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Análise da eficiência e eficácia das políticas públicas para a agropecuária e seus efeitos práticos: oportunidades de ajustar a política agrícola do crédito rural às práticas sustentáveis

Devemos ficar atentos a novas oportunidades de sugerir melhorias não apenas no crédito, mas em outros instrumentos de política agrícola que impulsionem as práticas agropecuárias sustentáveis e promovam as políticas climáticas e ambientais no âmbito rural.

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Fotos: Shutterstock

A necessidade de aprimoramento contínuo das políticas públicas voltadas à agropecuária nacional a serem consubstanciadas no Plano Agrícola e Pecuário leva os setores do agronegócio brasileiro a refletir sobre a eficiência e efetividade da política agrícola, principalmente nas questões voltadas a sustentabilidade.

Buscamos para tanto, oferecer uma visão geral das questões envolvendo a produção agrícola sustentável e das políticas públicas em vigor voltadas ao propósito de estimular a adoção de medidas que se coadunem aos objetivos do Governo Federal. Em seguida, elencamos sugestões de medidas, as quais se acredita que podem colaborar para aperfeiçoar o rol das políticas de desenvolvimento agrícola sustentável no País.

As necessidades e transformações da sociedade determinaram novos desafios para e o setor agrícola, que podem ser vistas na evolução dos objetivos de cada Plano Agrícola e Pecuário (Plano Safra) ao longo dos anos. As práticas de agropecuária sustentáveis definidas no Plano da Agricultura de Baixo Carbono – Plano ABC foram se materializando nos Planos Safra por meio da linha do Programa ABC.

No lançamento do primeiro Plano Safra do atual governo (2023/2024), ficou explícito o foco na geração de energia limpa e alternativa; reflorestamento e manutenção da vegetação nativa; bioinsumos e tratamento de dejetos e resíduos, parte delas Sistemas e Práticas Sustentáveis (SPSs) reconhecidas pelo plano ABC+. As linhas citadas como dedicadas a esse apoio são o RenovAgro, Inovagro, Proirriga, Moderfrota e Moderagro.

As mudanças significativas percebidas no Plano Safra voltadas as práticas sustentáveis foram:

  • Mudança da nomenclatura Programa ABC, passando a se chamar Renovagro;
  • Taxas de juros diferenciadas de 7% a.a. e 8,5% a.a. para projetos da linha do Renovagro;
  • Limites de até R$ 5 milhões por beneficiário e carência de até 8 anos;
  • Descontos de 0,5 p.p. na taxa de juros para produtores com Cadastro Ambiental Rural categorizado e aplicação de práticas sustentáveis, podendo juntos, somar 1,0 p.p.
  • Inclusão de corretivos e remineralizadores na linha do Moderagro;

Dessa forma, para o Plano Safra, a linha de crédito do RenovAgro apresenta os seguintes principais itens financiáveis:

  • Recuperação/Conversão – recuperação de pastagens degradadas
  • Orgânico – implantação e melhoramento de sistemas orgânicos de produção agropecuária
  • Plantio Direto – implantação e melhoramento de sistemas de plantio direto “na palha”
  • Integração – implantação e melhoramento de sistemas de integração lavoura-pecuária, lavoura-floresta, pecuária-floresta ou lavoura-pecuária-floresta e de sistemas agroflorestais
  • Florestas – implantação, manutenção e melhoramento do manejo de florestas comerciais, inclusive aquelas destinadas ao uso industrial ou à produção de carvão vegetal;
  • Ambiental – adequação ou regularização das propriedades rurais frente à legislação ambiental, inclusive recuperação da reserva legal, áreas de preservação permanente, recuperação de áreas degradadas e implantação e melhoramento de planos de manejo florestal sustentável
  • Manejo de Resíduos – implantação, melhoramento e manutenção de sistemas de manejo de resíduos oriundos da produção animal para a geração de energia e compostagem.
  • Dendê – implantação, melhoramento e manutenção de florestas de dendezeiro, prioritariamente em áreas produtivas degradadas
  • Bioinsumos – estímulo ao uso da fixação biológica do nitrogênio, de microorganismos promotores do crescimento de plantas e dos multifuncionais, bem como à produção para uso próprio, nas propriedades rurais, de bioinsumos e biofertilizantes, incluindo a implantação ou a ampliação de unidades de produção
  • Manejo dos Solos – adoção de práticas conservacionistas de uso, manejo e proteção dos recursos naturais, incluindo correção da acidez e da fertilidade do solo.

Todos esses itens devem estar vinculados a projeto técnico que ateste o enquadramento do crédito aos objetivos e às finalidades da linha, quais sejam:

  • Elaboração de projeto técnico e georreferenciamento das propriedades rurais, inclusive das despesas técnicas e administrativas relacionadas ao processo de regularização ambiental;
  • Realocação de estradas internas das propriedades rurais para fins de adequação ambiental;
  • Aquisição de insumos e pagamento de serviços destinados a implantação e manutenção dos projetos financiados;
  • Pagamento de serviços destinados à conversão da produção orgânica e sua certificação;
  • Aquisição, transporte, aplicação e incorporação de corretivos agrícolas (calcário e outros) e de remineralizadores com registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA);
  • Marcação e construção de terraços e implantação de práticas conservacionistas do solo;
  • Adubação verde e plantio de cultura de cobertura do solo;
  • Aquisição de sementes e mudas para formação de pastagens e de florestas;
  • Implantação de viveiros de mudas florestais, e de açaí, cacau, oliveira, nogueira e dendê;
  • Operações de destoca;
  • Implantação e recuperação de cercas, aquisição de energizadores de cerca, aquisição, construção ou reformas de bebedouros e de saleiro ou cochos de sal;

    Foto: Gilson Abreu

  • Aquisição de bovinos, bubalinos, ovinos e caprinos, para reprodução, e sêmen, óvulos e embriões dessas espécies, limitada a 40% do valor financiado; (Ex: valor total dos itens de investimento = R$ 100.000,00: R$ 60.000,00 para reforma de pastagem);
  • Aquisição de máquinas, implementos e equipamentos de fabricação nacional, inclusive para a implantação de sistema de irrigação, para a agricultura e pecuária, biodigestores, máquinas e equipamentos para a realização da compostagem e para produção e armazenamento de energia, limitados a 40% do valor financiado, com exceção da finalidade inerente à implantação, melhoramento e manutenção de sistemas de tratamento de dejetos e resíduos oriundos da produção animal para geração de energia e compostagem (ABC Tratamento de Dejetos), cujo limite de financiamento pode ser de até 100% do valor do projeto a ser financiado;
  • Construção e modernização de benfeitorias e de instalações, na propriedade rural;
  • Despesas relacionadas ao uso de mão-de-obra própria, desde que compatíveis com estruturas de custos de produção, referentes a projetos estruturados e assistidos tecnicamente e que o serviço objeto de financiamento seja realizado de acordo com o projeto;
  • Aquisição de Cota de Reserva Ambiental, devendo ser discriminado o imóvel rural para o qual será utilizada;
  • Implantação, melhoramento e manutenção de plantações de açaí, cacau, oliveira e nogueira; e implantação, melhoramento e manutenção de sistemas para geração de energia renovável, para consumo próprio.

Parâmetros e indicadores do desenvolvimento sustentável

O setor agropecuário responde por 27% das emissões brutas do país, mas quando conectada a pressão pelo desmatamento, a produção de alimentos no Brasil concentra quase 74% (73,7%) das emissões de gases de efeito-estufa do país. Desse total, a maior parte (78%) é gerada pela cadeia da carne bovina, considerando o resultado da fermentação entérica dos animais e a emissão de metano (CH4), 21 vezes mais impactante nas mudanças climáticas que o gás carbônico (CO2).

Fonte: MCTI – Estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. 6ª Edição, Brasília 2022. 

Portanto, um Plano Safra que considere prioritariamente o desenvolvimento da agropecuária com sustentabilidade deve considerar as metas definidas para o setor agropecuário na redução de emissões. O compromisso nacional determinado do Brasil com a redução de emissões está em revisão, mas já conta com um plano setorial em implementação para o setor agropecuário, o Plano ABC+. As metas do plano ABC+ são de redução de 1.076 Gig T de CO2 eq em 2030 pela agropecuária, considerando a adoção de práticas e sistemas sustentáveis.

Foto: Divulgação/Freepik

Especialistas compreendem que o maior potencial para ampliação da adoção das tecnologias sustentáveis já definidas pelo Plano ABC+ estão na capacitação de técnicos e extensionistas e na transferência de tecnologia para o agricultor para a plena implementação dos Sistemas e Práticas Sustentáveis (SPS).

Entretanto, outros instrumentos são também importantes e complementares a estas estratégias de ampliação da adoção de tecnologias sustentáveis. Entre elas estão as políticas de crédito rural, como no caso do Plano Safra, instrumentos de monetização de ativos ambientais como o Mercado de Carbono e o Pagamento por Serviços Ambientais e Ecossistêmicos (PSA), além é claro de modelos tributários diferenciados.

As metas do Plano ABC+ são apresentadas em dois formatos: o primeiro com uma estimativa de área, animais ou volume a ser atendido em cada SPS; o segundo na representação de seu impacto em CO2 equivalente. Essa relação é proveniente de uma estimativa sobre o potencial de cada prática sustentável devidamente implementada, relacionada a sua área e os efeitos esperados na mitigação de emissão de GEEs.

O Monitoramento, Reporte e Verificação (MRV) cujo principal objetivo é o gerenciamento de resultados e impactos das ações de resposta às mudanças do clima é fundamental, nesse momento, para aferir a performance da agricultura em função de seus efeitos ambientais.

Os inventários nacionais e os relatórios de acompanhamento das emissões feitos pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação – MCTI, por meio do sistema de registro nacional de emissões – SIRENE, são frequentemente analisados para avaliar a performance de cada segmento monitorado.

Foto: Divulgação/Arquivo OPR

Em 2022, as emissões do setor agropecuário foram novamente as mais altas da série histórica, superando o recorde do ano anterior: 617,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente, um aumento de 3,2% em relação a 2021 (598,3 milhões de toneladas). É o segundo maior incremento percentual desde 2004 (quando o aumento foi de 4,1%) e representa emissões maiores que as da África do Sul.

Na agricultura, as emissões se mantiveram estáveis em 2022, de 121,6 milhões para 121,2 milhões de toneladas (queda de 0,3% em relação a 2021). A maior fonte emissora nesse subsetor são os fertilizantes sintéticos nitrogenados, com 37,3 Mt CO2 eq. A queda de 5% no uso desses insumos em 2022 foi a principal responsável pela oscilação das emissões da agricultura. Em compensação, no mesmo ano, ocorreu um maior consumo de calcário agrícola – elevação de 4,2%.

A calagem contribuiu com 27,1 Mt CO2 eq e foi a quarta maior fonte de emissões da agropecuária e a segunda da agricultura. Os solos manejados, que compõem a maior parte das emissões diretas da agricultura, responderam por 29% das emissões do setor agropecuário (179,1 milhões de toneladas de CO2 e contra 176,8 no ano de 2021).

Isso significa que o esforço orquestrado para implementar as práticas sustentáveis na maior parte do país é fundamental, mas também é importante monitorar regionalmente a relação entre o investimento, a adoção da tecnologia e o resultado nas emissões.

Análise da alocação de recursos em agricultura sustentável:

Metodologias de análise de alocação de recursos já foram usadas por cientistas avaliando a performance do Plano ABC com seus os objetivos originais. Os resultados mostram deficiências quanto à distribuição de recursos no âmbito das regiões brasileiras, dos subprogramas e da e classificação de aptidão agrícola. Houve concentração de 65% dos recursos nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, 98% em quatro dos SPS e 29% em municípios de alta aptidão agrícola. Nos municípios de alta aptidão agrícola, há ainda maior correlação do crédito com o desempenho econômico e agropecuário do que com a área de pastagens degradadas (Gianetti, et al. 2021).

Houve maior correlação observada do crédito concedido pelo Programa ABC com o rebanho bovino do que com as pastagens degradadas, bem como a maior correlação da aptidão agrícola do município com o crédito destinado à produção de lavouras temporárias e com o PIB municipal, mostram que as variáveis econômicas e da produção agropecuária possuem maior relação com a contratação do Programa ABC do que as características ambientais.

Gianetti (2021) mostrou que a execução e a distribuição de recursos do Programa ABC têm concentração regional e nos sistemas de Recuperação de Pastagens Degradadas, Sistema de Plantio Direto, Florestas Plantadas e Lavoura Pecuária e Floresta. Dificuldades envolvidas nos subprogramas de Fixação Biológica de Nitrogênio (hoje enquadrado como Bioinsumos) e Tratamento de Dejetos Animais têm limitado a adesão destas tecnologias a patamares extremamente baixos. Como reavaliação do Plano e Programa ABC, o caráter não exclusivo das linhas de financiamento poderia auxiliar a ampliação da contratação dos empréstimos.

Seria possível avaliar a performance da linha RenovAgro e sua contribuição as metas do Plano ABC+ de maneira mais precisa, desde que houvesse um processo de MRV instalado em modelo representativo regional. Esse modelo correlacionaria a perspectiva de monitoramento da aplicação do crédito rural com seus benefícios ambientais reais, trazendo uma mensuração precisa desses instrumentos na busca do ativo mensurável: carbono.

O baixo nível de conhecimento e informação a respeito das técnicas da agricultura de baixa emissão de carbono e dos seus potenciais retornos diretos (rentabilidade) e indiretos (redução de emissões e acesso a mercados) é o principal fator que limita sua expansão. Tanto os agropecuaristas, quanto os profissionais prestadores de assistência técnica e projetistas, quanto os agentes financeiros repassadores do crédito rural possuem conhecimento limitado sobre a agricultura ABC. Esse fato se correlaciona ao pouco conhecimento das técnicas em si, quanto na incerteza a respeito dos seus benefícios e potenciais retornos, diante dos elevados investimentos necessários para sua adoção e manutenção. Significa que há uma necessidade enorme de se gerar e disseminar conhecimento e informações sobre as práticas da agricultura de baixa emissão de carbono e de seus retornos econômicos e ambientais (Gurgel, 2023).

A econometria espacial pode definir por modelos matemáticos a maior probabilidade de um território desenvolver determinada atividade produtiva. Variáveis como aptidão agrícola, já citadas por Gianetti (2021), mas fundamentalmente a disposição existente de técnicos preparados para assessorar a transição da produção para as práticas sustentáveis ou até mesmo, agroindústrias que estejam conectadas a mercados que exijam práticas sustentáveis e rastreabilidade como mencionado por Gurgel (2023).

A importância do Plano ABC já é reconhecida cientificamente em nível internacional. Um artigo da Universidade de Pequim (He, 2022) demonstrou que a maioria das pesquisas sobre os resultados do plano ABC ainda possuem grande incerteza, devido à falta de uma ferramenta de medida oficial. O pesquisador procurou identificar fatores que afetam a implementação do plano de baixa emissão de carbono na agricultura brasileira e procurar algumas inspirações potenciais para a política futura baseado em uma abordagem de revisão de literatura contendo diversas referências.

Analisando fundamentalmente os dados do Observatório ABC, He (2022) identificou que as dificuldades burocráticas se destacam na aquisição de contratos ABC, como por exemplo:

  • há muitos processos administrativos na aplicação para apoio ao crédito, um dos exemplos é que a análise do projeto georreferenciado do imóvel e solo é necessário para obter o financiamento.
  • é obrigatório para agricultores que desejam acessar o programa ABC estarem regularizados nos bancos de dados de propriedades rurais, Cadastro Ambiental Rural;
  • existem deficiências na definição do conceito e dos critérios para o estabelecimento de regiões prioritárias no plano ABC, embora o atual foco principal da política seja a recuperação de pastagens degradadas.

Isto foi constatado em análises de pesquisadores estrangeiros sobre a política pública brasileira onde se percebeu a lacuna entre o que o Brasil alcançou até agora e suas metas pré-definidas. As razões levantadas consideraram variações na taxa de juros ou o fluxo de recursos para as áreas com menor custo de observância relativo as obrigações do Manual de Crédito Rural.

É importante lembrar que, especificamente para as questões relacionadas a áreas degradadas, o Decreto 11.815 de 05 de dezembro de 2023, amplia consideravelmente as metas para recuperação das áreas previstas no Plano ABC+ de 30 milhões de ha, para 40 milhões de hectares.

Foto: Divulgação/Arquivo OPR

É possível identificar regiões de baixa produtividade especialmente na pecuária (pastagens degradadas e em más condições) e defini-las como prioridades do Plano ABC+, e o principal indicador para esta caracterização é que a taxa de lotação de animais por hectare abaixo 0,7.

No artigo “Potencial de Expansão Agrícola em Pastagens Degradadas no Brasil com base em bancos de dados geoespaciais”, publicado por Bolfe et al. (2024), ficou clara a identificação das áreas no Brasil em que haveria melhores efeitos indiretos positivos sobre os recursos naturais e o ambiente se forem preferidas áreas prioritárias. Essa relação econômica exemplifica as dificuldades do Programa ABC+ em atingir justamente as áreas com maior potencial de mitigação de GEE.

Além disso, é mister destacar que a soma das ambições de programas oficiais comparada com os levantamentos científicos de áreas com potencial de recuperação não guarda correlação. No artigo de 2024, com coautoria da atual presidente da Embrapa, os autores concluem que existem de aproximadamente 28 milhões de hectares de pastagens plantadas com níveis severos de degradação que possuem potencial para culturas agrícolas.

Estas áreas poderiam aumentar as áreas plantadas com grãos no Brasil em aproximadamente 35% em relação à área total utilizado na safra 2022/23. Esse número se aproxima mais das metas do Plano ABC+ (30 milhões de ha) do que do programa de Recuperação de Pastagens (40 milhões de ha). Entretanto, devemos considerar a sinergia entre programas e incluir o Plano Nacional de Vegetação Nativa (PLANAVEG) que tem como meta recuperar 12 milhões de ha em áreas já mapeadas, quanto a suas aptidões para esse fim.

A sustentação de programas, planos e políticas já lançadas e em construção no Brasil consideraram, em geral, a inteligência territorial e a análise do espaço geográfico para a implementação de suas ações. A política agrícola e os seus instrumentos de crédito, principalmente os do RenovAgro não podem estar desconectados dessas ferramentas.

Existem poucas pesquisas sobre o resultado do plano ABC devido à falta de ferramenta de medida oficial até o momento. O Mapa utiliza metodologias para medir o avanço das metas do Plano ABC+, mas para as situações de crédito, os contratos realizados são muito inferiores às estimativas iniciais, além de se resumirem aqueles voltados ao crédito rural oficial, advindos da equalização de juros com recursos do Tesouro Nacional, o que representa somente 30% do montante total de financiamento do agronegócio brasileiro.

Foto: Divulgação/Arquivo OPR

A falta de definição de regiões prioritárias e a disponibilização de formação técnica para a transferência das tecnologias SPS indicaram o desequilíbrio na utilização e distribuição dos recursos do antigo Programa ABC.

Fica claro entre os economistas que, uma limitação para avaliar a política de mitigação de emissões, em especial o plano setorial para a agropecuária, é a inexistência de ferramentas adequadas para medir o real desempenho econômico e impactos ambientais de cada fator mencionado.

O capital físico, humano e natural como fatores de produção são alvos importantes de políticas públicas e programas para a agropecuária. Os agricultores podiam obter de R$ 1 milhão para a agricultura a R$ 3 milhões para a floresta comercial por estabelecimento, o valor médio do empréstimo é de cerca de R$ 230 mil para uma área média de 105 ha em 2017. Isto sugeria que os produtores estavam “testando” a linha de crédito e as tecnologias numa parcela limitada das suas propriedades.

Os valores para o Plano Safra chegam a R$ 5 milhões por estabelecimento o que pode não representar significância sobre o resultado esperado, considerando a variação do ticket médio dos contratos nos bancos e as demais limitações apresentadas nos estudos (ausência de assistência técnica e falta de delimitação de áreas prioritárias).

Uma segunda conclusão importante envolve o efeito do crédito, não só na adoção das práticas ABC, mas nos resultados diretos na redução de emissões GEE, uma vez que o balanço simulado dessas emissões implica uma mudança no uso da terra, desde o cultivo anual até a plantação florestal, o que levaria a uma redução líquida nas emissões de carbono (menos emissões por hectare provenientes de práticas de cultivo, além de sequestro adicional de carbono acima e abaixo do solo).

Foto: Fernando Dias

A faixa de incerteza demonstrada pelas pesquisas inclui grandes efeitos de redução de GEE mas não exclui a má adaptação ao ponto que as emissões globais podem aumentar. Fica claro em todas as análises que se deve enriquecer os parâmetros para compor os modelos e completar o cálculo do carbono líquido.

A produtividade total dos fatores e o meio ambiente:

Devemos levar em consideração a produtividade total dos fatores e sua abordagem mais recente de incluir os “bad outputs” eventuais relacionados aos impactos ambientais da agropecuária. O tema vem sendo alvo de discussões no âmbito da OCDE e será orientador de modelos para comparação da evolução da agropecuária sustentável entre países e ao longo de suas séries históricas, medindo sua performance em um balanço entre produtividade e impacto ambiental.

No Brasil, o tema já vem sendo alvo de análises com destaque para Bragagnolo (2022) que se propôs a medir o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF) na agricultura brasileira nas últimas décadas comparando medidas de produtividade que levam em consideração a existência de subprodutos não desejáveis (no caso emissões de gases de efeito estufa) com medidas que não levam em consideração a existência deste tipo de subproduto.

Análise do Plano Safra 2023/2024:

Em análise do Plano Safra (2023/2024), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) destacou as questões relativas aos rebates na taxa de juros para produtores que possuem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) nas seguintes condições:

  1. analisado e em conformidade com a Lei nº 12.651, de 2012;
  2. analisado e em cumprimento do Programa de Regularização Ambiental (PRA), estabelecido pela Lei nº 12.651, de 2012; ou
  3. analisado e em conformidade com a Lei nº 12.651, de 2012, passível de emissão de Cota de Reserva Ambiental (CRA).

Segundo a análise da CNA, a medida premia produtores que estão regulares nos órgãos ambientais, porém deixa desamparados aqueles que também estão de acordo com a legislação ambiental, mas que se encontram nas filas de análises dos órgãos ambientais estaduais e federais. Estima-se que apenas 0,6% dos cadastros estejam validados, e que o tempo de espera por essa validação é de vários meses, uma vez que não existe norma definindo o prazo dos tramites necessários.

Segundo a consultoria Agroicone, em análise feita para as questões dos impedimentos sociaissociais, ambientais e climáticos dispostos na Resolução BCB nº 140/2021 Resolução CMN nº 5081/2023. Essas normas foram incorporadas na Seção 9 do Capítulo 2 do Manual de Crédito Rural (MCR 2-9) como:

  1. a observância das restrições de acesso a crédito relacionadas aos aspectos socioambientais para todo o imóvel rural, não apenas do empreendimento objeto de financiamento (a partir de 03/07/2023);
  2. o Cadastro Ambiental Rural – CAR cancelado ou suspenso impossibilitará a tomada de crédito (a partir de 01/08/2023);
  3. inclusão dos embargos ambientais emitidos pelos órgãos estaduais, não apenas federais e não somente para o bioma Amazônia, mas para todos os biomas (a partir de 01/01/2024);
  4. não será concedido crédito rural a empreendimento situado em imóvel rural total ou parcialmente inserido em Floresta Pública Tipo B (Não Destinada) registrada no Cadastro Nacional de Florestas Públicas do Serviço Florestal Brasileiro, exceto para imóveis rurais com título de propriedade e para aqueles com até 4 (quatro) módulos fiscais com pedido de regularização fundiária analisado e deferido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra (também a partir de 01/01/2024).

Os caminhos sugeridos pela Agroicone, endossadas pela Força Tarefa de Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, foram:

  1. Observância do Zarc como critério obrigatório para o crédito de custeio (que poderíamos começar com abatimento na taxa de juros após o final do contrato de custeio quando o empreendimento financiado cumpriu o Zarc);
  2. Condição diferenciada para beneficiários que apresentem apólice de seguro rural vigente com ou sem subvenção econômica (também poderá ter o abatimento no final do contrato de crédito, evitando cancelamentos de apólices, direcionando incentivos para a gestão integrada de riscos na agropecuária);
  3. Observância da qualidade das pastagens dos contratos de crédito de custeio para aquisição de bovinos, quando o sistema de produção é baseado a pasto (utilizando o Atlas da Pastagem atualizado anualmente pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento – Lapig da Universidade Federal de Goiás);
  4. A observância do Atlas de Irrigação da Agência Nacional Águas (ANA) em operações de custeio para lavouras irrigadas;
  5. Avaliação de atributos sobre a propriedade e práticas adotadas considerando os campos já disponíveis para preenchimento no SICOR, definindo as exigências para conceder o abatimento do crédito rural de acordo com o empreendimento financiado.

Especificamente sobre as restrições estabelecidas quanto as pendencias ambientais esperou-se um passo maior dos impedimentos na concessão de crédito para incluir a verificação do desmatamento ilegal nos biomas, não embargados e sem autorização dos órgãos competentes, preferencialmente com a incorporação e verificação automática de dados oficiais (como o desmatamento divulgado pelo PRODES e DETER do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE) no SICOR – Sistema de Operações de Crédito Rural e do Proagro especialmente após 22/07/2008, considerando a data de corte da Lei no 12.651/2012 – Lei de Proteção da Vegetação Nativa ou Código Florestal.

Nesse sentido, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES incorporou dados de desmatamento organizados pelo MapBiomas desde fevereiro de 2023 (Circular SUP/ADIG nº 57/2022-BNDES), suspendendo créditos quando há indícios de desmatamento, “sendo vedadas operações onde seja identificado o desmatamento sem comprovação de regularidade da situação”. As informações requeridas são a Autorização para Supressão de Vegetação Nativa – ASV, Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD, Termo de Ajustamento de Conduta – TAC ou outro documento que comprove a regularidade da supressão.

Ainda, se houver desmatamento após a concessão do crédito, a liberação de recursos será suspensa e a instituição financeira deverá liquidar a operação antecipadamente caso não se comprove a regularidade em um período de doze meses. Inclusive, todas essas informações poderiam ser automatizadas e unificadas para facilitar essa verificação e evitar suspensões indevidas. Ou seja, o que se observa é um esforço na integração entre instrumentos de política agrícola e mecanismos de gestão da política ambiental. O entendimento de que essas políticas devem ser complementares é fundamental para a melhoria da subscrição dos riscos socioambientais e climáticos do sistema financeiro.

Cabe considerar que as diferentes instituições financeiras que operam o crédito rural no Brasil, assim como o Banco Central, possuem sistemas eletrônicos sofisticados de verificação da regularidade das propriedades rurais devidamente recomendadas desde 2018 pela FEBRABAN visando o aprimoramento da gestão do risco de desmatamento em operações de crédito.

As recomendações às instituições financeiras:

  1. Verifiquem a regularidade ambiental da atividade e da área a ser financiada, observando principalmente:
  1. Existência de embargos por desmatamento ilegal, consultando as listas de embargos do Ibama e do ICMBio;
  2. Sobreposição da área de operação e/ou limites da propriedade rural com áreas classificadas como Unidades de Conservação, encontradas no site do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC);
  3. Sobreposição da área de operação e/ou limites da propriedade rural com áreas classificadas como Terras Indígenas, encontradas no site da Fundação Nacional do Índio (Funai), ou
  4. Quilombolas; Número do registro de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR); Licença ambiental no caso de atividades passíveis de licenciamento.
  1. Utilizem ferramentas geoespaciais como elementos auxiliares para análise do risco socioambiental, complementando a consulta às bases de dados oficiais (grifo nosso);
  2. Definam a abrangência da análise – por tipo/valor da operação e porte do cliente – com base em uma avaliação da exposição da carteira de crédito aos riscos de desmatamento.
  3. Para as operações classificadas como de maior risco, seja pelo porte da operação ou pela incidência de desmatamento na região ou cadeia produtiva, recomenda-se que as instituições financeiras realizem uma análise mais aprofundada do cliente.

Portanto, acredita-se que a explicita orientação para verificação do status do Cadastro Ambiental Rural (CAR) como determinante para o acesso ao desconto, considerando que essa seria a fronteira da sustentabilidade é minimalista, haja visto o alto grau de redundância recomendado pela FEBRABAN às intuições financeiras que, desde 2018, já agregam obrigações acessórias a concessão do crédito agrícola e consequentemente impacto no custo de observância por estas instituições.

Já a previsão do desconto de 0,5 p.p. para práticas agropecuárias sustentáveis, com necessidades de definições e regulamentação posteriores ainda não foi feita, o que limitou o acesso a esse benefício.

Na análise da Consultoria Agroicone esse foi o movimento mais inovador do Plano Safra 2023/2024. Isso se deve, possivelmente, conclusão de que a adoção de sistemas de plantio direto é amplamente difundida entre os produtores de grãos, sendo estes grandes tomadores de crédito de custeio. Considerando que foram tomados R$ 88 bilhões para custeio de soja e milho na safra 2022/2023, representando 46% do total (até o fechamento deste documento) este incentivo pode produzir um impacto importante na subvenção econômica do crédito de custeio (exceto com recursos obrigatórios e outros não equalizáveis).

O grande desafio é avaliar a forma como esta prática está sendo, de fato, implementada no campo.

  • O sistema de plantio direto com soja e milho 2ª safra e até braquiária como 3ª safra seria suficiente para o abatimento na taxa de juros?
  • Quantos anos a produção ocorreu sem nenhum revolvimento do solo?
  • Quantos cultivos, espécies vegetais e famílias botânicas foram utilizadas nos últimos 3 anos agrícolas?

O setor esperava pragmatismo e fácil verificação, mas a comprovação da adoção de práticas sustentáveis não é tão simples assim. Considerando que a maior parte das lavouras de grãos plantados são de sequeiro e sendo a seca o principal evento para o pagamento de indenizações tanto do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – Proagro quanto do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural – PSR nos últimos 5 anos safra, o ZARC NM (Zoneamento Agrícola de Risco Climático – Níveis de Manejo), que classifica o risco climático considerando o manejo do solo e a resiliência em relação a estresse hídrico, pode ser um dos caminhos. Mas ainda persistem complexidades para a verificação de seus critérios técnicos.

Nesse caso consideramos fundamental o reconhecimento da aplicação de práticas sustentáveis do ABC+ como sendo aquelas reconhecidas para o acesso ao benefício, não somente o Plantio Direto. Entretanto, como não existe ainda uma “Certificação ABC+” sugerimos a valorização de instrumentos oficiais do MAPA que reconhecem protocolos privados que envolvem os princípios de sustentabilidade.

Entre eles estão aqueles processos estabelecidos pela Portaria MAPA nº 337 DE 08 de novembro de 2021 que estabelece requisitos mínimos e reconhece programas de promoção de boas práticas agrícolas, na etapa primária da cadeia produtiva agrícola, aplicados por entes públicos e privados no território nacional, com o propósito de estimular a produção com práticas sustentáveis.

Outro processo certificado que merece ser considerado nos efeitos do desconto previsto no Plano Safra é a Agricultura Orgânica. Esse sistema produtivo é reconhecido internacionalmente como referência de sustentabilidade na agropecuária, sendo item listado pela OCDE como indicador da evolução da sustentabilidade de um país.

No Brasil, o sistema orgânico de produção é que detém o maior nível de governança por meio de sistemas legalmente instituídos há mais de 20 anos por meio da lei 10.831 de 23 de dezembro de 2003, com modelos de certificação de terceira parte auditados pelo Mapa.

O alto nível desse modelo (orgânico) merece ser reconhecido como meritório para o acesso ao desconto de 0,5 p.p previsto no Plano Safra, seguido por aqueles que estão devidamente reconhecidos pelo Mapa por meio da Portaria Mapa nº 337 de 08 de novembro de 2021 o que incentivaria ainda mais a adesão de outros programas em curto prazo.

A Resolução CMN 5.081/2023 que ajusta as normas referentes a impedimentos sociais, ambientais e climáticos para concessão de crédito rural define que não será concedido crédito em imóvel rural em que exista embargo de órgão ambiental competente, Federal ou Estadual, conforme as competências de que tratam os arts. 7º e 8º da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011.

Apesar da CNA argumentar que essa disposição deva ser aplicada apenas a empreendimento dentro do polígono da área embargada conforme trata o Decreto 6.514/2009, acreditamos que deva haver flexibilização dessa restrição em especial para linhas que prevejam recuperação de áreas, seja para ajustes que promovam o desembargo da propriedade.

De todo o exposto, entendemos que as ações mais eficientes na busca por um melhor resultado para o aprimoramento das políticas públicas envolvendo a sustentabilidade da agropecuária seria a realização de pequenos ajustes na redação de normativos já em vigor, de modo a torná-los mais claros ou a introduzir pequenas alterações que possam aumentar sua efetividade. Relacionamos a seguir as sugestões de ajustes propostos:

Em relação ao disposto na Resolução CMN nº 5.102, de 24/08/2023, que alterou a redação do Seção 2 (créditos de Custeio), do Capítulo 3 (Operações), do Manual de Crédito Rural (MCR), do Banco Central do Brasil, que passou a vigorar da seguinte forma:

“6A Observadas as condições dispostas nos itens 6-C e 6-D, as operações de custeio contratadas a partir de 2 de outubro de 2023 terão a taxa de juros reduzida

em, no mínimo, 0,5 (meio) ponto percentual em relação à taxa máxima de juros aplicável ao financiamento, na hipótese de o beneficiário do crédito comprovar que o imóvel rural onde se situa o empreendimento objeto do financiamento atende a uma das seguintes condições de registro no CAR:

  1. a) analisado e em conformidade com a Lei nº 12.651, de 2012;
  2. b) analisado e em cumprimento do Programa de Regularização Ambiental (PRA), estabelecido pela Lei nº 12.651, de 2012; ou
  3. c) analisado e em conformidade com a Lei nº 12.651, de 2012, passível de emissão de Cota de Reserva Ambiental (CRA).” (NR)

Entretanto, é mister destacar que a nomenclatura que foi utilizada na redação da Resolução CMN nº 5.102, de 24/08/2023 utiliza o termo “analisado”. Esse termo não possui referência na legislação devendo ser observados o status da inscrição no CAR, frente o art. 29 da Lei nº 12.651, de 2012 e a nomenclatura adotada pelos órgãos reguladores ambientais.

Em consulta a página eletrônica do Cadastro Ambiental Rural na rede mundial de computadores podemos identificar 4 diferentes categorias do CAR:

  1. A) Ativo: O cadastro do imóvel rural será considerado Ativo após concluída a inscrição no CAR (ou seja, após o sucesso no envio do arquivo de extensão .car), enquanto estiverem sendo cumpridas as obrigações de atualização das informações cadastradas, e quando constatada, após análise a regularidade das informações relacionadas às áreas de APP, de uso restrito, de RL e de remanescentes de vegetação nativa.
  2. B) Pendente: O cadastro do imóvel rural será considerado Pendente quando constatada declaração incorreta; ou no caso de sobreposições do imóvel rural com Terras Indígenas, Unidades de Conservação, Terras da União, áreas consideradas impeditivas, áreas embargadas, ou com outros imóveis rurais. O cadastro também será considerado Pendente quando houver notificação de irregularidades relativas às áreas de APP, de uso restrito, de RL, consolidadas e de remanescentes de vegetação nativa, enquanto não forem cumpridas as diligências notificadas aos inscritos, nos prazos determinados, ou enquanto não forem cumpridas as obrigações de atualização das informações decorrentes de notificação.
  3. C) Suspenso: O cadastro do imóvel rural será considerado Suspenso por decisão judicial ou decisão administrativa do órgão competente devidamente justificada.
  4. D) Cancelado: O cadastro do imóvel rural será considerado Cancelado quando constatado que as informações declaradas são total ou parcialmente falsas, enganosas ou omissas; após o não cumprimento dos prazos estabelecidos nas notificações; ou por decisão judicial ou decisão administrativa do órgão competente, devidamente justificada.

Mesmo reconhecendo a boa intenção do regulador em premiar aqueles que estejam adequados a legislação ambiental a utilização da terminologia “avaliado” não converge para aquelas metodologias que classificam o status do CAR e podem ensejar insegurança jurídica na aplicação da norma.

Portanto, como primeira sugestão, deve-se ajustar o texto da Resolução CMN nº 5.102, de 24/08/2023, substituindo o termo “analisado” por CAR “ativo”, haja vista a própria definição oficial do governo federal constante na página do SICAR.

Entretanto, em uma análise mais aprofundada, essa mesma medida, mesmo com a correção semântica proposta, não cumpre a função de premiar adicionalidades ambientais, frente aquelas mínimas requeridas por lei. Caso essa tenha sido a intenção do regulador ao propor a medida, deveria ser exigido comprovação de adicionalidades as obrigações já definidas na Lei nº 12.651, de 2012, como por exemplo, excedentes de reserva legal ou outras com a mesma grandeza de reduzir espontaneamente a disponibilidade do fator de produção terra em prol do benefício coletivo de serviços ecossistêmicos.

Em relação ao desconto de 0,5 p.p. a ser concedido aos produtores rurais que adotem práticas agropecuárias sustentáveis, e que ainda não foi regulamentado, defendemos que sua regulamentação leve em consideração instrumentos oficiais do Mapa que reconhecem protocolos privados que envolvem os princípios de sustentabilidade. Entre esses, encontram-se os processos definidos na Portaria Mapa nº 337, de 08 de novembro de 2021, que estabelece requisitos mínimos e reconhece programas de promoção de boas práticas agropecuárias, na etapa primária da cadeia produtiva agrícola, aplicados por entes públicos e privados no território nacional, com o propósito de estimular a produção com práticas sustentáveis.

A explicita regulamentação por Resolução CMN do reconhecimento de produtores certificados por programas de Boas Práticas Agropecuárias para a concessão do benefício creditício adicional trará simplicidade para o cumprimento da norma além de estimular a adesão de outros programas e agricultores em modelos de certificação reconhecida pelo órgão oficial de agricultura e pecuária, incidindo em um ciclo virtuoso.

Conclusões

Em que pese a evidente boa intenção e inclinação dos reguladores em premiar agricultores por meio de descontos nos juros nos programas voltados a sustentabilidade, com o devido reconhecimento de práticas sustentáveis, as medidas anunciadas não tiveram efeito e provavelmente não terão a médio prazo se não forem ajustadas.

A falta de uma avaliação sistemática da performance do Plano Safra e sua relação de causa e efeito para o aumento das práticas sustentáveis é reconhecida como uma falha gravíssima ao aperfeiçoamento das políticas públicas de clima e sustentabilidade.

Os ajustes que propusemos nesse artigo visaram reconhecer e propor melhorias a boa intenção do regulador de caminhar com a oferta de bônus financeiro àqueles agentes econômicos que se cercam de sistemas e práticas sustentáveis, para além daquelas obrigatórias por lei. O ajuste de nomenclaturas é imperioso devido ao rigor que devemos ter relacionando os termos legais e assim oferecer menor discricionariedade aos agentes bancários, democratizando o crédito.

O trabalho de fomento e reconhecimento de protocolos agropecuários que guardem alinhamento com as práticas sustentáveis e mitigam os efeitos dos gases de efeito estufa, além de trazer outros benefícios ambientais é constante no Governo Federal, com as devidas regulamentações específicas vigentes. A vinculação do Conselho Monetário Nacional por meio de regulamentação indicando os protocolos do MAPA, como aqueles que dão acesso ao benefício, encontra lastro em um órgão oficial e trará efeitos multiplicadores na busca por credenciamento.

Além disso, o movimento assertivo desse reconhecimento de práticas sustentáveis no Plano Safra, desde que com correta regulamentação e aplicação, sobretudo de monitoramento, poderá transbordar para o mercado de capitais ações similares, assim como em outras fontes de financiamento do agronegócio.

Essa é nossa análise, quanto as oportunidades de ajustar a política agrícola do crédito rural as práticas sustentáveis e devemos ficar atentos a novas oportunidades de sugerir melhorias não apenas no crédito, mas em outros instrumentos de política agrícola que impulsionem as práticas agropecuárias sustentáveis e promovam as políticas climáticas e ambientais no âmbito rural.

Fonte: Por Luis Eduardo Pacifici Rangel, engenheiro agrônomo e membro do Conselho Cidentífico Agro Sustentável.

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Soja: a gigante adormecida!

É preciso que todo o setor esteja unido na defesa legítima de seus interesses. 

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Fotos: Divulgação/Arquivo OPR

Por ocasião da assinatura da Declaração da Independência estadunidense, Benjamin Franklin externou que “devemos todos ficar unidos ou, sem dúvida, seremos enforcados individualmente.” Se eu pudesse transliterar esse ensinamento para o nosso campo, eu diria que “queixada fora do bando é comida de onça”. Essa é a grande lição que podemos tirar do episódio de boicote aos produtos da empresa de laticínios francesa Danone. Quando o seu CEO, Jurgen Esser, anunciou que a empresa parou de comprar soja do Brasil devido à questão de sustentabilidade, isso representou uma acusação geral a todo o setor produtivo brasileiro.

Palotina – 28-10-2020 – Lavoura de soja na região Oeste do Paraná -Foto : Jonathan Campos / AEN

Nesse sentido, hoje sem dúvida alguma, a pior praga de nossas lavouras é a desinformação sobre o sistema de produção do agronegócio.  Não só porque temos uma das legislações ambientais mais rigorosas do planeta, que garantem que o nosso produto é sustentável, mas também pelo impacto dos números do setor.

A indústria brasileira de alimentos quebrou recorde de exportação em 2023. Esse importante setor do agronegócio nacional faturou quase US$ 62 bilhões com as vendas ao mercado externo em 2023.

Ao todo, o setor enviou 72,1 milhões de toneladas ao exterior, volume equivalente a cerca de 9 quilos para cada habitante do planeta.  Uma marca que ultrapassa os EUA.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), 23% do que é produzido pela indústria de alimentos no Brasil é exportado.  Mais ainda, o setor processa 61% de tudo o que é produzido pela agropecuária brasileira.

Com esses números em mente, o que fazer diante de tal ataque ao nosso sistema de produção? Tem sido frequente, mormente na Europa, acusações ao agro brasileiro que não são revidadas, quando no máximo emitimos uma tímida nota de protesto. Nesse sentido, posso dizer a cada agricultor que o silêncio diante do mal, é em si mesmo um mal.  Eu posso trair o setor agrícola do meu país não somente com a minha palavra, mas com o meu silêncio.

Assim sendo, iniciamos uma campanha de boicote aos produtos da Danone para mostrar nossa indignação, não pela opção de escolha da empresa (ela é livre para comprar onde quiser), mas quando faz uma acusação sem embasamento contra a cultura da soja no Brasil. O resultado é que de maneira surpreendente a campanha se alastrou por todo o Brasil, havendo uma forte reação de brasileiros quanto a essa atitude da companhia. No mesmo dia da campanha, a Danone iniciou um movimento de recuo, desmentindo seu CFO. A retratação começou com a Danone Brasil e chegou até a Danone América Latina.

Finalmente, a Danone França declarou que “não há medidas restritivas na compra da soja brasileira na cadeia de suprimentos da Danone em todo mundo”.

“A Danone continua comprando soja brasileira, que é um insumo essencial para nossos produtores de leite.”
Gigantesca vitória do agronegócio brasileiro!

Qual a lição dessa empreitada?  Ela poderia ser resumida em um provérbio africano que ensina que “quando a manada se une, o leão vai dormir com fome.”   É preciso destacar a notável mobilização dos produtores brasileiros e como eles forçaram uma gigante do setor a reconhecer o seu erro.  Disso, deve ficar claro que esses tipos de declarações inconsequentes não mais passarão em branco, mas terão a devida resposta.

Eu diria que se os nossos antepassados abriram as fronteiras físicas de nossos campos, a nós será cobrado a abertura de novas fronteiras da comunicação. É preciso que todo o setor esteja unido na defesa legítima de seus interesses.

Afinal, o pior que pode acontecer a uma boa causa não é ser habilmente atacada, mas sim inabilmente defendida.

Fonte: Por Antonio Cabrera, médico-veterinário.
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Boas práticas agropecuárias, rastreabilidade e certificação: os desafios das plataformas integradoras

Agropecuária brasileira é uma das mais relevantes para o cenário mundial, tanto em termos de produção quanto de exportação.

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A agropecuária brasileira é uma das mais relevantes para o cenário mundial, tanto em termos de produção quanto de exportação. Entretanto, para assegurar a competitividade e atender às exigências de mercados internacionais, é essencial integrar boas práticas agropecuárias, rastreabilidade e certificação da produção. Nesse contexto, a criação de um modelo institucional que reúna esses três elementos torna-se fundamental.

O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) vem trabalhando no desenvolvimento de uma plataforma que visa atender a essas necessidades, fornecendo uma ferramenta digital, gratuita, que integra dados confiáveis e rastreáveis sobre a produção agropecuária sustentável no Brasil.

O tema das certificações ambientais já vem sendo discutido no âmbito do comércio internacional, muito em face da grande polêmica de qual seja o seu verdadeiro objetivo: barreira comercial não tarifária, ou defesa do meio ambiente e proteção contra o dumping ecológico.

O Brasil é reconhecido como um dos países com uma das legislações mais avançadas em relação à necessidade de proteção do meio ambiente, porém é preciso buscar novos meios para colocá-la em prática e intensificar os já existentes. Por isso, procuramos compreender como o Estado pode utilizar a certificação ambiental, ou seja, a implantação de sistemas de gestão ambiental pelas empresas, para atingir o desenvolvimento sustentável.

Há dois âmbitos de controle ambiental: o primeiro é o controle exercido pelo Estado mediante legislação interna; o segundo, apresenta-se como controle privado, ou seja, um controle voluntário e dependente da iniciativa das empresas.

A ISO (International Organization for Standardization) estabelece normas internacionais ambientais de caráter voluntário. No entanto, a adesão a essas normas apresenta-se como um “passaporte” para o comércio internacional. A certificação concedida pela ISO confere condições aos países desenvolvidos para o estabelecimento e conservação de suas hegemonias no comércio externo.

Esse movimento é capaz de levar a uma grande revolução toda a cadeia produtiva relacionada a esses mercados. Como indicadores de tal tendência, podem ser citadas as adoções, pelo setor produtivo, de conceitos de rastreabilidade e de diferentes tipos de certificação (selos e certificados) e seus instrumentos de apoio, tais como normas, protocolos e a adoção de processos como a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle no Campo (APPCC/Campo), as boas práticas agropecuárias (BPAs) e as boas práticas de fabricação (BPF).

As crises alimentares decorrentes de eventos sanitários provocaram a instituição de novos paradigmas nos padrões de consumo de alimentos em diversos mercados. Reflexo disso foi a exigência legal de rastreabilidade para os alimentos produzidos ou exportados para a União Europeia. As exportações brasileiras sofreram embargos em decorrência das novas normas europeias de segurança alimentar, que colocaram sob suspeita a eficiência da rastreabilidade desse produto implantada no Brasil. A legislação brasileira aborda a rastreabilidade, porém as normas ISO são uma referência mundial como norma e indicador de competitividade para as empresas.

A implementação de políticas públicas para o setor deve favorecer a certificação ambiental com o aumento da produtividade agropecuária de maneira sustentável e com a participação direta dos produtores rurais. Assim, essa certificação pode tornar-se um fator fundamental na promoção e diferenciação de produtos ou processos produtivos no mercado, além de abrir novas possibilidades de negócios.

Dentro desse contexto iniciativas como a Produção Integrada Agropecuária (PI Brasil) foram desenvolvidas para permitir o controle efetivo do sistema produtivo, com um protocolo nacional de certificação para os produtos agropecuários. No entanto, os processos de transferência de tecnologia são um grande desafio, no sentido de envolver todas as partes interessadas na cadeia produtiva em torno da solução dos problemas existentes.

A viabilidade de programas como este querer uma postura mais democrática e proativa de modernização do aparelho produtivo, articulando-se com todas as partes interessadas por meio de novos dispositivos de parceria, e que crie subsídios específicos para a produção integrada e novos canais de comunicação para a troca de informações entre todos os agentes envolvidos.

Na perspectiva da certificação da agricultura orgânica, podemos perceber a diferença dos marcos regulatórios adotados na União Europeia e no Brasil. A relação com a Europa na parte de agricultura orgânica, onde surgiram e se desenvolveram as principais iniciativas de certificação ainda não é pacificada, não tendo equivalência com o sistema brasileiro.

A produção agrícola possui limitações quanto ao controle de contaminações físicas, químicas e biológicas, que podem acarretar graves consequências à saúde humana. O controle da segurança de um alimento é realizado por meio de cuidados que englobam diversos fatores que iniciam na propriedade rural e vão até a exposição do produto no local de comercialização.

Além disso, fatores voltados à mitigação dos impactos ambientais do processo produtivo e valoração dos aspectos sociais da propriedade podem apresentar-se como limitante à sustentabilidade do processo produtivo e impactar socialmente o meio rural.

As normas que estabelecem requisitos mínimos e reconhecem programas de promoção de boas práticas agrícolas, trazem também ferramentas para promover a melhoria dos processos produtivos, da gestão e das condições sanitárias do estabelecimento rural, promovendo a produção agrícola sustentável, um produto de melhor qualidade e a inocuidade do alimento ofertado para consumo da população.

A Produção Integrada Agropecuária (PI-Brasil) está baseada em Normas Técnicas Específicas (NTEs), onde a segurança do trabalhador rural é um dos pilares para que o título de alimento seguro e sustentável possa ser atribuído. Nesse modelo de produção, a saúde dos trabalhadores, a qualidade dos alimentos e a preservação do meio ambiente, são verificadas por meio de auditorias de terceira parte e acompanhamento da produção por um Responsável Técnico treinado, norteando e facilitando a gestão das atividades envolvidas em todas as etapas da produção.

Por meio da aplicação das Boas Práticas Agrícolas (BPAs) e das Normas Técnicas Específicas (NTEs), estabelecidas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o produtor se beneficia com uso dos recursos naturais, de insumos e gestão de resíduos de forma sustentável com a possibilidade de agregar valor à sua produção com a certificação pelo selo oficial “Brasil Certificado: Agricultura de Qualidade”.

As dificuldades do produtor quanto ao atendimento das exigências de certificação, assim como verificar a viabilidade e os custos do processo de certificação, foram alvo de pesquisas realizadas com dados primários e secundários (qualitativo e quantitativos). A maioria dos agricultores tem dificuldades em produzir no sistema de Produção Integrada em função dos custos onerosos, da indisponibilidade de assistência técnica especializada e de doenças e pragas que acometem a produção.

Esses resultados se relacionam com estudos Europeus que demonstram que as certificações agroambientais devem ser dirigidas não apenas aos agricultores, mas também as outras partes interessadas a fim de justificar e assimilar o aumento de custo da produção certificada (Pink, et al 2024).

Já a comercialização internacional de carnes só é permitida se o produto seguir rigorosos padrões de qualidade. A comprovação da forma de produção, visando garantir a segurança alimentar se torna possível por meio de sistemas seguros de rastreabilidade. Modelos de certificação via blockchain, inicialmente aplicado ao mercado financeiro, auxilia na superação de algumas limitações enfrentadas no setor de produção de carne bovina brasileira. Sistema de rastreabilidade descentralizado, seguro e de baixo custo deve ser projetado para receber informações de forma automática, e com custos compatíveis com os valores que os consumidores estão dispostos a pagar.

Sobre a rastreabilidade bovina no Brasil, pesquisas foram realizadas com produtores em 2009. Cerca de 17% haviam aderido ao novo SISBOV mas outros 36% tinham fazendas. As principais dificuldades encontradas pelos pecuaristas foram: mudanças frequentes nas normas do novo SISBOV, perda de elemento de identificação, remuneração inadequada pelos animais rastreados por parte dos frigoríficos e instabilidade de mercado.

Em outra a análise foi medida a probabilidade da adoção da certificação SISBOV pelos agricultores do Estado de São Paulo. A adoção da rastreabilidade esteve positivamente associada a escala de produção e produção intensiva em capital sistema, que requer ferramentas de gestão e tecnologia da informação. A participação em associações de agricultores e grupos organizados informalmente aumentam a probabilidade de adoção. Agricultores com essas características também possuem um alto nível de educação formal e são capazes de acessar informações através de muitas fontes, incluindo fontes pagas.

Sabio e Spers (2020), indicam que o aumento do interesse dos consumidores pela origem dos alimentos é motivado por uma maior preocupação com a composição dos produtos, bem como uma preocupação em relação ao impacto social, econômico e ambiental do que eles estão consumindo. No entanto, como identificado em estudo de Andrade et al (2013), é importante destacar uma questão referente a percepção dos consumidores em relação a possível aumento de preço dos alimentos quando rastreados.

Avaliando a disposição dos consumidores a pagar (DAP) pela rastreabilidade dos alimentos observou-se uma tendência ascendente constante ao longo do tempo, atingindo um prémio de preço de cerca de 32% para alimentos rastreáveis do que os seus homólogos nos países desenvolvidos. A carne rastreável é superior à de outras categorias de alimentos com 11% de prêmio. Os códigos (QR Codes etc.) incorporados reduzem a DAP, enquanto o fornecimento de informações sobre tecnologias que permitem a rastreabilidade tem um impacto positivo.

Apesar das diferentes posições dos pesquisadores é possível inferir sobre como esse foco da agroindústria e corporações na rastreabilidade para conformidade socioambiental pode trazer um benefício sistêmico de boas práticas para toda a cadeia em função de preservação ambiental, redução de desmatamento ilegal, mitigação de trabalho escravo, uso adequado de insumos químicos, melhor uso de recursos naturais assim como o pagamento de prêmio ao produtor pela qualidade do produto rastreado ou pelos serviços ambientais prestados.

O ponto de equilíbrio está na redução de assimetria das informações do real interesse das corporações no uso da rastreabilidade, para balancear percepções e diluir os custos de implementação em escala para inclusão de pequenos produtores e demais agentes. Mesmo com o benefício da redução de assimetria de informação, ainda é necessário: integrar e organizar as cadeias produtivas; reduzir o déficit do pequeno produtor em relação ao uso de tecnologias e nível de digitalização; reduzir a resistência cultural de produtores em abrir e compartilhar informações; melhorar a infraestrutura de conectividade; aperfeiçoar a legislação de rastreabilidade.

Regulamento da União Europeia para produtos livres de desmatamento

Foto : Jonathan Campos

O “Deforestation Act” (EUDR), regulação sobre importação e exportação do mercado da União Europeia de commodities usualmente associadas ao desmatamento e à degradação ambiental, engloba a soja, a carne bovina, a borracha, a madeira, o cacau, o café e o óleo de palma, sendo que os produtos derivados incluem celulose, farelos e farinhas de soja, chocolate, papel e embalagens.

Estima-se um impacto potencial de US$ 14,7 bilhões, nas exportações brasileiras com efeitos dessa lei.

Através da construção de um “Índice de Probabilidade de Conformidade” para cumprir os requisitos do EUDR foi possível avaliar o café é o setor com maior nível de incentivos e os menores obstáculos para o cumprimento das exigências (0,89), enquanto o setor pecuário (0,3) pode enfrentar desafios mais fortes para ajustar rapidamente o seu sistema de produção para uma cadeia de valor livre de desmatamento e comprovar a conformidade.

O Índice de Probabilidade de Conformidade indica o potencial de cada com sistema de modificação para cumprir os regulamentos do EUDR considerando: a parcela da produção brasileira exportada; a participação das exportações brasileiras para o UE; a cobertura das normas voluntárias existentes; o domínio dos pequenos produtores; o desmatamento absoluto associado à comodity relevante e o desmatamento em relação à área total cultivada.

O resultado demonstrou que o melhor cenário está no café com índice de 0,89 seguido pela soja com 0,64, ambos com índice de conformidade muito alto e alto. A madeira (0,46) e o óleo de palma (0,44) ficam no estágio moderado enquanto o cacau (0,32) e a carne bovina (0,3) ficam com índices de probabilidade baixos.

Existem diferenças significativas entre produtos agrícolas e setores não agrícolas, enfatizando particularmente a necessidade de melhores dados de medição na indústria da carne bovina em relação às emissões de GEE, uso da água, saúde do solo e bem-estar animal, em uma visão holística a fim de medir sua sustentabilidade.

As obrigações impostas pela regulação incluem a realização de due diligence (auditoria) em toda a cadeia produtiva do produto a ser

Foto: Pixabay

importado, assegurando que o produto em questão não está associado ao desmatamento (legal ou ilegal) ou à degradação florestal em toda a sua cadeia produtiva.

Verifica-se, assim, que, em termos gerais, o EUDR pretende forçar os produtores a passarem por essas cinco etapas de avaliação, mitigação e redução dos riscos, especialmente os associados ao desmatamento, de modo a contribuir para cadeias de valores agrícolas mais sustentáveis e resilientes.

Esse cenário tende a mudar com a abrangência de outras commodities ainda mais relevantes para os países exportadores, como a soja para o Brasil. A regulação trará impactos consideráveis para os produtores/exportadores brasileiros das commodities abarcadas, que terão que arcar com os seus custos de implementação, que envolve a coleta, armazenamento e registro de informações, bem como sua submissão para a Comissão Europeia anualmente, estando sujeitos a diversos tipos de verificação da veracidade das informações, bem como a sanções em caso de descumprimento.

Analisando-se as exportações brasileiras dos produtos em questão, verifica-se que, muito embora os produtos tenham relevância em termos absolutos, em termos comparativos a União Europeia tem perdido importância como mercado consumidor das commodities brasileiras, não absorvendo proporcionalmente o crescimento significativo das exportações.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e a União Europeia, que ainda está em negociação, ganha ainda mais importância, a fim de garantir o efetivo acesso da produção agrícola brasileira ao mercado europeu, a despeito de barreiras como o EUDR, assegurando a competitividade dos produtos brasileiros.

O Direito Ambiental Internacional reconhece que os países possuem responsabilidades diferenciadas frente o combate às mudanças climáticas, de modo que, ainda que seja exigido mesmo tratamento do produtor nacional europeu, o excessivo ônus imposto peloE UDR aos países em desenvolvimento, que contam, inclusive, com menos infraestrutura para cumprir com os requisitos obrigatórios da due diligence. Assim, o tema poderia ter sido tratado de forma mais colaborativa, inclusive no âmbito de mecanismos já presentes no regime internacional de proteção florestal, como o MDL e o REDD.

A necessidade de aperfeiçoar mecanismos de rastreamento de insumos da agroindústria e exigir das grandes empresas que atuam nas cadeias produtivas maior transparência acerca das informações do seu negócio vem sendo discutida em alto nível no parlamento brasileiro.

Cinco grandes esquemas de Voluntary Sustainability Standards (VSS) agrícolas e florestais em relação a estrutura esperada do EUDR revelou tanto capacidades quanto limitações, mas insuficientes para demonstrar conformidade com o EUDR. Foram eles o Fairtrade International, FSC, Rainforest Alliance. RSPO e RTRS.

O EUDR realça a necessidade de dados precisos e de sistemas informáticos interligados, alimentado por declarações, pesquisas, auditorias, verificações e certificações. Estes dados agregados devem permitir uma análise que desencadeia verificações aleatórias. Entretanto, depende de uma abordagem de interface eletrônica da UE onde as declarações de due diligence são armazenadas e podem
ser verificadas. A inciativa de criação de um Passaporte Digital de Produto (DPP), outra deve permitir mais coletas de dados.

A Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal propôs por meio do PL 1.822/2022 a disponibilização em sites de fácil acesso que possibilitem a consulta da situação ambiental, fundiária e trabalhista de todos os imóveis rurais do país, de modo a permitir um controle mais rigoroso e efetivo da conformidade legal e da origem dos produtos agropecuários por bancos, pelas agroindústrias e pelos consumidores finais.

Desse modo, será possível evitar custos adicionais necessários para a obtenção de certificações privadas, considerando que o governo brasileiro, em suas várias instâncias, já possui dados robustos capazes de verificar a existência ou não de irregularidades por meio de monitoramento por satélite e de integração de sistemas governamentais, de forma automática e gratuita para o usuário final.

Boas Práticas Agropecuárias

As Boas Práticas Agropecuárias (BPAs) são um conjunto de orientações técnicas que visam assegurar a qualidade da produção, minimizando riscos à saúde humana, ao meio ambiente e ao bem-estar animal. A adoção dessas práticas permite um controle mais rigoroso sobre o processo produtivo, aumentando a segurança alimentar e a sustentabilidade.

Com as BPAs, buscam-se resultados relacionados:

  • À segurança e às condições sociais das pessoas, pois elas melhoram as condições e o bem-estar dos trabalhadores e suas famílias;
  • À segurança alimentar, pela produção de alimentos sadios, não contaminados e de maior qualidade para melhorar a nutrição e a alimentação;
  • Ao meio ambiente, pois os recursos como a água, o solo, o ar e os serviços naturais são menos impactados negativamente;
  • À segurança dos produtos, através de um gerenciamento sistemático que permite uma maior rastreabilidade de suas etapas de produção e comercialização, além de maior acesso ao mercado mais exigente;
  • Ao bem-estar animal, uma vez que há um melhor tratamento dos animais e uma alimentação mais adequada.

Rastreabilidade

A rastreabilidade da produção é um elemento essencial para garantir a origem dos produtos agrícolas, permitindo o acompanhamento de todas as etapas da cadeia produtiva, desde a origem até a comercialização. Este mecanismo facilita o controle sobre o uso de insumos, práticas de manejo, conformidade com padrões de sustentabilidade e, principalmente, permite a resposta rápida em caso de problemas de qualidade ou segurança alimentar.

Certificação

A certificação surge como um instrumento complementar às BPAs e à rastreabilidade, assegurando que as propriedades seguem critérios e normas predefinidas de sustentabilidade, qualidade e segurança alimentar.

Exemplos de certificações privadas, como a GlobalGap, Rainforest Alliance, Fair Trade e RTRS, demonstram que os selos podem abrir portas para mercados exigentes, como o europeu. A certificação orgânica, credenciada pelo Ministério da Agricultura, tem destaque pela sua abrangência e rigor, sendo auditada por terceiros, garantindo conformidade com as normas vigentes e segurança para o consumidor.

Além dessas certificações temos no Brasil, já devidamente regulamentas e desenvolvidas, as certificações da Produção Integrada (PI-Brasil) e da Agricultura Orgânica.

Dessa forma, por meio de modelos de certificação de terceira parte, todos eles vinculados a autoridade de metrologia brasileira, o Inmetro, é possível acreditar empresas e certificar produtos com códigos de rastreamento. Esse modelo, deve ser considerado quando desenvolvemos uma grande plataforma integrativa para rastreabilidade e certificação.

A agricultura orgânica é considerada o modelo mais exitoso de certificação no Brasil. Ele garante um processo pelo qual um organismo de avaliação da conformidade credenciado dá garantia por escrito de que uma produção ou um processo claramente identificado foi metodicamente avaliado e está em conformidade com as normas de produção orgânica.

Já o sistema de certificação foi definido como o conjunto de regras e procedimentos adotados por uma entidade certificadora, que, por meio de auditoria, avalia a conformidade de um produto, processo ou serviço, objetivando a sua certificação. Esse modelo está dentro de um grande sistema de governança do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica. Atribuímos boa parte do sucesso desse sistema ao modelo institucional escolhido, na forma de sistema e conselhos ambientados em um Decreto Presidencial (Decreto 6.323/2007).

Plataforma Digital e Integrada:

Foto: Freepik

A proposta de integrar informações de produção sustentável no Brasil organizando dados de conformidade, rastreabilidade e sustentabilidade em um sistema digital que será gratuito e voluntário para os produtores é um desafio necessário no cenário atual.

A agropecuária, enfrenta obstáculos como a falta de confiança, dificuldades de rastreamento e ineficiências na gestão da cadeia de abastecimento. Entretanto, resultados de pesquisas recentes enfatizaram o efeito significativo e positivo da Blockchain (BCT) na agricultura, enfatizando a necessidade para esforços cooperativos entre governos, pioneiros da indústria e especialistas em tecnologia para encorajar a sua ampla implementação e contribuir para o avanço de uma economia sustentável e sistema alimentar resiliente.

As recentes políticas europeias apoiaram o crescimento das inovações tecnológicas e digitais nas empresas, reconhecendo que a digitalização tem um papel estratégico a desempenhar na modernização do sector agroalimentar e na evolução para transição ecológica. Estudos poderiam moldar novas abordagens de governança e novos modelos de negócios.

Para viabilizar uma BCT na agricultura é necessário colaboração, clareza jurídica e conhecimentos tecnológicos. Interoperabilidade a capacidade, a escalabilidade são fatores fundamentais e, portanto, os políticos, os líderes da indústria e os especialistas técnicos devem trabalhar juntos para promover uma BCT sustentável e resiliente.

A tecnologia de Blockchain pode ser resumida como um registro digital, imutável e descentralizado de transações que é replicado e distribuído em toda a cadeia.

Características essenciais como transparência, imutabilidade, redundância, versatilidade, automação e remessa foram classificadas como essenciais em revisão cientifica sistemática.

Entre essas características, a imutabilidade e a automação têm um papel proeminente na implementação atual, particularmente na rastreabilidade dos alimentos e na qualidade do produto (incluindo questões éticas ou ambientais) é alocada de forma muito assimétrica ao longo da cadeia de abastecimento.

Foto: Divulgação/Arquivo OPR

Uma plataforma oficial permitirá ao mercado e consumidores acessar informações claras sobre como e onde os produtos foram cultivados, reforçando o diferencial competitivo dos produtos agropecuários brasileiros e facilitando a conformidade com regulações internacionais, como o regulamento EUDR da União Europeia.

O conceito para esta plataforma é a identificação de quem está produzindo, o que, quando, quanto e onde e por meio de uma avaliação conjunta em diferentes bases de dados, prover informações sobre a conformidade da produção sobre o atendimento a legislação nacional e está livre de desmatamento.

Já em uma segunda camada, é possível avaliar os lotes de produção com base em análises sobre a adoção de práticas sustentáveis como do Plano ABC+ e quais certificações existem para essa produção.

As estratégias para organização das informações estão em explorar a expertise do Serpro na gestão de bases de dados públicas e múltiplas como o TerraClass Brasil, o Cadastro Ambiental Rural, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar, o Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (Sisbov), Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sibraar) e o Sistema de Informações do Plano ABC+ SINABC. Além disso para verificação da propriedade será verificada a base do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), e o Cadastro Compartilhado da Receita Federal.

Os dados sobre direitos trabalhistas e evasão fiscal poderão ser consultados integrando-se as bases do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil (SIT), Portal da Nota Fiscal Eletrônica NF-e e de Imposto Territorial Rural (ITR), enquanto áreas sobrepostas podem ser consultadas nas plataformas de dados espaciais da Funai e do INDE.

A inserção dos dados será feita pelos produtores rurais, considerando sua opção de cadastramento voluntário. O processamento e consumo desses dados será feito pelas Empresas terceirizadas responsáveis pela cadeia de custódia, rastreabilidade, certificações, auditorias ou outros serviços. Finalmente, o consumo desses dados pelo mercado consumidor, em uma única plataforma.

O uso da autenticação do sistema gov.br é o mecanismo de acesso digital único do usuário aos serviços públicos federais, estaduais e municipais regulamentado pelo Decreto nº 8.936/2016. Com base nesse sistema é possível integrar as diferentes bases de dados públicas e ainda possibilitar a conexão com outras entidades certificadoras, com todas as garantias de sigilo das informações individuais previstas na Lei Geral de Proteção de Dados, mas coerente com a política de dados abertos.

Para produtos agropecuários vegetais, perante a EUDR, a avaliação é realizada quanto ao talhão de produção (plot of land), e para a produção animal é realizada quanto à propriedade rural.

Ao final o lote de produção declarado será avaliado quanto a coerência com a análise de uso e cobertura da terra, se há sobreposição de limites, sobreposição de lotes em local e época, a produtividade declarada e sua compatibilidade com índices conhecidos e reais, a data de colheita declarada compatível com a cultura, região e época.

Mapeamento do posicionamento do setor regulado e suas sensibilidades:

Uma série de encontros que ocorreram em 2022 e 2023, onde foram identificadas as necessidades de uma política pública para o

Foto: André Ebone

monitoramento, rastreabilidade e transparência nas cadeias da carne e da soja no Brasil.

Entre as discussões realizadas no âmbito da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura as soluções mapeadas para o setor da soja e identificado que a inserção das referências do CAR na Nota Fiscal e a definição de uma Inscrição Estadual por fazenda são propostas não excludentes e consideradas interessantes para aprofundar entendimento da viabilidade e desafios de implementação.

É preciso compreender que as discussões na Coalizão Brasil, Clima, Florestas reúnem mais de 400 empresas, entre elas as maiores da proteína animal no mundo, aquelas de comércio de grãos e de insumos agropecuários, além de ONGs e associações como Abiove, Abiec, Abrapalma e Abag.

Para a pecuária, foram discutidas as propostas de rastreabilidade em lote, conduzida pelo setor privado como uma solução de curto prazo, em que o CAR deve ser inserido na GTA, e a proposta de rastreabilidade individual, liderada pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS), para ser a contribuição para a Política Nacional de Rastreabilidade do governo federal, considerada uma solução de longo prazo.

Para os dois setores, soja e pecuária, foi identificada a necessidade de um Sistema Único de Identificação do Território, para unificar a informações territoriais nas diversas bases do governo (CAR, Incra, OESAs, RFB) e facilitar a identificação da propriedade de origem da produção da soja e do gado.

Foi reforçada também a importância desse sistema público dar transparência à conformidade legal da propriedade rural. Com base nessas informações, o setor privado avalia critérios adicionais, conforme protocolos privados (ex. para atendimento às exigências da União Europeia).

Entidades como a Abiove demonstram a necessidade de controle na originação e rastreabilidade da soja com soluções já existentes e gargalos de implementação apresentando as recomendações para políticas públicas voltadas ao aprimoramento da rastreabilidade e da transparência no setor da soja no Brasil, como:

  • Aprimorar o sistema atual, vinculando a fazenda ao volume recebido: Inclusão CAR na Nota Fiscal;
  • Inscrição Estadual no nível da fazenda: criar uma plataforma única do governo: alinhamento cadeia da carne e outras
  • Blockchain – contratos inteligentes: Rastreabilidade por QR Code.

Foto: Divulgação

Os critérios para garantia de compliance socioambiental, baseada na Experiência da iniciativa Boi na linha, da ONG Imaflroa, foram considerados elementos chave para uma política nacional de rastreabilidade e transparência.

Durante as discussões com representantes concentraram em elementos-chave para uma política de rastreabilidade e transparência, soluções de rastreabilidade existentes e os desafios e viabilidade de implementação. Para a soja, foram discutidas propostas como a inclusão do CAR na Nota Fiscal e a definição de Inscrição Estadual por fazenda.

Para a pecuária, foram abordadas propostas de rastreabilidade em lote e rastreabilidade individual. Além disso, a necessidade de um Sistema Único de Identificação do Território foi destacada para unificar informações territoriais e garantir a identificação da origem da produção

O monitoramento socioambiental na proposta de rastreabilidade individual, sugerido pela MBPS deve incorporar a sugestão que seja o governo (Mapa) a garantir um compliance mínimo (legalidade) nas transações, sem impedimento que protocolos privados voluntários deem garantias adicionais, garantindo acesso à informação da cadeia de custódia para fins de cumprimento de protocolos privados.

O consenso nos debates demonstrou que é necessário separar incentivos para rastreabilidade da cadeia da soja e pecuária pois são problemas incentivos e soluções diferentes.

Conclusões e recomendações:

Foto: Lucas Fermin

Um modelo institucional que integre as Boas Práticas Agropecuárias, Rastreabilidade e Certificação permitirá à agropecuária brasileira continuar sendo competitiva no mercado global.

Uma plataforma pública ambientada no governo federal, representa um passo importante nessa direção, ao disponibilizar uma solução acessível para produtores, comercializadores e outros atores da cadeia produtiva. A integração dessas práticas promove a confiança do consumidor, garante a conformidade com padrões rigorosos e assegura um futuro sustentável para o agronegócio brasileiro.

O setor regulado brasileiro está alinhado a esta estratégia como demonstra pelos resultados apresentados em diversos grupos de trabalho em coalizões construídas para a discussão desse tema.

A nova regulamentação da União Europeia, mesmo que tenha seus efeitos adiados, definiu um novo modelo de produção baseado em uma rastreabilidade completa, que transcende as questões sanitárias ou de segurança dos alimentos, mas se conecta profundamente com modelos de compliance ambiental e social.

Em que pese esse alinhamento entre mercado e governos, e ainda, o avanço das primeiras interações do sistema eletrônico do Ministério da Agricultura e Pecuária não existe um consenso sobre o contexto institucional para recepcionar esse processo, nem tampouco sua governança e curadoria de informações.

Fica claro que a expertise e competência legal do Mapa para temas que até o momento eram alvo de inspeção e certificação sanitária para garantias do mercado, deve ser aproveitada nesse novo desafio da sustentabilidade. Entretanto, diversos outras processos e sistemas, além de outras instituições com competências especificas precisarão ser envolvidas.

Considerando a importância de todo o processo de rastreabilidade para o agronegócio e os riscos de prejuízos, além da necessidade de interagir rapidamente com iniciativas já funcionais realizadas pelo setor privado é necessária a instalação de um Programa Nacional de Rastreabilidade e Certificação de Boas Práticas Agropecuárias, resgatando e reconhecendo a relevância de programas como a Produção Integrada, iniciados nos anos 2000.

A existência atualmente de 28 normas, entre leis, decretos e portarias que já disciplinam as questões de rastreabilidade e boas práticas mostra a necessidade dessa nova etapa de integração. A essência original da rastreabilidade voltada as questões sanitárias, mais evidente na cadeia de carnes, transborda agora para os compromissos ambientais afirmados desde 1981, mas consolidados em 2009 com a Política Nacional de Mudança do Clima e em 2012 com o Código Florestal.

Dessa forma, considerando a convergência de percepção da urgência e oportunidade do setor agropecuário e do governo brasileiro, mesmo com os questionamentos e polêmicas sobre o EUDR, o salto para uma rastreabilidade viável parece estar pronto para acontecer.

A melhor chance de sucesso estará no reconhecimento dos casos de sucesso do setor privado e sua integração com o sistema oficial, com mínimo de intervenção estatal no processo, privilegiando a liberdade econômica, mas possibilitando ganhos para toda a sociedade com comprovação de que a produção agropecuária brasileira é sustentável e pode ser certificada.

Fonte: Por Luis Eduardo Pacifici Rangel, engenheiro agrônomo e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS); e Luiz Carlos Bhering Nasser, professor de Pós-Graduação em Análise Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCEUB/ICPD e membro do CCAS.
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Produtor rural e os novos impostos: a realidade tributária para o agronegócio 

A reforma, ao que tudo indica, vai simplificar apenas o processo de arrecadação, mas não a vida do contribuinte.

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Foto: Divulgação/Arquivo OPR

O projeto que regulamenta a reforma tributária (PLP 68/2024), em tramitação no Senado Federal, já recebeu mais de 1.400 emendas, das quais parte será incorporada ao texto. Isso exigirá o retorno da proposta à Câmara dos Deputados. A expectativa dos parlamentares é concluir a votação do projeto, nas duas Casas, até o final do ano. Após a construção de um texto de consenso no Congresso Nacional, o acordo também envolverá o governo federal.

Foto: Jonathan Campos

Há muitos anos, discute-se a necessidade de uma reforma tributária. Em um discurso na Central do Brasil, em 1963, o ex-presidente João Goulart já propunha essa ideia. Naquela época, a carga tributária no Brasil era de 17,5%; hoje, esse índice está entre 34% e 35%. O tema tem sido debatido nas últimas décadas, e agora, nossos parlamentares e o governo pretendem aprová-lo em 60 ou 90 dias. Isso parece uma decisão bastante precipitada que, certamente, vai gerar consideráveis problemas e complicações fiscais e tributárias, notadamente para os produtores rurais.

Diante desse cenário, o mínimo necessário é que a sociedade brasileira, especialmente, os diversos segmentos do agronegócio, procure o auxílio técnico atualizado de um profissional da área fiscal e tributária para fazer os ajustes necessários decorrentes da reforma tributária que está a caminho !.

É importante destacar que a maioria dos produtores rurais é, na verdade, uma empresa. O fazendeiro, o produtor rural, é uma empresa.

Sim, o produtor rural pode ser considerado empresário, desde que a atividade rural seja a sua principal profissão. O produtor rural pode optar por se inscrever como empresário, mas também pode permanecer como pessoa física; todavia, não fugirá dos impostos.

Foto: Albari Rosa

O produtor rural é a pessoa física que explora a agricultura, a pecuária, a silvicultura, a aquicultura, a pesca ou o extrativismo de produtos. O empresário rural é aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica ligada à terra, à produção de animais ou à comercialização de produtos, o que acontece com a maioria dos pequenos produtores rurais que, atualmente,  são a força do agronegócio no Brasil.

No segundo semestre de 2025, serão necessários os primeiros ajustes tributários, e, a partir de 2026, conviveremos com dois sistemas tributários.

É essencial que os produtores rurais estejam atentos às novas regras contábeis, para evitar o pagamento de tributos em excesso e, também, se precaver contra prejuízos. No cenário atual, especialmente sob o governo vigente, a Receita Federal implementou diversas penalidades para o descumprimento de obrigações acessórias, muitas delas decorrentes de erros no preenchimento de documentos fiscais.

Outro grande desafio enfrentado pelos produtores rurais é o pagamento do imposto de renda. A apuração correta do imposto de renda de um produtor rural é complexa, pois exige o controle do livro caixa, que inclui a contabilização de despesas como óleo diesel, insumos e outros custos essenciais. É crucial estar atento para não pagar mais do que o devido. Além disso, é importante saber quais despesas são dedutíveis e evitar a omissão de informações, o que pode gerar autuações. Em 2022, a Receita Federal realizou uma operação direcionada exclusivamente aos produtores rurais, fiscalizando 67 mil deles e emitindo um número considerável de autos de infração.

É vital que o produtor rural entenda que seu empreendimento é um negócio. Muitas vezes, esses produtores começaram suas atividades há muitos anos,

Foto: Albari Rosa

trabalhando sozinhos ou com a família, e o negócio cresceu. No entanto, por falta de conhecimento, muitos não pagam os impostos corretamente, operando como empresas informais. Quando se tornam pessoas jurídicas, enfrentam inúmeras responsabilidades adicionais, que não são simples de administrar. A complexidade atual é grande, e com a reforma tributária, haverá ainda mais mudanças para os pequenos produtores.

A reforma, ao que tudo indica, vai simplificar apenas o processo de arrecadação, mas não a vida do contribuinte. Durante sete anos, conviveremos com dois sistemas tributários simultâneos: o atual e o novo. Esse período será mais complicado do que a situação atual. Como não há clareza sobre o funcionamento do sistema no futuro, não podemos garantir que será mais simples. Por isso, é fundamental que nos preparemos desde já. A reforma tributária está batendo à porta! Como dizia Winston Churchill: “Não há nada que o governo possa lhe dar que não tenha tirado de você antes.”

Fonte: Por Eduardo Berbigier, advogado tributarista, especialista em Agronegócio e membro dos Comitês Jurídico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira.
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