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Desperdício de grãos
Parte da responsabilidade pelas perdas situa-se nos elos iniciais da cadeia, envolvendo produção, armazenamento, transporte e processamento dos produtos agrícolas. O valor estimado para perdas nessa etapa é de 15%.

A população mundial continuará crescendo por, no mínimo, mais 40 anos; já a renda per capita vai continuar aumentando por longo tempo. Os dois fatores, atuando de forma conjugada, são os principais responsáveis pelo incremento na demanda de alimentos no mundo. De outra parte, a oferta depende, primordialmente, da disponibilidade de área adicional, que já é restrita; e da produtividade, que depende de inovações tecnológicas e de sua adoção, mas ambos os fatores serão negativamente afetados pelas mudanças climáticas em curso.
Estimativas da FAO apontam para a necessidade de aumentar a produção de alimentos em 50%, a fim de atender a demanda mundial em 2050. Nesse contexto, toda a contribuição para atender o consumo global passa a ser importante. E uma delas é a redução do desperdício de alimentos para os valores mínimos, que sejam tecnicamente possíveis. Um estudo realizado pelo Instituto de Engenharia Mecânica do Reino Unido apontou que cerca de 30-50% do total de alimentos produzidos no mundo pode ser perdido ao longo da cadeia, entre as lavouras e os estômagos humanos. Esses números se tornam ainda mais inaceitáveis quando a FAO nos informa que, em 2021, cerca de 828 milhões de pessoas no mundo foram atingidas pela fome.
Parte da responsabilidade pelas perdas situa-se nos elos iniciais da cadeia, envolvendo produção, armazenamento, transporte e processamento dos produtos agrícolas. O valor estimado para perdas nessa etapa é de 15%. Entre 2000 e 2020, a produção global dos cinco principais grãos (arroz, trigo, milho, soja e cevada) cresceu 50%, sendo o Brasil o principal responsável, com um incremento de 109% na produção, de acordo com a Conab. Como o referencial de perdas é um valor percentual, conforme aumenta a produção agrícola, as perdas crescem na mesma proporção.
Técnicos da Conab debruçaram-se sobre o tema da perda de grãos na etapa inicial das cadeias dos cinco principais grãos, obtendo os resultados apresentados a seguir.
Perdas globais
A produção mundial somada de arroz, cevada, milho, soja e trigo, em 2020, foi de 3,05 Gt. Com base nesse número, os autores projetaram uma perda de 458,1 Mt, o que equivale a duas vezes a produção brasileira. Considerando as cotações médias de mercado de março de 2022, para cada produto, as perdas ascenderam a US$176,1 bilhões. Esse valor é superior à soma do PIB de mais da metade dos países da América Latina e Caribe.
Em termos de conteúdo calórico, as perdas de grãos atingem 1.600 trilhões de kcal, o que permitiria atender a demanda energética de 120% da população mundial afetada por deficiência nutricional, de acordo com a estimativa da FAO.
Perdas no Brasil
Em 2020, a Conab estima a produção brasileira dos cinco principais grãos em 244,8 milhões de toneladas. Utilizando-se o mesmo índice acima (15%), o montante de perdas é estimado em 36,7 Mt. De acordo com a cotação dos produtos em 21-25/03/2022, a estimativa dos técnicos da Conab é de perdas equivalentes a R$84,8 bilhões. Em termos de energia contida nos alimentos, o valor ascende a 139,3 trilhões de kcal, o que atenderia a demanda energética de oito vezes a população considerada nutricionalmente vulnerável no Brasil.
Outro cálculo efetuado pelos técnicos da Conab foi a conversão do valor das perdas (R$84,8 bilhões) em cestas básicas, o que permitiria adquirir 134,8 milhões delas. Sendo essas dimensionadas para suprir a necessidade de um trabalhador adulto, durante 30 dias, seria possível alimentar 11,2 milhões de pessoas por ano, ou quase 60% dos brasileiros que enfrentaram a fome no ano de 2020, conforme estimativas do Governo Federal.
Os números acima convidam para uma reflexão de produtores, agrônomos, lideranças setoriais, formuladores de políticas públicas, autoridades governamentais, e de todos os brasileiros. O foco deve ser a redução da maior quantidade possível de perdas de alimentos, no menor prazo de tempo possível, para fazer frente à demanda de alimentos do mundo, de forma cada vez mais sustentável

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Adaptação climática redefine estratégias do agronegócio brasileiro
Setor avança em tecnologias, gestão e políticas para reduzir riscos e garantir produção em um cenário de clima cada vez mais instável.

O agronegócio brasileiro convive com um paradoxo evidente quando o assunto é mudanças climáticas. O setor responde por parcela significativa das emissões, ao mesmo tempo em que está entre os mais expostos ao avanço da temperatura, aos períodos prolongados de ondas de calor e à instabilidade do regime de chuvas. Esse conjunto de pressões biofísicas transforma a adaptação em pauta importante nas negociações do ramo. As discussões sobre riscos climáticos já não comunicam mais apenas tragédias do horizonte. Atualmente elas se fazem presente no cotidiano de produtores e fazem com que estes e as cooperativas, setor público e instituições financeiras precisem tomar decisões hoje para evitar perdas amanhã.

Artigo escrito por Milena Magalhães Oliveira, pesquisadora da Cepea.
Essa mudança de postura tem feito o agronegócio ocupar lugar de destaque na formulação de ações de adaptação. Produtores expandem o uso de sistemas integrados de produção, rotação de culturas, adotam cultivares mais tolerantes ao calor e ajustam calendários agrícolas de plantio com base em informações climáticas. A digitalização avança com sensores, monitoramento em tempo quase real e ferramentas que orientam o manejo da água, tornando a irrigação inteligente. Do lado do governo, programas de crédito rural e seguros agrícolas incorporam exigências ambientais e critérios técnicos alinhados à resiliência climática. Essas estratégias aproximam as políticas públicas das necessidades dos produtores no campo e priorizam investimentos que mitigam os riscos e vulnerabilidade climática, e, consequentemente, produtiva.
O setor privado tem se movimentado com rapidez. Grandes empresas do agronegócio já entendem que seguir padrões ambientais consistentes é uma questão de continuidade operacional, acesso a mercados e manutenção de reputação. As negociações multilaterais traçam um tortuoso e árduo mapa do caminho para salvar o planeta e metas globais ambiciosas permanecem distantes, ao passo que cadeias produtivas já direcionam recursos para inovação focada na adaptação, biotecnologia, manejo sustentável e redução de riscos climáticos.
Nesse caminho, empresas líderes funcionam como sinalizadoras. Elas orientam fornecedores, organizam programas de conformidade, estabelecem metas próprias de redução de emissões e estimulam o uso de tecnologias que reduzem perdas e ampliam a segurança da produção. Esse movimento gera referências para o restante do setor e reforça a ideia de que adaptação não é apenas resposta a eventos climáticos extremos. É uma estratégia de permanência econômica em um ambiente climático que já mudou e seguirá pressionando para um novo (e sustentável) formato de produção no campo.
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Produção On Farm avança com marco legal e puxa nova onda de inovação no agro
Biofábricas nas propriedades, gestão digital e conectividade aceleram o uso de biológicos, reduzindo gastos e fortalecendo a agricultura regenerativa.

O agronegócio brasileiro vive um momento de forte crescimento, conforme apontam dados do Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o setor registrou alta de 6,49% no primeiro trimestre de 2025. O investimento no segmento também segue em expansão, alcançando R$ 608 bilhões, segundo o Boletim de Finanças do Agro, divulgado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Nesse cenário positivo, o modelo On Farm vem ganhando protagonismo por sua capacidade de gerar impacto econômico, ambiental e tecnológico. Com a aprovação do Projeto de Lei PL 658/2021 na Câmara dos Deputados, o chamado Marco Civil do Setor de Bioinsumos, a produção On Farm, passa a contar com regras claras e estruturadas. Essa regulamentação define parâmetros para a multiplicação de microrganismos diretamente nas propriedades rurais, garantindo aos agricultores o acesso a produtos de qualidade, fiscalizados e seguros para o consumidor.
Vantagens do modelo On Farm

Artigo escrito por Laerte Nogueira, Squad Leader da Everymind; e Bruno Arroyo, gerente de Marketing Estratégico da Agrobiológica.
Além da segurança jurídica, que protege o produtor e exige um cadastro simples dos biológicos multiplicados On Farm (quando para uso próprio), o modelo traz impactos diretos na agilidade do manejo. Com as biofábricas instaladas nas propriedades, o próprio produtor, com apoio de um time técnico, ganha autonomia para produzir seus biodefensivos e bioestimulantes, reduzindo custos logísticos, por exemplo.
Outro ponto importante é o avanço na qualidade dos prestadores de serviço e das empresas do segmento. A nova legislação permite que os bioinsumos sejam tratados conforme suas características, sem passar pelos mesmos trâmites burocráticos dos produtos químicos. Isso oferece ganhos significativos em registro e disponibilização de novas ferramentas biológicas no mercado.
Com a segurança jurídica estabelecida, o setor tende a atrair ainda mais investidores, impulsionando a inovação em biotecnologia e acelerando o desenvolvimento do modelo. Além disso, com a agricultura de precisão cada vez mais presente e a busca constante por produtividade, o On Farm se consolida como um grande aliado do produtor rural.
Tecnologia apoia avanço do On Farm
Nos últimos anos, a evolução tecnológica das empresas que atuam com o modelo On Farm aproximou essa produção, antes artesanal, de um padrão industrial. Produtos e processos avançam significativamente. Um exemplo são os meios de cultura para fungos, que hoje apresentam alto grau de eficiência e estabilidade.
A tecnologia está presente em todas as fases do processo, desde a biotecnologia aplicada aos meios de cultura e aos biorreatores, até a gestão completa da produção. Essa integração permite ao produtor ser mais preciso e ágil na proteção de suas lavouras contra pragas, doenças ou impactos climáticos, realizando a produção em larga escala dentro da própria fazenda.

Foto: Shutterstock
O avanço da conectividade rural também tem papel essencial nesse cenário, uma vez que a expansão das redes 4G e 5G e o uso de conexões via satélite possibilitam a coleta de dados em tempo real das biofábricas, favorecendo análises rápidas, maior controle de produção e agilidade nos processos de cadastro e fiscalização.
Além dos biorreatores cada vez mais tecnológicos, os softwares de gestão têm contribuído para otimizar a operação, tendo em vista que essas ferramentas permitem que fornecedores de meios de cultura, que são a matéria-prima para o On Farm, administrem contratos de comodato dos biorreatores, antecipem pedidos e renovem contratos com mais eficiência, integrando o campo à gestão digital.
Redução de custos
A redução de custos é um dos principais atrativos do modelo On Farm, pois o produtor precisa adquirir apenas uma pequena quantidade de inóculo para multiplicar os biológicos na própria fazenda, alcançando rendimentos até sete vezes maiores em volume. Isso reduz gastos em toda a cadeia, desde embalagens e fretes até revendas intermediárias.
Aumento da eficiência
A eficiência operacional também é ampliada, a multiplicação dos biológicos próxima à lavoura permite aplicações mais rápidas e eficazes no combate a pragas, doenças e na correção de deficiências do solo. Em algumas situações, a economia pode variar entre 45% e 60%, com respostas agronômicas altamente positivas. O uso de microrganismos benéficos tem se mostrado eficiente no manejo do solo, reduzindo a pressão de patógenos e pragas.
Impacto ambiental e desafios
O uso de insumos biológicos já é, por si só, uma prática sustentável, pois promove uma proteção natural e regenerativa das lavouras, além de contribuir para a saúde do solo. Com o Marco Legal dos Bioinsumos (Lei nº 15.070), o modelo On Farm facilita a expansão dessa prática, permitindo a produção em escala e o uso mais amplo dos biológicos.
Ao substituir manejos químicos, o produtor reduz custos e amplia o uso dos bioinsumos em frentes como o manejo do solo e controle de nematoides, além de melhorar o aproveitamento de nutrientes. Essas ações contribuem diretamente para o avanço da agricultura regenerativa no país.
No entanto, o principal desafio enfrentado pelo modelo é a formação e qualificação de equipes técnicas para operar as biofábricas com segurança e eficiência. Outro ponto crítico é a fiscalização sobre o uso e a eventual comercialização indevida dos biológicos multiplicados para uso próprio.
Por outro lado, com regulamentação sólida, suporte tecnológico e investimentos crescentes, o setor tem diante de si uma oportunidade única de unir produtividade, sustentabilidade e inovação, elementos essenciais para o futuro da agricultura nacional.
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Antimicrobianos na agropecuária: por que o futuro da produção animal depende de bem-estar e sustentabilidade
Debate ganha força com a pressão global por modelos pecuários de baixa emissão, transparência no uso de medicamentos e integração entre sanidade, clima e bem-estar nos sistemas de produção.

O debate sobre antimicrobianos na agropecuária se conecta de forma cada vez mais nítida à agenda ambiental e climática. Sistemas produtivos que dependem fortemente de insumos químicos e medicamentos tendem a ser mais vulneráveis, menos eficientes e mais poluentes. As discussões da COP30, encerrada em 22 de novembro, ofereceram uma oportunidade renovada de trazer o tema para o centro da agenda climática e trouxeram ênfase na defesa por transições justas e inclusivas, que levem a uma só saúde, considerando novas promessas de financiamento e propostas de mecanismos globais para restaurar terras degradadas.
Segundo alerta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) os sistemas agroalimentares continuam recebendo apenas uma fração do financiamento climático necessário. No Brasil, o setor pecuário enfrenta pressão crescente para adotar modelos de baixa emissão, como pecuária regenerativa, maior eficiência alimentar e melhor monitoramento ambiental, além de avançar em sistemas agroflorestais e práticas que integrem saúde animal e adaptação climática.

Elisa Tjarnstrom, diretora-executiva da COBEA – Foto: Divulgação/COBEA
Falar sobre sustentabilidade na pecuária é também falar sobre sanidade, bem-estar e uso responsável de antimicrobianos. A transição para sistemas mais saudáveis, baseados em prevenção e não em correção, está diretamente ligada à capacidade de adaptação da agropecuária às mudanças climáticas. A Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana também se encerrou recentemente, em 24 de novembro, e agora temos uma oportunidade de juntar as duas agendas para facilitar os avanços necessários na agropecuária brasileira.
O uso de antimicrobianos na produção animal tem se tornado um dos temas mais sensíveis e estratégicos da agropecuária moderna. O que antes era visto como ferramenta essencial para garantir produtividade e prevenir doenças, hoje é questionado por seus impactos na saúde pública, no meio ambiente, na imagem e até mesmo na resiliência do setor quando se pensa em resistência aos antimicrobianos. No Brasil, embora o tema tenha ganhado força nas políticas públicas e nas discussões setoriais, ainda há desafios importantes a serem superados para reduzir o uso excessivo e avançar na transparência dos dados.
A produção intensiva de suínos, aves e bovinos geralmente envolve alta densidade de animais e forte pressão sanitária, o que historicamente levou ao uso preventivo de antimicrobianos e, em alguns casos, ao emprego desses produtos como promotores de crescimento. Apesar dos avanços, muitas empresas ainda mantêm práticas profiláticas e poucas adotam planos de redução gradual. Paralelamente, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) vem ampliando o monitoramento e incentivando o uso racional, por meio de diretrizes e de sistemas como o AgroMonitora, que consolida dados nacionais sobre a comercialização de antimicrobianos veterinários.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) recomendam que antimicrobianos de importância crítica para a medicina humana não sejam usados em animais saudáveis. Países da União Europeia proibiram o uso como promotor de crescimento desde 2006, e o mercado internacional vem impondo restrições cada vez maiores. No Brasil, programas de exportação e grandes redes varejistas começam a exigir comprovação de práticas mais responsáveis. É um movimento que alia ciência, segurança e reputação.
Uma resposta promissora para essas questões vem de uma fonte muitas vezes subestimada – o bem-estar animal. A relação entre antimicrobianos e bem-estar é direta como animais criados em ambientes confortáveis, ventilados, com espaço adequado, enriquecimento ambiental, nutrição balanceada e manejo cuidadoso e que adoecem menos. Modelos produtivos com melhor bem-estar conseguem reduzir a dependência de insumos químicos e antimicrobianos, preservam os recursos naturais e se tornam mais resilientes, éticos e competitivos.
Por isso, promover o bem-estar animal não é apenas uma questão ética, mas também uma estratégia sanitária e econômica. A combinação de práticas de BEA, monitoramento comportamental e de saúde, biosseguridade adequada e protocolos eficazes de limpeza e desinfecção é complementar e essencial para reduzir o uso de antimicrobianos. Isso é especialmente relevante porque resíduos de antimicrobianos podem contaminar solos e corpos d’água, favorecendo o surgimento de bactérias multirresistentes – um dos maiores riscos à saúde global.
Para o Brasil, esse é um momento estratégico. Somos um dos maiores produtores e exportadores de proteína animal do mundo e, portanto, temos peso e responsabilidade na definição de padrões sustentáveis globais. Investir em bem-estar animal, biosseguridade e inovação para reduzir o uso de antimicrobianos não é apenas uma questão de conformidade regulatória, é uma aposta em reputação, acesso a mercados estratégicos e segurança alimentar de longo prazo.
O futuro da produção animal será medido não apenas pela quantidade que produzimos, mas pela forma como produzimos. Sistemas que colocam o bem-estar no centro e reduzem a dependência de antimicrobianos são mais alinhados às demandas do século 21: transparência, saúde, clima e ética. A COP30 pode e deve ser um ponto de virada nessa narrativa, consolidando o Brasil como líder na construção de uma agropecuária verdadeiramente sustentável – capaz de alimentar o mundo sem comprometer o futuro. Além disso, chegou a hora de o setor de proteína animal se unir para trabalhar de forma mais focada e estratégica a fim de acelerar os avanços em BEA, um propósito que levou à criação da Colaboração Brasileira de Bem-Estar Animal (COBEA) em 2024.



