José Zeferino Pedrozo Opinião
Ainda, a questão do arroz
Brasil constituiu há 30 anos um instrumento estatal para administrar essa situação
Artigo escrito por José Zeferino Pedrozo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de SC (Faesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/SC)
A forte elevação do preço do arroz para o consumidor brasileiro é um episódio que reflete as dificuldades que o País tem de conciliar oferta com demanda. Antes de aprofundar esse tema é necessário repetir que o encarecimento desse alimento básico não é culpa do produtor rural. Os arrozeiros amargaram prejuízos nos últimos anos, razão pela qual boa parte deles migrou para outras culturas, levando a uma redução da produção. Além disso, boa parte foi exportada. Assim, a oferta no mercado doméstico caiu e o preço subiu. O arroz que está sendo negociado no mercado interno não está mais nas mãos dos agricultores, mas de operadores do mercado de cereais.
Apesar dessa constatação, é preciso acreditar que, no regime capitalista de livre concorrência, as forças do mercado interagem e se ajustam espontaneamente. A ciência econômica recomenda pouca ou nenhuma intervenção estatal, em face da constatação histórica de que a intervenção do Estado cria mais distorções do que benefícios para o conjunto da sociedade: aparentes benefícios aos produtores e consumidores se transformam em pesadelo diante da deterioração dos fundamentos econômicos.
O Brasil constituiu há 30 anos um instrumento estatal para administrar essa situação. Em abril de 1990 foi criada a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, encarregada de gerir as políticas agrícolas e de abastecimento, visando assegurar o atendimento das necessidades básicas da sociedade, preservando e estimulando os mecanismos de mercado.
A empresa perdeu protagonismo com o robusto crescimento da produção brasileira de grãos nas últimas décadas e com a elevação do País à condição de grande exportador mundial. De forma semelhante, perdeu importância a política de estoques reguladores, embora a Conab ainda tenha capacidade estática de estocagem para 2 milhões de toneladas. O Ministério da Agricultura está, corretamente, desfazendo-se do patrimônio imobilizado da estatal e dos 92 armazéns que existiam no ano passado, 27 unidades foram fechadas. O governo federal não tem, historicamente, eficiência nessa área, prova disso é que os armazéns desativados darão economia de até R$ 11 milhões por ano à companhia e evitarão dispêndios de quase R$ 30 milhões nos próximos anos na manutenção de suas estruturas. Por outro lado, os instrumentos à disposição do Ministério da Agricultura estão legalmente orientados para situações de quedas de preços e garantia de renda dos produtores, e não para conter aumentos acelerados.
Apesar do aumento de quase 25% ao consumidor final, o fato é que os rizicultores ainda não conseguiram compensar os prejuízos das safras anteriores, de acordo com cálculos do Cepea/Esalq. No ano passado, o Brasil ocupou a 97ª posição no ranking de preços em dólar do cereal, com US$ 0,97 por quilo. O arroz mais caro foi consumido no Japão à US$ 4,83, que liderou a lista. Com o câmbio atual, o kg no campo brasileiro, apesar da disparada, situa-se em menos de US$ 0,40.
A situação do arroz é curiosa, como um dos cereais mais consumidos do mundo. O consumo mundial na safra 2018/2019 foi de 494 milhões de toneladas. O maior produtor é a China e o Brasil fica em 11º lugar. Pouquíssimas vezes na história o Brasil teve que importar. No ano passado, o País colheu 12 milhões de toneladas, mas, os preços ruins dos anos anteriores e a seca deste ano levaram à redução da área plantada. Além disso, houve migração para soja e a safra baixou para cerca de 10,4 milhões de toneladas.
Além da produção menor, a situação cambial estimulou a exportação de arroz industrializado para o México. No início da colheita, o produtor recebia R$ 45,00 pela saca de 50 kg, preço que evoluiu para R$ 100,00/saca. Entretanto, o mercado externo pagou melhor, razão pela qual o arroz brasileiro foi para o mercado mundial. Resultado: faltou produto no mercado doméstico e será necessário importar porque a próxima safra só entra em fevereiro de 2021.
Quando os preços dos alimentos estão deprimidos e os produtores contabilizam prejuízos, a sociedade se beneficia, mas não se preocupa em criar mecanismos compensatórios a quem produz alimentos. Isso é próprio do mercado, onde a lei de oferta e procura continua soberana.
José Zeferino Pedrozo Estratégia
Inteligência agrícola
Brasil só tem a ganhar com inteligência de mercado, afirma o presidente da Faesc e do Senar/SC.
A agricultura é uma atividade exposta a muitos fatores incontroláveis e imprevisíveis: clima, mercado, câmbio, políticas públicas, crédito etc. É uma empresa sem telhado. Nas últimas décadas, o crescente emprego de tecnologia garantiu sucessivos aumentos da produção e da produtividade e, assim, reduziu o nível de incerteza nesse aspecto. Como resultado de todas essas variáveis imprevisíveis, os agentes do mercado – produtores rurais, agroindústrias, consumidores – enfrentam, alternadamente, períodos de escassez sucedidos de períodos de excesso de demanda, ora castigando quem consume, ora quem produz.
Exemplos marcantes são as crises de abastecimento de matéria-prima, ora por escassez acentuada, ora por excesso de oferta, que se repetem de tempos em tempos. Esse é um dos fenômenos mercadológicos que podem ser estudados com modelos de previsão e prevenção de crise. Essa atividade de inteligência e planejamento agrícola seria atribuição da Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab. Países desenvolvidos já contam com esse serviço.
As avaliações e previsões de agência de inteligência agrícola são essenciais para balizar o mercado, orientar a planificação das grandes cadeias produtivas, o desenvolvimento das lavouras, a pecuária e o extrativismo, prevenindo escassez acentuada ou oferta excessiva. Esse esforço de inteligência também auxilia para que as exportações – necessárias e essenciais para a economia brasileira – não provoquem desabastecimento interno.
Recentemente, especialistas do setor agropecuário e pesquisadores participaram de um evento que discutiu ‘Inteligência de Mercado e Competitividade do Agro’, promovido pelo Sistema CNA/Senar e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), por meio do acordo “Juntos pelo Agro”. O encontro reuniu parlamentares, lideranças do setor produtivo, representantes do governo, especialistas e presidentes de Federações de Agricultura e Pecuária. Contou com o apoio da FAO, do Cepea e da Sober.
A competitividade do setor frente ao cenário mundial, a influência das tendências de consumo e da geopolítica na produção de alimentos e as inovações e gestão de dados que auxiliam nas tomadas de decisão foram aspectos debatidos. O produtor brasileiro não tem subsídios do governo, precisa investir em insumos para o solo, sofre com variações climáticas e, ainda assim, é competitivo no mercado global, graças à produtividade e sustentabilidade. Mas precisa investir em melhorias do escoamento e no armazenamento. O país possui muitas vantagens em termos de área e solo, mas precisa ser mais competitivo fora da porteira. O Brasil tem que continuar produzindo, ganhando economia de escala. Precisa estar preparado para as exigências do mercado externo.
A compreensão da dinâmica do mercado permite prever as tendências de consumo e os modelos de negócios dos principais parceiros comerciais do Brasil, as megatendências setoriais (como a natureza e o clima) pautando negócios, mão de obra qualificada escassa, digitalização etc. A inteligência de mercado prepara todos os atores para a nova agenda ambiental e as novas legislações sobre o tema, como a Lei Antidesmatamento da União Europeia, a agenda ESG e as exigências que geram responsabilidades para o Brasil.
Face a sua importância para a segurança alimentar global e para a segurança energética e socioambiental, o Brasil só tem a ganhar com inteligência de mercado.
Colunistas Artigo
A verdadeira imagem do agro
O fortalecimento da consciência ambiental e a expansão do conhecimento técnico repercutem na melhoria da renda do produtor que, assim, efetivamente conquista maior qualidade de vida.
O Brasil é um país continental marcado por fortes contrastes entre as diferentes regiões brasileiras. A integração desse imenso território é resultado, basicamente, de dois fatores: uma mesma língua falada de norte a sul e a comunicação social oportunizada pelas telecomunicações e pela radiodifusão. O Rádio e a Televisão contribuíram muito na formação da cidadania brasileira e no fortalecimento de símbolos nacionais.
Nesse universo de atores e protagonistas exerceu papel fundamental na interiorização do desenvolvimento nacional a população rural. As famílias do campo ocuparam extensas áreas do hinterland brasileiro, fundaram vilas e cidades, instalaram processos de produção e geraram riquezas. Em 1980, aproximadamente 36% da população brasileira viviam em áreas rurais. A migração para as cidades – fenômeno verificado em todo o mundo – reduziu esse percentual para 15%, em 2020, mas a importância econômica e social desse estamento agigantou-se.
Eficientes cadeias produtivas surgiram, como as de grãos (soja, milho, feijão, arroz), de avicultura, suinocultura, bovinocultura de leite e de corte, silvicultura etc., garantindo autossuficiência ao País e segurança alimentar para a população. Os excedentes exportáveis catapultaram o Brasil a grande player no mercado mundial, como exportador de alimentos capaz de nutrir cerca de 1 bilhão de habitantes do Planeta.
O agronegócio brasileiro tornou-se, nas últimas décadas, o responsável pela geração de eloquentes superávits na balança comercial (mais de 141 bilhões de dólares em 2022). A agropecuária e a agroindústria sustentam milhões de empregos no País. O produtor rural é o agente dessa transformação.
Entretanto, avaliações ambíguas e superficiais, fruto do mais completo desconhecimento, estimularam por parte da população, uma visão equivocada da agricultura e do agronegócio. Parte da sociedade acredita que o agro é formado somente por grandes produtores e empresários rurais, interessados apenas no lucro e sem qualquer responsabilidade social ou ambiental. Para desfazer essa percepção injusta e defeituosa, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) estão desenvolvendo uma campanha nos meios de comunicação de massa para mostrar a verdadeira face do agro.
A agricultura e a pecuária – segmentos essenciais do setor primário da economia brasileira – têm como atores pequenos, médios e grandes produtores. O primeiro compromisso dessa parcela da população é a proteção aos recursos naturais (solo, água, flora e fauna) porque somente assim é possível perpetuar a atividade agrícola, pastoril e extrativa.
A grande verdade é que o produtor rural é o maior defensor da natureza e, inclusive, mantêm áreas de proteção permanente (APP) e de reserva legal (RL), em cumprimento a uma das legislações ambientais mais severas do mundo.
Outro aspecto relevante é o crescente emprego de ciência e tecnologia nas atividades rurais. De forma integralmente gratuita, o Senar treina anualmente, em todos os rincões do País, mais de 2 milhões de produtores rurais e suas famílias. Mais de 4 mil técnicos, instrutores e orientadores vão ao campo e fazem das lavouras e dos estabelecimentos rurais as verdadeiras salas de aula, onde a teoria e a prática se complementam, capacitando, qualificando e requalificando homens e mulheres, jovens e adultos, para que a produção no campo torne-se, a cada dia, mais sustentável e com ascendente produtividade.
Estabelece-se, assim, um círculo virtuoso. O fortalecimento da consciência ambiental e a expansão do conhecimento técnico repercutem na melhoria da renda do produtor que, assim, efetivamente conquista maior qualidade de vida.
Reconhecer os pequenos, médios ou grandes produtores rurais como verdadeiros ambientalistas e os responsáveis pela comida farta e de qualidade que os brasileiros consomem todos os dias é uma questão de justiça, pois essa é a verdadeira imagem do agro.
José Zeferino Pedrozo Opinião
Marco temporal traz paz e segurança jurídica para o campo
A decisão dos deputados federais traz segurança jurídica para as atividades laborais e empresariais e assegura a paz no campo, na avaliação do presidente da FAESC
Os produtores rurais e suas famílias respiram aliviados com a decisão do Plenário da Câmara dos Deputados que aprovou o projeto de lei sobre o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas (PL 490/07). A matéria será enviada ao Senado para votação. A decisão dos deputados federais traz segurança jurídica para as atividades laborais e empresariais e assegura a paz no campo, na avaliação do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC), José Zeferino Pedrozo.
O texto aprovado na Câmara está em sintonia com o que reza a Constituição Federal de 1988, ou seja, que a demarcação de terras indígenas será restrita àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Carta Magna.
Para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente deverá ser comprovado objetivamente que essas terras, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural. De acordo com esse entendimento consagrado agora pelo Legislativo Federal, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.
O presidente da FAESC fez intenso elogio aos deputados federais da bancada catarinense que votaram pela aprovação do PL 490/07, observando que o reconhecimento do marco temporal cria um ambiente de confiança nas instituições da República Brasileira – especialmente no Poder Legislativo Federal – e afasta a possibilidade de conflitos na zona rural. “Os produtores rurais de Santa Catarina agradecem aos parlamentares pelo corajoso e transparente posicionamento em favor do reconhecimento da tese do marco temporal.”
A Federação também manifestou gratidão pela atuação dos deputados estaduais que, no âmbito da Assembleia Legislativa, promoveram audiências públicas em várias regiões e defenderam a constitucionalidade, a legalidade e a justiça histórica proporcionada pelo marco temporal.
O dirigente lembrou que em passado recente processos de demarcação de terras em favor de indígenas, em território barriga-verde, geraram muita angústia, tensão, medo e revolta entre centenas de famílias rurais que, ao final, foram injustiçadas com a perda da imóveis rurais legalmente adquiridos e pacificamente ocupados. “Não podemos retornar a esses tempos”.
Avanços
Pedrozo lembra que o marco temporal das terras indígenas é uma tese jurídica elaborada no julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009. Nessa ocasião, o Supremo decidiu que o artigo da Constituição que garante o usufruto das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros deveria ser interpretado contando-se apenas as terras em posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Mas a matéria voltou a ser examinada pelo STF em 2019 com o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, no qual está em disputa o reconhecimento de uma área reclamada por indígenas do povo Xokleng, na Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina. O STF reconheceu repercussão geral ao caso, o que significa que aquilo que vier a ser decidido determinará precedente para todo o judiciário brasileiro. O julgamento foi suspenso no dia 15 de setembro de 2021, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas do processo.