilidade em seus empregados, cooperados, clientes e comunidades. Elas ensinam, pelo exemplo, que o progresso verdadeiro não nasce da exploração desenfreada, mas da gestão equilibrada e consciente dos recursos. O cooperativismo forma cidadãos engajados, capazes de compreender que o planeta é uma herança comum e que sua preservação é um dever de todos.
A defesa do meio ambiente é, portanto, um desdobramento natural dos princípios cooperativistas — entre eles, o interesse pela comunidade, a responsabilidade social e a intercooperação. Cada árvore preservada, cada solo recuperado e cada nascente protegida são expressões concretas de uma filosofia que valoriza a vida. As cooperativas não esperam por imposições legais ou incentivos externos para agir: elas o fazem porque acreditam que sua missão é cuidar das pessoas e do mundo em que elas vivem.
O cooperativismo é, por natureza, o caminho da sustentabilidade. Ele demonstra, todos os dias, que é possível crescer produzindo, prosperar preservando e inovar sem destruir. Em tempos de mudanças climáticas e desafios globais, as cooperativas reafirmam sua vocação de construir um mundo melhor, mais justo e solidário. Elas provam, com ações e resultados, que a economia pode — e deve — caminhar de mãos dadas com o meio ambiente. Essa é a essência do cooperativismo: servir, preservar e transformar.



