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Endividamento segue assombrando o produtor rural

Considerados os ambientes de produção e de negócios em que está inserido, o produtor rural segue exposto a uma série de situações desafiadoras, com frustrações de safras e outros fatores que contribuem para aumentar o endividamento no campo

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Foto: Marcelo CasalJr/Agência Brasil

Nem tudo são flores no agronegócio. O setor responsável por boa parte da Balança Comercial brasileira e pela segurança alimentar de boa parte do planeta, pois produz o suficiente para alimentar cerca de um bilhão de pessoas, segue com uma série de desafios, sendo o endividamento tema recorrente, que segue assombrando quem produz alimentos no Brasil.

A produção agropecuária brasileira, pela dimensão da sua atividade, com várias cadeias produtivas e, também, pelas diferentes condições para quem exerce atividade a céu aberto, como é o caso da produção de grãos, está sujeita a vários fatores que concorrem contra o bom desempenho do setor. O destaque fica para os estresses climáticos provocados pelos fenômenos naturais “El Niño” e “La Niña”, que oscilam as temperaturas das superfícies oceânicas, provocando falta e excesso de chuvas nas regiões produtoras. As consequências são as mais drásticas possíveis, como a estiagem que atingiu boa parte da área cultivada com grãos na safra 2023/24, e as enchentes que assolaram lavouras agrícolas e áreas urbanas em vários municípios do Rio Grande do Sul, na maior catástrofe climática dos últimos 100 anos.

Foto: Shutterstock

Isso afeta diretamente a produção de grãos e tem desdobramentos nas demais cadeias do agro, como a criação animal para fins comerciais que depende do arraçoamento dos seus planteis e pode enfrentar aumento nos custos da ração animal, à base de milho e farelo de soja. De tal forma que todos os produtores rurais são afetados, e nesse contexto se inclui o setor de insumos, que acaba tendo que lidar com a inadimplência dos produtores.

Paralelamente, há situações relacionadas ao fato de o mercado estar globalizado e de haver dependência das oscilações das bolsas internacionais e do bom humor dos compradores externos. Diante disso, o cenário nem sempre é o mais positivo na hora da comercialização, cujos preços das commodities agrícolas, às vezes, sequer cobrem os custos de produção, sem falar nas doenças ou pragas, que também prejudicam o desenvolvimento das lavouras, reduzem a produtividade e enfraquecem o caixa do produtor, que fica ainda mais fragilizado.

Considerados os ambientes de produção e de negócios em que está inserido, o produtor rural segue exposto a essa série de situações desafiadoras, que incluem os citados efeitos devastadores dos fenômenos naturais que alteram o clima e provocam sucessivas frustrações de safras, além de outros fatores que contribuem para aumentar o endividamento rural, já próximo a R$ 1 trilhão. Se antes falávamos em endividamento rural, há tempos estamos tratando de superendividamento do produtor rural, caso típico de um produtor do Oeste do Paraná, que acompanhamos de perto, que optou por um processo de Repactuação de dívidas, com considerável êxito até o momento, pelas medidas jurídicas adotadas em defesa do patrimônio desse produtor.

O problema das dívidas no campo

A necessidade de recursos para o fomento é o maior desafio de quem produz e depende de custeio, e ao se deparar com frustração de safra ou com outro fator desfavorável, vê aumentar seu endividamento e crescer o risco de perda de bens, até mesmo de propriedades conquistadas com muito suor, literalmente, de quem está na atividade desde as décadas dos anos 80 e 90, e que desbravou as fronteiras agrícolas no Brasil. Com certeza, o endividamento é o maior pesadelo do produtor rural, e enquanto ele se especializou no manejo animal ou das culturas agrícolas, nem sempre soube lidar bem com a gestão financeira dos seus negócios. Resultado disso, ficou à mercê do sistema financeiro de crédito, oficial ou privado e, em muitos casos, necessita de um suporte especializado na defesa dos seus Direitos, principalmente para fazer melhor a Gestão de Passivo.

Nesse cenário de desafios, quando o produtor tem Ativos à sua disposição, ou seja, dinheiro para seu próprio fomento, ainda assim corre os riscos decorrentes de uma atividade

Foto: Divulgação/Arquivo OPR

dependente das condições climáticas favoráveis, então, imagina quando há falta de recursos próprios e, endividado, precisa de um melhor posicionamento frente aos seus credores para prosseguir na atividade. Nessa situação desalentadora, o produtor tenta solucionar seu endividamento apenas com a Renovação dos seus contratos de financiamento, sem uma análise mais criteriosa do quadro dos últimos anos. Agindo assim, está apenas aumentando o volume de suas dívidas, sem estancar o processo e solucionar a questão.

Onde está solução do endividamento

Para o enfrentamento do endividamento, o produtor rural conta com algumas ferramentas jurídicas, dentre elas o Alongamento de dívidas rurais, um direito assegurado aos que utilizam o Crédito Rural. Nesse sentido, o Manual do Crédito Rural (MCR) é um instrumento antigo, porém, eficaz, e uma vez aplicado corretamente no caso das dívidas rurais garante um alívio significativo, permitindo que os produtores reestruturem suas finanças e mantenham a sustentabilidade de suas atividades no campo.

Há casos em que, com a ajuda de um profissional especializado em Direito do Agro, o produtor pode avaliar o uso de uma Recuperação Extrajudicial, da Repactuação de suas dívidas, ou mesmo da Recuperação Judicial, a chamada “RJ”, com bons critérios. Ainda, buscar na Justiça o direito de Alongamento das suas dívidas, outra medida que protege seu patrimônio, diferentemente da simples Renovação dos Contratos, que apenas posterga o problema e não o soluciona.

Cesar da Luz, especialista em Agronegócio e diretor-presidente do Agro10 Group – Foto: Divulgação

De efeito prático, o produtor que opta pelas medidas protetivas dos seus direitos consegue a redução do fluxo de caixa, o menor desembolso imediato, menos pressão financeira no curto prazo, maior flexibilidade para investimentos e recursos para seguir investindo na produção. E é importante que saiba que ao optar por tais medidas, o produtor segue autorizado a solicitar novos financiamentos, sendo necessário, entretanto, apresentar um histórico financeiro positivo para comprar e que se enquadre nos critérios de admissibilidade aos créditos.

No caso do Alongamento de dívidas rurais, alguns requisitos são necessários, como comprovar a incapacidade de pagamento da dívida e apresentar uma proposta de pagamento dos débitos dentro da sua capacidade de pagamento, e isso pode envolver um período de vários anos, com as mesmas taxas dos contratos já existentes. O Alongamento possibilita reprogramar o calendário de pagamentos do produtor, evitando a incidência de juros moratórios que, consequentemente, ocasionariam um aumento da dívida. Assim, o produtor mantém sua capacidade produtiva e preserva seu patrimônio, que muitas vezes acaba sendo vendido para quitar suas dívidas.

O recomendado é que o produtor conte com a assistência especializada na matéria jurídica aplicada nesses casos de endividamento, e que não aceite as imposições geralmente apresentadas pelos agentes financeiros de crédito, que não se baseiam no ordenamento jurídico que, de fato, ampara os direitos do produtor de alimentos no Brasil. A apresentação de documentos, como laudos periciais e planilhas de fluxo de caixa, também é essencial para fundamentar o pedido e proteger os interesses do produtor. Nesse cenário de desafios, que avolumam o endividamento rural, o objetivo é garantir que os produtores tenham tempo para superar adversidades financeiras, sem comprometer sua capacidade produtiva, protegendo seu patrimônio.

Fonte: Por Cesar da Luz, especialista em Agronegócio e diretor-presidente do Agro10 Group.

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Celeiro do mundo, agro brasileiro precisa trazer a debate mais pautas sobre o clima

O futuro do planeta depende da nossa capacidade de agir agora, de forma decisiva e corajosa, para promover um agro mais verde, justo e sustentável. Não podemos esperar mais. O momento é agora e o Brasil deve estar na vanguarda dessa transformação.

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Foto: Shutterstock

De acordo com um relatório da BTG Pactual, o Brasil é o celeiro do planeta, produzindo alimentos suficientes para atender as demandas calóricas de 900 milhões de pessoas – o equivalente a 11% da população mundial – além de ser o maior exportador do mundo de soja, milho, café, açúcar, suco de laranja, carne bovina e carne de frango. Neste cenário, em que o agro brasileiro desempenha um papel crucial na segurança alimentar global, eventos que promovem o desenvolvimento do setor, tornam-se cada vez mais importantes e necessários.

Recentemente estive presente no Web Summit Rio 2024, um dos maiores evento de tecnologia, para além da possibilidade de conhecer startups incríveis e fazer conexões com pessoas extremamente qualificadas, tive a oportunidade de observar e avaliar um ponto de atenção para o agronegócio brasileiro: a carência de presença e comunicação robusta do setor no cenário internacional, principalmente em eventos de tecnologia. Precisamos comunicar nosso agro e trazer temas relevantes como o apelo pela agricultura regenerativa e mudanças climáticas!

Quando discutimos agricultura regenerativa, estamos indo além da contabilização de créditos de carbono. Embora o carbono possa ser um aspecto monetizável, os verdadeiros ganhos das práticas regenerativas transcendem a commoditização do carbono, oferecendo benefícios muito mais amplos e profundos para o solo, biodiversidade, e saúde econômica das comunidades rurais. Esse duplo benefício — econômico e ambiental — fortalecerá a posição do Brasil de ser líder global em soluções climáticas e agrícolas.

Além das possibilidades do mercado de carbono, o Brasil também tem um case interessante para compartilhar sobre como saímos de um dos principais importadores de alimentos para ocupar a posição de um dos principais exportadores do mundo. O agronegócio brasileiro precisa ir além da marcação de presença em feiras agrícolas, como a Agrishow, e elevar a voz nos palcos globais. Para além da partilha de conhecimentos sobre tecnologia, é crucial que os representantes do setor debatam sobre sustentabilidade e agricultura regenerativa.

Governos e instituições globais devem reconhecer a urgência de apoiar startups que endereçam soluções ao setor e produtores que querem realizar a transição para uma agricultura regenerativa. O Brasil já é o pioneiro na adoção de biológicos na produção, por que não ser líder em práticas de agricultura regenerativa e exemplo de inovação e responsabilidade ambiental?

Não há outro caminho a seguir se quisermos mitigar os efeitos devastadores do aquecimento global e garantir um futuro sustentável para as próximas gerações. É hora de liderar pelo exemplo, compartilhando nossos avanços e incentivando práticas regenerativas em todos os fóruns possíveis, influenciando políticas e inspirando ações globais.

O futuro do planeta depende da nossa capacidade de agir agora, de forma decisiva e corajosa, para promover um agro mais verde, justo e sustentável. Não podemos esperar mais. O momento é agora e o Brasil deve estar na vanguarda dessa transformação.

Fonte: Por Henrique Galvani, CEO e sócio-fundador da Arara Seed.
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Mercado de carbono: uma oportunidade de ouro para o agronegócio brasileiro

O produtor brasileiro, na média, já é mais sustentável que o de outras geografias. Plantio direto, por exemplo, é uma realidade. Uso de culturas de cobertura só cresce. Chegou a hora de dividir a conta de fazer essa transição no campo e de criar os incentivos para os guardiões da terra virarem também os guardiões da Terra.

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Foto: Gabriel Faria

Falar sobre “mercado de carbono” no contexto da agricultura é algo recente, mas que veio para ficar e já vem mudando, aos poucos, a forma como o setor opera.

Carbono vem de carona numa discussão mais ampla, sobre sustentabilidade. Sustentabilidade (com o risco de falar o óbvio) é suprir as necessidades humanas atuais garantindo que gerações futuras possam fazer o mesmo. É harmonizar desenvolvimento econômico e conservação ambiental.

Fotos: Divulgação/Arquivp OPR

Dentro da agenda de sustentabilidade, uma das principais discussões é como podemos diminuir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), protagonistas no aquecimento global. Essas discussões seguem há décadas, mas um marco foi a COP21, em Paris, onde países se comprometeram com reduções de emissões que levem a um aumento de temperatura global de no máximo 1.5°C em 2030 e net-zero até 2050. Empresas seguiram a tendência (e a pressão) de também divulgarem seus compromissos sustentáveis, cada vez mais comuns, ainda que variem muito em escopo, cronograma e granularidade.

E a agricultura nessa história?

Falando novamente do óbvio (aviso: isso vai acontecer algumas vezes nesse artigo), agricultura é uma das formas mais antigas e essenciais de como interagimos com a natureza e moldamos o planeta. Sua criação foi um ponto de inflexão no crescimento da população da nossa espécie, saindo de ~0,5M em 50.000 BC para os quase 8B em 2024.

Agricultura é como alimentamos e vestimos essa turma toda. Para dar uma noção de grandeza:

Quase metade (46%) da superfície terrestre habitável do planeta é usada para agricultura (incluindo criação de animais)
930M de pessoas trabalham em agricultura
94% da biomassa não-humana de mamíferos é de gado (~15x maior que animais silvestres)
Pela grandeza e contato direto com a natureza, é natural de se esperar que o setor tenha um impacto ambiental relevante

70% da água doce usada é usada para agricultura
20% – 25% de emissões de GEE vem da produção de alimentos. Agricultura é o quarto maior setor em emissões depois de eletricidade e aquecimento, transporte e indústria & construção.
Mas a agricultura tem um trunfo, algo que diferencia o setor e é uma alavanca poderosa na agenda de sustentabilidade. O setor pode ser um “capturador/removedor de carbono”. Fotossíntese é uma tecnologia natural para se capturar CO2 do ar. Dependendo de como o processo produtivo é gerenciado, o setor não só pode diminuir suas emissões atuais de GEE como pode sequestrar carbono no solo.

Nesse processo produtivo existem práticas que são mais sustentáveis/regenerativas que outras, e que ao longo do tempo promovem essa redução de emissões e sequestro. Você provavelmente já ouviu falar de plantio direto, rotação de culturas, culturas de cobertura, produtos biológicos, integração lavoura-pecuária. Esses são alguns exemplos.

Promissor, não? Muito, porém essas práticas não são adotadas de maneira generalizada. Por quê? Entra em cena um ator essencial: o produtor rural.

O produtor é o “empreendedor original”. Ele toma risco – de preço de insumos, de preço de commodities, climático, logístico, para citar alguns. Ele toma decisões regularmente que podem ser a diferença entre ter ou não margem positiva no final do ano. Além disso, são apaixonados pelo que fazem e a maioria não consegue se imaginar fazendo outra coisa. De certa forma, a relação do produtor com a terra simboliza a harmonia entre o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental que falamos há pouco. Ele precisa extrair valor da terra para viver no presente e ao mesmo tempo conservá-la para poder viver dela no futuro e passá-la para a próxima geração. Ele é o guardião da terra.

Mais um ponto óbvio: se práticas sustentáveis não forem adotas no nível da fazenda, os benefícios não são capturados. Logo, é o produtor quem decide adotar ou não essas práticas…na prática. Essa decisão não é óbvia. Adotar essas práticas requer tempo, esforço e investimento. E se a execução não sair como o planejado – e lembre-se que a operação é a céu aberto e pragas e doenças não ligam para o seu planejamento – a produtividade da lavoura pode cair. Perda de produtividade = perda de margem na veia. E como grande parte da produção é financiada, isso pode significar ficar inadimplente frente a credores, dificultando novos financiamentos.

Para quem está no campo, fica claro que a não adoção massiva de práticas regenerativas não acontece por falta de conhecimento ou interesse dos produtores. A grande maioria sabe dos benefícios, mas eles se veem no dilema de tomar um risco econômico mensurável no curto prazo para capturar benefícios menos mensuráveis no médio prazo. O retorno vai estar lá? Eu, arrendatário, vou continuar tocando essa área? Meu negócio vai sobreviver até lá na frente para eu capturar esses benefícios?

Então a pergunta certa é: como incentivar produtores a adotarem práticas sustentáveis de maneira generalizada, reduzindo emissões de GEE e sequestrando carbono em solo?

Se o interesse em combater as mudanças climáticas não é só do produtor, mecanismos devem ser usados para compartilhar o risco de transição com outros atores interessados. Programas do governo como o ABC+ e linhas de financiamento de bancos especificas para agricultura sustentável/regenerativa são iniciativas importantes e necessárias, mas que sozinhas não resolvem o problema.

Empresas e consumidores finais também precisam ser catalizadores de mudança. A boa notícia é que eles estão entrando em campo cada vez mais. Como falamos, o número de empresas definindo e publicando seus objetivos de redução de GEE só aumenta. Isso também é verdade para empresas do agronegócio, especificamente. E mais, outros setores progressivamente veem a agricultura como uma alavanca para compensarem suas emissões.

Compensação de emissões? Como funciona isso? Entra em cena o tal do mercado de carbono.

De forma (muito) simplicista, o mercado de carbono é um mercado onde empresas (e países) que reduzem suas emissões a mais que o esperado/desejado podem vender essa diferença para outros que emitiram acima. Cada crédito de carbono representa uma tonelada de CO2eq.

Há diferentes ambientes de mercado de carbono. Via de regra, quando falamos de agricultura, estamos falando do mercado voluntário. Para mais informações sobre o funcionamento e dinâmica desses diferentes ambientes, sugiro leitura do Relatório “Oportunidades para o Brasil em Mercados de Carbono”.

Empresas podem incentivar essa adoção de práticas sustentáveis no campo e uma transição em direção a uma agricultura mais regenerativa de duas formas.

Primeiro, elas podem comprar um crédito de carbono gerado por projetos em agricultura. Desenvolvedores desses projetos garantem que as práticas regenerativas foram adotadas e seus impactos em redução de emissões e sequestro de carbono em solo foram quantificados. Esses impactos geram créditos, que são comercializados. O preço é definido pela oferta e demanda por aquele tipo de crédito. Compradores podem ser de qualquer setor e vão usar esses créditos para compensar (offset) parte de suas emissões. Do valor do crédito, uma menor parte vai para o desenvolvedor do projeto e a maior para o produtor. Esse é um incentivo adicional para a adoção das práticas.

E segundo, elas podem pagar um prêmio diretamente a produtores que produzem grãos (por exemplo) “de baixo carbono” ou “sustentáveis” – produzidos usando práticas regenerativas onde, de novo, o impacto foi quantificado. Compradores definem o valor desse prêmio – um adicional ao preço do grão “comum”. Compradores vão processar esses grãos, logo são empresas que participam da cadeia. Essas empresas podem usar as reduções de emissões quantificadas e abatê-las de seu inventário de emissões de escopo 3 (para entender o que entra em cada escopo. Aqui, o prêmio é o incentivo e não existe a emissão do crédito. Então tecnicamente não estamos falando do mercado de créditos de carbono ainda que o incentivo para a transição exista.

Essas práticas – culturas de cobertura, integração lavoura-pecuária, etc. – não são novas. Por que esses créditos e prêmios já não geram receita adicional para os produtores há muito tempo? Dois principais desafios:

Primeiro, quantificar os impactos benéficos dessas práticas não é trivial. Medir o aumento ou diminuição de moléculas no campo, a céu aberto, onde temos interação de clima, solo, planta, microrganismos, pragas, doenças, fertilizantes, defensivos e todos os tratos culturais é complexo. E mais, essa quantificação tem que ser precisa o bastante para atender os requisitos de protocolos reconhecidos e verificadoras, e (e esse é um grande “e”) precisa ser economicamente viável para o criador do programa querer fazê-lo. Esse é um balanço sensível e complexo de ser alcançado.

E segundo, conectar produtores com atores que tenham interesse em sustentabilidade de uma maneira confiável e rastreável também é desafiador. Nossa cadeia é fragmentada e tem inúmeros atores, o que deixa o link entre o que é colhido no campo e o produto final pouco claro. Esse link é essencial para que os incentivos fluam corretamente e é um desafio executá-lo na escala gigantesca e no dinamismo da produção e comercialização agrícola.

Antes de desanimarem, a boa notícia: novas tecnologias já resolvem esses problemas.

Para atacar o problema de quantificação, com um mix de modelos biogeoquímicos, machine learning e análise de ciclo de vida conseguimos quantificar com confiança (i.e. sabendo o grau de incerteza) esses impactos. Esses modelos são comparados com experimentos e amostragens de solo para garantir aderência, mas (e esse é o pulo do gato) não dependem deles extensivamente.

Para o problema de rastreabilidade, com imagens de satélite, otimização, machine learning e plataformas digitais, empresas conseguem ter visibilidade sobre áreas que produziram os grãos que convergem para os seus armazéns (ou armazéns de intermediários de quem eles compram). Elas podem, então, estimar sua pegada de maneira contínua e ágil, tomando melhores decisões de originação.

Apesar da alta sofisticação dessas tecnologias, elas não são uma promessa. Elas já são realidade hoje.

Um exemplo é o Carbon da Indigo Ag, nos EUA. A empresa desenvolve tecnologias para agricultura sustentável e um dos carros-chefes é esse programa de créditos de carbono em agricultura, verificados pelo Climate Action Reserve (CAR), umas das principais verificadoras internacionais. Desde a sua criação esse programa tem a maior emissão acumulada de créditos verificados em agricultura do mundo, tendo mitigado ou sequestrado, em 3 safras, ~300.000 tons de CO2eq e gerado ~$12M em receita adicional para produtores.

Colocando tudo junto: práticas sustentáveis reduzem emissões e capturam carbono no solo. Produtores adotam essas práticas incentivados pelos benefícios para o solo, pelo orgulho de contribuírem (mais) com o planeta, mas também pela receita adicional. Essa receita adicional vem de duas formas, pelo crédito ou prêmio pagos. Quem paga são atores da cadeia ou empresas de outros setores com uma agenda de sustentabilidade e que querem dividir o risco da transição. Agricultura sustentável é uma alavanca poderosíssima para atacarmos o aquecimento global. Isso já é realidade.

No Brasil, especificamente, essas tecnologias ainda estão dando os primeiros passos, mas a oportunidade é enorme. O produtor brasileiro, na média, já é mais sustentável que o de outras geografias. Plantio direto, por exemplo, é uma realidade. Uso de culturas de cobertura só cresce. Chegou a hora de dividir a conta de fazer essa transição no campo e de criar os incentivos para os guardiões da terra virarem também os guardiões da Terra.

Fonte: Por Filipe Dutra Nunes, diretor de Business Development Latam da Indigo Ag.
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Reputação no agronegócio internacional: é possível mensurar o intangível?

De modo a responder à pergunta proposta no título deste artigo: Sim, é possível mensurar questões intangíveis da reputação do comércio agroindustrial. No entanto, é necessário ter cautela e, principalmente, rigor metodológico para incorporar questões tão complexas como essas.

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Foto: Divulgação/Arquivo OPR

A percepção dos clientes sobre um produto, marca ou empresa é tradicionalmente uma linha de pesquisa nas áreas de Administração e Marketing. A análise acerca da imagem e da reputação de uma empresa ou instituição envolve elementos complexos. Os primeiros conceitos sobre reputação na literatura acadêmica destacam a questão da intangibilidade, tratando-a como um ativo intangível pertencente a empresa.

Desde essas primeiras conceituações, o cenário global mudou significativamente. A globalização, a internet e a popularização das mídias sociais adicionaram novos elementos às concepções de imagem e reputação. A partir de um simples clique, uma notícia pode ser difundida e replicada inúmeras vezes na rede, com impactos que podem reverberar instantaneamente nos negócios. Em paralelo, a ciência avançou em múltiplos aspectos, ocorrendo o aprimoramento de técnicas e evolução de metodologias. Atualmente, é possível aproximar-se da percepção simbólica da reputação de maneira concreta e mensurável.

Sob esse aspecto, a imagem e a reputação têm assumido uma importância crescente nas atividades do agronegócio brasileiro. A integração de elementos ambientais na produção agropecuária se consolidou como um debate necessário e indispensável. A adoção de agendas ASG (Ambiental, Social e Governança) é uma realidade cada vez mais presente no setor. Nesse contexto, a implementação de práticas sustentáveis na produção agroindustrial pode auxiliar no acesso a mercados internacionais, no fornecimento de uma resposta às demandas de consumidores, além de atrair investimentos responsáveis e antecipar-se à pressão regulatória para produção ambientalmente sustentável.

No que tange aos aspectos de sinalização, os índices ambientais¸ antes estabelecidos prioritariamente no âmbito institucional, em universidades e centros de pesquisas renomados, passaram a incorporar discussões e debates presentes nas mídias sociais, refletindo mudanças comportamentais da sociedade. Essa tendência destaca a importância de aprimorar continuamente as ferramentas de mensuração, considerando tanto a reputação captada por indicadores consagrados quanto a percepção de stakeholders. Com a introdução de novos elementos aos indicadores, é relevante para o agronegócio brasileiro a incorporação tendências de sustentabilidade, mas também é importante sinalizar a adoção de tais padrões para manutenção de uma imagem ambiental positiva. Além de ser sustentável, é preciso parecer sustentável.

De modo a responder à pergunta proposta no título deste artigo: Sim, é possível mensurar questões intangíveis da reputação do comércio agroindustrial. No entanto, é necessário ter cautela e, principalmente, rigor metodológico para incorporar questões tão complexas como essas. Novos avanços nas metodologias, como pesquisas recentes realizadas no âmbito do Cepea e da Esalq/USP, utilizam ferramentas de inteligência artificial para construir indicadores e conferir precisão à imagem ambiental capturada a partir das redes sociais. Ademais, os referidos indicadores incorporam preferências de importadores na construção do indicador de reputação ambiental do agronegócio brasileiro.

Em suma, os fenômenos atuais estão cada vez mais complexos, e, por isso, torna-se imprescindível transitar entre diversas áreas do conhecimento para se aproximar e compreender os problemas contemporâneos. Em um contexto em que a abundância de informação é uma constante, reforça-se a necessidade de uma metodologia adequada, que seja capaz de capturar, compreender e explicar fenômenos da realidade. Ademais, a metodologia deve ser pautada na imparcialidade dos critérios científicos, evitando que a análise seja direcionada a partir das preferências do pesquisador. A ciência deve ser imparcial, e os métodos devem refletir esse princípio, garantindo a objetividade e a confiabilidade dos resultados obtidos.

Fonte: Por Milena Magalhães Oliveira, pesquisadora do Cepea.
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