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Hipocalcemia puerperal em vacas leiteiras: ocorrência, riscos e prejuízos
Na intenção de prevenir essa enfermidade, há uma estratégia nutricional que visa negativar o balanço cátion-aniônico da dieta das vacas. Essa dieta é denominada dieta aniônica e atua ativando mecanismos capazes de aumentar a quantidade de cálcio sérico.

O período de transição em vacas leiteiras engloba as três semanas anteriores e as três semanas posteriores à data do parto. Esses dias possuem grande importância no ciclo produtivo dos animais, já que ocorrem inúmeras modificações hormonais e fisiológicas na fêmea, que passa de gestante não lactante para não gestante e lactante. Essa transição é acompanhada pelo aumento significativo das exigências nutricionais em razão ao crescimento final do feto, desenvolvimento da glândula mamária, produção de colostro e início da lactação, acarretando em uma grave queda de consumo de matéria seca (CMS) nas últimas três semanas pré-parto. A redução do CMS gera uma limitação energética em relação ao que é exigido a vaca nessa fase, ocasionando o balanço energético negativo (BEN) e tornando-a suscetível ao desenvolvimento de doenças de ordem metabólica.

Figura 1
Uma das principais alterações metabólicas desse período é referente ao cálcio (Ca), pois durante a gestação a vaca necessita de quantidades relativamente baixas desse macromineral, no entanto, no final do pré-parto e início da lactação, sua exigência é bastante elevada. Isso ocorre tanto pela produção de leite que vai ser iniciada, quanto pela produção do colostro, que possui duas vezes mais cálcio do que o leite, equivalendo a 2,3 gramas por kg de colostro. A quantidade de cálcio sérico em uma vaca é entre 8,0 a 9,0 gramas, enquanto a quantidade no plasma é de apenas 3,0 a 3,5 gramas. Ou seja, uma vaca produzindo 8 kg de colostro elimina 18,4 gramas de cálcio em uma única ordenha, cerca de seis vezes a mais do que a concentração disponível no plasma, como ilustrado na Figura 1.
Adicionalmente, a vaca utiliza o cálcio para as contrações uterinas no momento do parto, expulsão da placenta, involução uterina e contração das células mioepiteliais. A soma desses eventos eleva significativamente a demanda de cálcio, sendo que alguns animais não conseguem supri-la, vindo a apresentar a hipocalcemia puerperal, popularmente conhecida como a febre do leite.
O que a hipocalcemia puerperal reflete a curto e médio prazo?
Fora as alterações geradas a nível metabólico, a integridade do sistema imunológico também está relacionada aos níveis de cálcio, logo, vacas em estado hipocalcêmico estão mais propensas a apresentarem novas enfermidades. Devido as baixas reservas celulares de Ca e consequentemente a redução na resposta imunológica, há uma menor atividade antimicrobiana, além de inúmeras enzimas, envolvidas em respostas celulares, serem desativadas na falta de Ca.
Uma vaca com hipocalcemia possui suas contrações uterinas diminuídas, o que contribui para o desenvolvimento do quadro de retenção de placenta. Ademais, no momento do parto é fisiológico que ocorra a contaminação bacteriana do lúmen uterino, no entanto, devido a redução da atividade das células de defesa, a vaca possui maior chance de apresentar metrite. Além dessas enfermidades, uma vaca hipocalcêmica apresenta oito vezes a mais de chance de apresentar mastite, três vezes a mais de desenvolver um deslocamento de abomaso e nove vezes a mais de apresentar um quadro de cetose metabólica. A cetose metabólica é comumente relatada em vacas hipocalcêmicas, pois, quando os níveis de cálcio sérico estão aquém dos parâmetros fisiológicos, há interferência na secreção de insulina, reduzindo a utilização da glicose pelas células e aumentando a mobilização de lipídios, o que aumenta os níveis de ácidos graxos não esterificados, principalmente até os 12 dias pós-parto.
A hipocalcemia pode causar perdas de quase 2,9 kg leite/dia, até seis semanas pós-parto, além dos custos associados as enfermidades secundárias. De acordo com estudo de 2021, o impacto econômico da hipocalcemia é de US$ 334 por animal, sem considerar as enfermidades secundárias que podem ocorrer. Adicionalmente, outro pesquisador afirmou que a vida útil de uma vaca que desenvolve hipocalcemia pode ser reduzida em até três anos.Finalmente, todas essas consequências acarretam em menor produção de leite e diminuição da fertilidade, podendo reduzir até 70% da concepção ao primeiro serviço pós-parto, comprometendo significativamente a rentabilidade do produtor.
“Na minha propriedade não tenho problema com hipocalcemia”. Será?
A hipocalcemia clínica, apesar de muito grave, possui ocorrência inferior a 5% nos rebanhos leiteiros. No entanto, a forma subclínica dessa enfermidade, ou seja, quando os animais ainda não apresentam sinais clínicos evidentes, possui ocorrência superior a 50%. Em um levantamento realizado em 2020, incluindo 1.692 animais, foi observado que a incidência média de hipocalcemia nos rebanhos leiteiros era de 57,5% (Figura 2).

Figura 2
Mais estudos
Na Argentina foi realizado um estudo com 50.000 animais entre os anos de 1992 e 1993, onde foi notado que a incidência de hipocalcemia foi de 6,3% nas vacas paridas, por ano, com uma mortalidade de 38,7% nas vacas que apresentaram a forma clínica da doença, o que significa 2 a 3% das vacas mortas anualmente.
Em outro estudo, realizado no Brasil, a prevalência de hipocalcemia em um rebanho no estado de São Paulo, composto por 917 vacas paridas, foi de 4,2%, sendo que 64,1% dos casos ocorreram no primeiro dia após o parto e 30,8% ocorreram no segundo dia, onde a mortalidade foi de 0,5%. Adicionalmente, o autor relatou que a doença foi mais prevalente em vacas com mais de duas lactações, e quanto maior a ordem de lactação, maior foi a incidência de hipocalcemia, que variou de 1,4% em vacas com três lactações para 30,8% em vacas com 10 ou mais lactações.
Manifestação clínica, intervenção terapêutica e prevenção
A manifestação clínica da hipocalcemia é variável. No primeiro estágio da forma clínica, o animal ainda consegue se manter em estação, mas já apresenta sinais de excitação e hipersensibilidade, podendo também ter espasmos no flanco e tremores nas orelhas. Caso o tratamento não seja instituído ainda nessa fase, o animal começa a demonstrar sinais mais graves, pertencentes ao segundo estágio da enfermidade, principalmente decúbito esternal com a cabeça direcionada ao flanco, posição característica da hipocalcemia puerperal, além de poder apresentar focinho seco, hipotermia e extremidades frias. A perda contínua da consciência caracteriza o estágio três, juntamente com a flacidez muscular completa, incapacidade de se manter em decúbito esternal e timpanismo grave.
Se não tratado, o animal pode vir a óbito em até 12 horas após o início dos sinais clínicos, devido a asfixia secundária ao timpanismo. A atenção deve ser voltada a tratar o animal o mais rápido possível, sendo o ideal já intervir no primeiro estágio, antes mesmo do animal apresentar decúbito esternal. O tratamento é realizado através do uso de injeções intravenosas com soluções a base de sais de cálcio, sendo que as mais utilizadas são o boroglucanato, cloreto de sódio e glucanato, tendo que ser administrado de forma lenta. Soluções com 20 a 30% de boroglucanato de cálcio, na dosagem de 100 a 200 gramas por animal, são as melhores opções para tratar vacas hipocalcêmicas, devido a uma resposta mais rápida, podendo a vaca levantar imediatamente ao tratamento. É importante ressaltar que cerca de 25 a 30% das vacas apresentam recidivas em 24 a 48 horas após o primeiro tratamento, nesses casos deve-se repetir a terapia.
Na intenção de prevenir essa enfermidade, há uma estratégia nutricional que visa negativar o balanço cátion-aniônico da dieta das vacas. Essa dieta é denominada dieta aniônica e atua ativando mecanismos capazes de aumentar a quantidade de cálcio sérico. Os ânions (cloro, fósforo e enxofre) possuem cargas negativas, enquanto os cátions (sódio, potássio, cálcio e magnésio) possuem cargas positivas, ou seja, quando a dieta é negativa, ela é considerada uma dieta aniônica, a qual faz com que o pH do sangue se torne mais ácido, estimulando a ação do paratormônio e vitamina D, sendo que esses compostos mobilizam cálcio dos ossos para o sangue, aumentam a absorção intestinal desse macromineral e reduzem sua excreção renal.
A hipocalcemia puerperal é um importante gargalo existente nas fazendas leiteiras, comprometendo a saúde geral do animal e sua produção, tendo grande influência na rentabilidade do produtor. Frente a isso, é essencial conhecer seu mecanismo, assim como os sinais da enfermidade, como preveni-la e tratá-la, tornando assim seu rebanho menos suscetível às consequências dessa doença.
As referências bibliográficas estão com a autora. Contato: luiza.carneiro@laboratorioprado.com
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Regeneração de pastagens e sistemas integrados ganham protagonismo na pecuária brasileira
Especialistas destacam que eficiência produtiva, solo saudável e adoção de ILPF são caminhos centrais para uma pecuária sustentável e de baixo carbono.

A regeneração de pastagens degradadas e a adoção de sistemas integrados de produção devem ocupar o centro da estratégia da pecuária brasileira para os próximos anos. Essa visão foi defendida por Fábio Dias, líder de Pecuária Sustentável da JBS, durante sua participação no VEJA Fórum de Agronegócio, realizado nesta segunda-feira (24), em São Paulo.
Ao participar do painel “Agricultura Sustentável: como produzir sem desmatar”, o executivo ressaltou que a eficiência produtiva e a sustentabilidade caminham juntas para garantir a perenidade do negócio. Com atuação em 20 países e relacionamento diário com centenas de milhares de produtores, a JBS enxerga a saúde da cadeia de fornecimento como prioridade. “A produção pecuária e agrícola precisa prosperar por muitos anos, não apenas por alguns. Se os produtores não forem bem, toda a cadeia não irá bem”, explicou.
Dias também analisou a mudança de paradigma no setor: se antes o foco estava exclusivamente no volume de produção, hoje a degradação e a queda de produtividade, especialmente em áreas de abertura mais antigas, impulsionaram uma nova mentalidade voltada à longevidade e à qualidade do solo.
Segundo Dias, essa agenda regenerativa é um imperativo de gestão, focada na melhoria contínua do ativo ambiental. “É fundamental garantir que a fazenda seja mantida em condições de produtividade superior a cada ano, demonstrando que a exploração pecuária de longo prazo é totalmente sustentável”, afirmou.
O executivo reforçou a singularidade do modelo brasileiro, capaz de acomodar duas ou três safras na mesma área. Nesse contexto, a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) surge como ferramenta vital. A presença animal no sistema não apenas diversifica a renda, mas eleva a biologia do solo e sua capacidade de estocagem de carbono. “Colocar animais numa área aumenta a vida do local, eleva a qualidade da terra e mantém o solo coberto durante todo o ano”, explicou Dias. De acordo com o executivo, a eficiência gerada pela ILPF, somada à redução da idade de abate dos animais, resulta em menor pressão por desmatamento e queda nas emissões entéricas, pavimentando o caminho para uma pecuária brasileira de baixo carbono.
Para acelerar a adoção dessas tecnologias e fortalecer a formalização da cadeia, a JBS estruturou um ecossistema robusto de difusão de conhecimento, assistência técnica e gerencial. O objetivo é empoderar o produtor para a tomada de decisões embasadas. “Construímos um ecossistema que difunde conhecimento e apoio aos produtores”, reforçou Dias.
Essa estratégia, operacionalizada por meio do programa Escritórios Verdes, criado em 2021, e que que oferecem assistência técnica, ambiental e gerencial gratuita, tem gerado impacto mensurável: desde então, já foram mais de 20.000 produtores apoiados, reinseridos na cadeia produtiva legal e sustentável.
O líder de Pecuária Sustentável da JBS concluiu que o potencial do Brasil em ter uma pecuária baixa em carbono é evidente, dada a capacidade de armazenagem do solo tropical e a redução da idade de abate dos animais. “Ao aumentar a produção por área, a JBS enxerga um futuro brilhante para a pecuária brasileira, onde a sustentabilidade se torna o novo padrão de eficiência e inclusão produtiva”, pontuou.
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Mercado do leite volta a cair em novembro e mantém pressão sobre o produtor
Demanda mais fraca e custos elevados sustentam pressão negativa sobre o preço ao produtor.

O preço médio nacional do leite ao produtor fechou novembro de 2025 em R$ 2,44 por litro, conforme o boletim Indicadores Leite e Derivados, elaborado pelo Cileite/Embrapa. O valor representa queda de 3,8% na comparação mensal e recuo de 14,8% em 12 meses, consolidando um ano de forte retração para o setor.
A análise regional mostra que todos os estados acompanhados registraram variações negativas, como em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As barras do gráfico destacam uma tendência comum de queda, com redução próxima a 4%.
Derivados também caem

Foto: Sistema Faep
Os preços dos lácteos seguiram o mesmo movimento. O boletim indica retração de 1,0% no conjunto de “Leite e Derivados” e queda de 0,2% em outro agrupamento de produtos monitorados. Entre os itens acompanhados individualmente, o leite UHT apresentou variação negativa mais intensa, acompanhado por baixas em queijos, manteiga, creme de leite e leite condensado — todos com índices de redução destacados na coluna “Em 12 meses”.
Consumo interno não reage
O relatório também traz a evolução do ticket de compra de lácteos no varejo, mostrando oscilações ao longo de 2023, 2024 e 2025. A curva referente a 2025 revela leve recuperação no segundo semestre, mas ainda distante dos patamares observados em anos anteriores. Segundo o boletim, o consumo interno não tem acompanhado a oferta, o que contribui para a continuidade da pressão sobre os preços ao produtor.
Cenário segue desfavorável ao produtor
Com custos ainda elevados em várias regiões e baixa capacidade de repasse pela indústria, o momento permanece desafiador para a cadeia produtiva. A retração em praticamente todos os indicadores reforça o ambiente de margens apertadas e de incerteza para o início da temporada 2026.
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Mato Grosso institui Passaporte Verde e eleva padrão socioambiental da pecuária
Nova lei, que entra em vigor em 2026, estabelece critérios socioambientais e rastreabilidade completa do rebanho para atender às exigências dos mercados internacionais.

A Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou, em duas votações, na última quarta-feira (19), o projeto de lei que institui o Programa Passaporte Verde, iniciativa que coloca o Estado na vanguarda da pecuária sustentável no Brasil. A nova legislação entra em vigor em janeiro de 2026 e estabelece critérios socioambientais para todo o monitoramento de rebanho bovino e bubalino mato-grossense, com o objetivo de atender às exigências dos mercados internacionais mais competitivos.
O Passaporte Verde, desenvolvido pelo Instituto Mato-grossense da Carne (Imac) em parceria com o Governo do Estado e o setor produtivo, propõe o monitoramento socioambiental completo da cadeia da carne, desde o nascimento do animal até o abate. O programa prevê etapas de implantação para incluir propriedades de todos os portes, oferecendo suporte técnico e orientação aos produtores.
Entre os objetivos dessa política de sustentabilidade estão o desenvolvimento sustentável, a inclusão e consciência produtiva, o acesso ao mercado global, qualidade e monitoramento, incentivo de parcerias do setor privado com entidades públicas, a valorização de serviços ambientais, além do estímulo do ambiente de concorrência equitativa na cadeia produtiva.
A iniciativa reforça o compromisso de Mato Grosso com a produção responsável, rastreabilidade, transparência e conservação ambiental, critérios cada vez mais valorizados pelos importadores e consumidores globais. Países da Europa e da Ásia, por exemplo, têm adotado políticas que priorizam produtos com comprovação de origem sustentável e desmatamento zero. “Mato Grosso se consolida como pioneiro em sustentabilidade com o Passaporte Verde. Estamos mostrando ao mundo que é possível produzir mais, com responsabilidade ambiental e inclusão social. Esse programa será uma vitrine da pecuária moderna, transparente e comprometida com o futuro do planeta”, comemorou o presidente do Imac, Caio Penido.



